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Governos ignoram alerta sobre crise d'água, dizem cientistas

Após cientistas apresentaram carta com possíveis ações para enfrentar a crise, a situação piorou e os cientistas ainda não foram procurados por autoridades

Torneira: documento defende mudanças na gestão e aponta problemas como falta de transparência (Thinkstock)
DR

Da Redação

Publicado em 12 de fevereiro de 2015 às 20h13.

Rio de Janeiro - Três meses após a Academia Brasileira de Ciências ter apresentado uma carta aos governos federal, de São Paulo, do Rio e de Minas Gerais com um diagnóstico e possíveis ações para enfrentar a crise hídrica, a situação piorou e os cientistas ainda não foram procurados por autoridades.

O documento defende mudanças na gestão e aponta problemas como falta de transparência, além do risco de "agravamento da instabilidade social".

"Falta fazer o que (Winston) Churchill (1874-1965, ex-primeiro-ministro do Reino Unido) fez na Segunda Guerra Mundial, ou seja, informar brutalmente à população que a crise é muito séria', afirmou José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia, que coordena há 5 anos na Academia o grupo de estudos sobre recursos hídricos.

Segundo ele, a chamada Carta de São Paulo, produzida por 16 cientistas, foi entregue em novembro. "Não recebemos nenhuma resposta. Acho que deveríamos ser ouvidos", disse.

A bióloga Sandra Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ), afirmou acreditar que há uma "barreira praticamente intransponível" que impede a transferência do conhecimento científico. "Ainda existe no País a questão do imediatismo, de fingir que nada está acontecendo. O que aconteceu nas eleições foi varrer para baixo do tapete uma crise que estava na cara", afirmou ela.

Segundo a especialista, estava nítido desde janeiro do ano passado que faltaria água. "Já que a academia não está conseguindo ser ouvida da forma que gostaria pelos tomadores de decisão, vamos buscar um canal direto com a população."Todos os cenários indicam que não estamos saindo de uma crise, estamos cada vez mais entrando nela. O desperdício que temos hoje já seria suficiente para resolver problemas."

Paulo Canedo, chefe do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, sugere a criação de metas semestrais para redução das perdas de água tratada no sistema, que no Rio chegam a 32%.

Os cientistas defenderam mudanças no modelo de cobrança, com sobretaxa para alto consumo e desconto para quem economizar água, medida já descartada pelo governo do Rio.

"O cenário para 2015-2016 é catastrófico", disse. Tundisi alertou para o risco de "convulsão social" caso haja conexão entre problemas econômicos e climatológicos com falta de abastecimento de água e alimentos. "Já tivemos exemplos de cidades brasileiras em que a população perdeu a paciência e botou fogo na Câmara."

O precário tratamento de esgoto foi um dos temas do debate. Luiz Pinguelli, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, disse que o racionamento de energia deveria ter sido adotado há três anos.

No caso da água, os especialistas defendem mudança de hábitos e redução do consumo, mas evitam falar em rodízio. "Sou contra. Com a redução da pressão no sistema, ocorrem infiltrações, aumentando a contaminação. O rodízio também é injusto socialmente, porque quem está na ponta nunca vai ter água", disse Sandra.

São Paulo – As chuvas já ficaram mais frequentes em São Paulo neste mês de novembro. Mesmo assim, dados da Sabesp mostram que o nível de água nos reservatórios que atendem a região metropolitana continua preocupante. Na sexta-feira, o Sistema Alto Tietê chegou a 4,2% de sua capacidade. O Cantareira atingiu 7,5%. Mesmo com a economia dos consumidores, a situação permanece crítica. Parte da explicação pode estar em números do governo federal. Em relatórios elaborados nos últimos anos, a Agência Nacional de Águas (ANA) constatou que o Brasil tem bastante capacidade de armazenamento de água. Porém, a maior parte de nossos recursos está na região amazônica, onde há poucos habitantes. Já em 2010, um documento da ANA previa que, até 2015, 55% dos municípios do país poderiam ter abastecimento deficitário. Veja nos slides acima esses e outros números que mostram o quadro do abastecimento de água no Brasil e evidenciam que esse deve ser um problema presente em nosso cotidiano nos próximos anos.
  • 2. Cidades que desperdiçam

    2 /2(Marcos Santos/ USP Imagens)

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    O documento defende mudanças na gestão e aponta problemas como falta de transparência, além do risco de "agravamento da instabilidade social".

    "Falta fazer o que (Winston) Churchill (1874-1965, ex-primeiro-ministro do Reino Unido) fez na Segunda Guerra Mundial, ou seja, informar brutalmente à população que a crise é muito séria', afirmou José Galizia Tundisi, presidente do Instituto Internacional de Ecologia, que coordena há 5 anos na Academia o grupo de estudos sobre recursos hídricos.

    Segundo ele, a chamada Carta de São Paulo, produzida por 16 cientistas, foi entregue em novembro. "Não recebemos nenhuma resposta. Acho que deveríamos ser ouvidos", disse.

    A bióloga Sandra Azevedo, diretora do Instituto de Biofísica Carlos Chagas Filho, da Universidade Federal do Rio de Janeiro ( UFRJ ), afirmou acreditar que há uma "barreira praticamente intransponível" que impede a transferência do conhecimento científico. "Ainda existe no País a questão do imediatismo, de fingir que nada está acontecendo. O que aconteceu nas eleições foi varrer para baixo do tapete uma crise que estava na cara", afirmou ela.

    Segundo a especialista, estava nítido desde janeiro do ano passado que faltaria água. "Já que a academia não está conseguindo ser ouvida da forma que gostaria pelos tomadores de decisão, vamos buscar um canal direto com a população."Todos os cenários indicam que não estamos saindo de uma crise, estamos cada vez mais entrando nela. O desperdício que temos hoje já seria suficiente para resolver problemas."

    Paulo Canedo, chefe do Laboratório de Hidrologia da Coppe/UFRJ, sugere a criação de metas semestrais para redução das perdas de água tratada no sistema, que no Rio chegam a 32%.

    Os cientistas defenderam mudanças no modelo de cobrança, com sobretaxa para alto consumo e desconto para quem economizar água, medida já descartada pelo governo do Rio.

    "O cenário para 2015-2016 é catastrófico", disse. Tundisi alertou para o risco de "convulsão social" caso haja conexão entre problemas econômicos e climatológicos com falta de abastecimento de água e alimentos. "Já tivemos exemplos de cidades brasileiras em que a população perdeu a paciência e botou fogo na Câmara."

    O precário tratamento de esgoto foi um dos temas do debate. Luiz Pinguelli, secretário-executivo do Fórum Brasileiro de Mudanças Climáticas, disse que o racionamento de energia deveria ter sido adotado há três anos.

    No caso da água, os especialistas defendem mudança de hábitos e redução do consumo, mas evitam falar em rodízio. "Sou contra. Com a redução da pressão no sistema, ocorrem infiltrações, aumentando a contaminação. O rodízio também é injusto socialmente, porque quem está na ponta nunca vai ter água", disse Sandra.

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