Desenvolvimento de bebês modificados geneticamente preocupa cientistas
O chinês He Jiankui revelou em 2018 que tinha modificado embriões para criar uma mutação que lhes daria imunidade natural contra o HIV
AFP
Publicado em 3 de dezembro de 2019 às 21h13.
As gêmeas chinesas nascidas em 2018 de embriões modificados geneticamente provavelmente têm mutações imprevistas em seu genoma resultante de sua manipulação, afirmaram nesta terça-feira (3) cientistas após a publicação de uma versão não divulgada do estudo que detalha o experimento.
O anúncio do nascimento surpreendeu o mundo inteiro em novembro de 2018. O cientista He Jiankui revelou em Hong Kong que tinha modificado embriões no âmbito de uma fertilização in vitro para um casal, com a finalidade de criar uma mutação de seu genoma que lhes daria imunidade natural contra o HIV, o vírus causador da aids, durante sua vida. O procedimento não tinha nenhuma justificativa médica, visto que já existem técnicas para impedir sua contaminação pelo pai soropositivo.
Nasceram gêmeas e foram chamadas Lulu e Nana, e mais não se sabe. Seus pais quiseram manter sua vida em segredo.
A comunidade científica internacional e as autoridades criticaram duramente o experimento de He Jiankui e o caso avivou os chamados a proibir bebês modificados com as tesouras moleculares "Crispr".
Um jornalista da revista MIT Technology Review recebeu o manuscrito do estudo que o cientista chinês tentou fazer publicar por revistas científicas prestigiosas e que detalha seu método e seus resultados.
Mas o texto do estudo confirma o que muitos especialistas suspeitavam: na verdade, demonstra que a mutação tentada, em parte do gene CCR5, não teve êxito, segundo geneticistas consultados.
O estudo diz que a mutação realizada é "similar" à que confere a imunidade, mas não idêntica.
Dados incluídos nos anexos apontam, ainda, que as gêmeas sofreram mutações em outros lugares de seu genoma e provavelmente distintas entre uma célula e outra, o que pode ter consequências imprevisíveis.
"Crispr" é uma técnica revolucionária de modificação do genoma inventada em 2012, muito mais simples de usar que tecnologias anteriores. Mas as tesouras cortam frequentemente do lado do lugar desejado e os geneticistas repetem que a tecnologia ainda está longe de ser perfeita para ser usada com fins terapêuticos.
"Há muitos problemas no caso das gêmeas Crispr. Todos os princípios étnicos estabelecidos foram afetados, mas também há um grande problema científico: não controlou o que fazia a Crispr e isto teve muitas consequências imprevistas", disse o professor de genética Kiran Musunuru, da Universidade da Pensilvânia, em entrevista recente à AFP.