Instituto desenvolve remédio inédito contra veneno de abelha
Há um ano, o soro antiapílico vem sendo testado em dez pacientes que tiveram múltiplas picadas de abelha
Agência Brasil
Publicado em 2 de julho de 2017 às 16h07.
O Instituto Vital Brazil (IVB), vinculado à Secretaria de Estado de Saúde do Rio de Janeiro , está desenvolvendo um medicamento inédito contra veneno de abelhas, em parceria com o Centro de Estudos e Venenos de Animais Peçonhentos da Universidade Estadual Paulista de Botucatu (Cevap/Unesp), cuja tecnologia de produção e o próprio soro poderão ser exportados para outras nações. Países asiáticos já têm manifestado interesse nesse sentido, disse ontem (1º) à Agência Brasil o médico veterinário Luís Eduardo Cunha, assessor da diretoria científica do IVB e doutorando em medicina tropical pela Fundação Instituto Oswaldo Cruz (Fiocruz).
Há um ano, o soro antiapílico vem sendo testado em dez pacientes que tiveram múltiplas picadas de abelha. Os resultados foram muito bons, disse Cunha. "Nesta fase de testes, a gente vê segurança. Nesses dez pacientes em que foi aplicado o soro, correu tudo bem, na medida do esperado."
No mês de julho, o Instituto solicita à Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) a extensão, por mais um ano, da atual fase de testes, chamados estudos clínicos, com o objetivo de testar o soro em mais 10 pacientes, antes que o medicamento seja registrado e possa ser disponibilizado para todo o país.
"Até julho do ano que vem, a gente tem que totalizar 20 pacientes, que é o número que estabelecemos para esse estudo. Como a gente não pode inocular o veneno nas pessoas e depois o soro para testar, e tem que esperar acontecer os casos, isso dificulta um pouco o processo. A gente necessita que os casos aconteçam naturalmente e que sejam perto de onde a gente tem soro", indicou o assessor da diretoria científica do IVB.
Registro
As duas unidades de pesquisa clínica credenciadas e autorizadas pela Anvisa para fazer esse teste estão nas cidades de Botucatu (SP) e Tubarão (SC). Em julho de 2018, alcançando o total de até 20 pacientes, o IVB fechará o relatório de segurança, que será enviado à Anvisa, para que possa liberar o registro. O Instituto passará então a produzir o medicamento para fornecer ao Sistema Único de Saúde (SUS), do Ministério da Saúde, que vai disponibilizar para o Brasil inteiro. A expectativa é que o medicamento possa ser liberado para consumo no segundo semestre de 2019.
Para participar dos estudos clínicos, as pessoas têm que ter entre 18 e 60 anos, não estar grávidas, no caso de mulheres, e ter sofrido acima de cinco picadas de abelha. "O paciente tem que concordar em participar do estudo. É uma participação voluntária. Mesmo ele acidentado ou tendo algum risco de envenenamento, ele tem que optar ou, caso ele esteja inconsciente, um parente junto com o médico pode autorizar o uso do soro. Mas a gente prefere que ele mesmo autorize", destacou Luís Eduardo Cunha.
O tratamento consiste na utilização de duas a dez ampolas de soro, dependendo da carga de veneno que as pessoas acidentadas receberam. Duas ampolas são suficientes para combater 200 picadas de abelha.
Acidentes
Os últimos dados disponíveis no Ministério da Saúde, embora ainda provisórios, segundo observou Cunha, mostram que em 2014 ocorreram 14.062 casos de picadas de abelha no Brasil; em 2015, o número recuou para 13.708 registros, caindo ainda mais em 2016 (11.991 casos). Nos últimos três anos, a incidência por 100 mil habitantes revela sete óbitos por veneno de abelha em 2014, 12 em 2015 e 25 em 2016. A média é 30 mortes por ano para 10 mil a 12 mil acidentes, disse o assessor do IVB. A maior prevalência é entre crianças e idosos. Cunha salientou que, proporcionalmente, o resultado é muito parecido ao que acontece com os casos de mortes com picadas de serpentes, em que são registrados atualmente 110 óbitos para cerca de 30 mil envenenamentos.
Luís Eduardo Cunha apontou que a quantidade de acidentes pode estar relacionada ao aumento da atividade apícola no país, nos últimos anos, sobretudo a partir das décadas de 1950 e 1960, quando foram introduzidas no Brasil abelhas europeias e africanas, venenosas, uma vez que as abelhas nacionais não têm veneno de importância médica. A importação desses insetos objetivou melhorar o desempenho da produção de mel no mercado interno. Houve também uma aproximação da população com apicultores, além do crescimento do volume de notificações de acidentes de picadas de abelhas, que é muito maior hoje do que antigamente, "porque as pessoas sabem que podem ter alguma ajuda a mais em termos de tratamento", lembrou.
Cunha recordou ainda que o Brasil tem uma tradição na produção de soros contra venenos de animais há cerca de 120 anos. O IVB, por exemplo, completará 100 anos em 2019. Além disso, essa é uma atividade do governo, manifestou. "O governo banca essa pesquisa e distribui para o Brasil inteiro". A produção de soros é destinada a venenos de aranhas, escorpiões, serpentes e abelhas. "É um programa admirado no mundo inteiro. Não tem semelhança em nenhum lugar do mundo", explicou.
O IVB é um dos 21 laboratórios oficiais brasileiros, um dos quatro fornecedores de soros contra o veneno de animais peçonhentos, e produtor de medicamentos estratégicos para o Ministério da Saúde.