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Como é ser mulher na ciência, segundo 4 pesquisadoras brasileiras

Elas contam como a falta de modelos e de incentivo, e até ser mãe, faz com que muitas mulheres desistam ou nem comecem a carreira científica

Bergmann: "eu afirmei que não poderia ser impedida só porque queria amamentar meu filho." (L'Oreál/Unesco)

Marina Demartini

Publicado em 8 de março de 2017 às 10h19.

Última atualização em 9 de março de 2017 às 11h15.

São Paulo – Em 1997, Thaísa Bergmann tinha acabado de dar à luz a seu primeiro filho quando recebeu uma proposta irrecusável: estudar durante três meses em um observatório internacional no Chile. A cientista brasileira não pensou duas vezes e aceitou a proposta. Ela tinha apenas uma condição: levar o bebê de quatro meses na missão.

Bergmann já era um rosto conhecido pela comunidade científica internacional. Seis anos antes, ela havia descoberto um disco de gás ao redor de um buraco negro, algo que contribui até hoje para o entendimento da evolução de galáxias. Mesmo com esse currículo, a astrofísica encontrou dificuldades quando pediu ao diretor do observatório para levar o filho ao Chile.

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“Ele disse que a situação era irregular, pois o bebê atrapalharia o funcionamento do dormitório, que ficava dentro do observatório”, conta Bergmann em entrevista a EXAME.com. “Ele falou que eu não poderia ir, mas eu afirmei que não poderia ser impedida só porque queria amamentar meu filho.”

A determinação de Bergmann foi mais forte do que a decisão do diretor. Após algumas discussões, chegaram à solução de colocar ela, a babá e o bebê em uma casa perto do observatório. “Eu precisava subir e descer uma montanha várias vezes ao dia para ver o meu filho”, lembra a astrofísica.

Apesar de a insistência da astrofísica ser louvável, não são todas as mulheres que conseguem ter o apoio necessário para continuar na carreira científica após uma gravidez .

Um estudo publicado no periódico Harvard Business Review revelou que 41% dos cientistas, engenheiros e tecnólogos de alto nível são do sexo feminino. Porém, 52% dessas pesquisadoras desistem da carreira. O que chamou a atenção dos autores é que o êxodo das mulheres acontece em uma época específica, entre a metade e o final de seus 30 anos de idade.

Para os pesquisadores, a desistência está parcialmente relacionada com o fato de que o trabalho científico demanda longas horas de pesquisas e viagens fora do expediente. Como as mulheres geralmente vivem duas rotinas, trabalho externo e gestão do lar, poucas conseguem sustentar as pressões da carreira.

Werneck: "Se fosse contabilizar minhas horas de trabalho, eu faço muito mais do que é exigido." (L'Oréal/Divulgação)

Fernanda Werneck, pesquisadora do Instituto Nacional de Pesquisas da Amazônia (Inpa), relata em entrevista a EXAME.com que é complicado balancear a maternidade com o trabalho. “Eu viajo muito. Às vezes, eu preciso ficar um mês em um lugar que não tem telefone.”

Werneck tinha 24 anos e estava na metade do mestrado quando descobriu que estava grávida. “Eu fiquei assustada quando soube, ainda mais porque estava em uma situação provisória.” Segundo a cientista, bolsista não tinha direito a licença maternidade na época. “Agora, existe um tipo de auxílio, mas não é pago. Se você tem 24 meses para fazer o curso, você pode fazer em 28, mas quando chegar em 24 você para de receber a bolsa”, explica.

Werneck conta que outro problema que percebe quando uma cientista se torna mãe é a falta de incentivo da universidade. “Não são todas as instituições que possuem creches com preços em conta.” Além disso, para ela, falta flexibilização na profissão. “Eu tenho sorte que não preciso bater ponto. Porém, as cobranças são as mesmas. Se fosse contabilizar minhas horas de trabalho no campo, no Inpa e em casa, eu faço mais horas do que é exigido.”

Claro que os homens cientistas também trabalham horas intermináveis. No entanto, um estudo europeu mostrou que os pesquisadores do sexo masculino não precisam se preocupar tanto com tarefas domésticas. De acordo com o relatório, os homens geralmente escolhem parceiras que possam ficar em casa para cuidar dos filhos, enquanto as mulheres comumente se casam com cientistas.

Werneck é uma dessas pesquisadoras. Ela comenta que tem sorte, pois seu marido também é biólogo e sempre a apoiou. “Agora que a nossa filha está maior, nós até fazemos viagens ao campo junto. Antes, eu ia e ele ficava ou o contrário acontecia.” Ela acredita que o homem só precisa fazer a parte dele, “sem que pareça um favor”.

Você não pode se tornar o que nunca viu

Muito antes de se tornar mãe, Thaísa Bergmann conta que a primeira barreira que precisou quebrar foi entender que a ciência não era um hobby, mas uma profissão. “Eu não tive modelos em casa ou incentivo no colégio. Para o meu pai, menina tinha que fazer uma profissão de meio turno para conseguir cuidar da família.”

Sem ideia do que fazer, a astrofísica seguiu os passos de uma prima e decidiu fazer arquitetura. Seis meses depois, ela pediu transferência para o curso de física. “Um professor que me dava aula de física dentro do curso me ofereceu uma bolsa de iniciação científica. Foi o suficiente para que levantasse uma pulga atrás da orelha.”

Essa falta de referência, segundo Werneck, é o que faz muitas meninas desistirem da profissão. “Nós não temos muitas referências. Quando eu ganhei o prêmio da L’Oréal e da Unesco para Mulheres na Ciência, eu ouvi de algumas mulheres que elas olhavam para a minha conquista como um estímulo para não parar.”

Um estudo de 2017, comissionado pela Microsoft , revelou que meninas na Europa começam a se interessar nas áreas de ciência, tecnologia, matemática e engenharia aos 11 anos. Contudo, elas perdem interesse quando chegam aos 15 anos. O questionário foi feito com 11.500 garotas em doze países da Europa.

De acordo com o levantamento, a conformidade com as expectativas sociais, os estereótipos de gênero e a falta de modelos são as principais causas desse êxodo. O estudo também indica que a presença de professoras como mentoras na área científica tem mais impacto na escolha da carreira do que o encorajamento familiar.

É o que também pensa Bergmann. A astrofísica acredita que a falta de mulheres na ciência começa no ensino fundamental. “Falta professores e professoras com formação nos campos da engenharia e da ciência que ensinem os temas de maneira atraente para as meninas”, explica. “Os meninos são ensinados a estudar mais matemática, enquanto as garotas aprendem que devem focar em profissões como atriz ou modelo.”

Para Priscila Kosaka, doutora em química e integrante do Instituto de Microeletrônica de Madri, na Espanha, o apoio da família foi importante, mas o apadrinhamento de alguns professores foi fundamental para que se tornasse cientista. “A doutora Maria José Sales, da Universidade de Brasília, vibra com cada conquista minha até hoje e a minha orientadora de doutorado, Denise Petri, me deu a oportunidade de aprender a fazer ciência.”

A pesquisadora associada da Nasa e vice-reitora da Universidade Católica de Washington D.C., nos EUA, Duilia de Mello, aponta que também é preciso ter chefes que apoiem a inserção de cientistas do sexo feminino no mercado de trabalho.

“Quando comecei no Instituto do Hubble, o nosso diretor incentivava a contratação de mulheres. Porém, quando ele saiu e entrou outro, que não tinha essa percepção, muitas mulheres talentosíssimas preferiram sair do instituto”, conta. “Agora, essas mesmas pesquisadoras estão em outros lugares até melhores e fazendo a diferença.”

Kosaka: "Minha orientadora de doutorado, Denise Petri, me deu a oportunidade de aprender a fazer ciência." (Joan Costa/CSIC/Divulgação)

Mansplaining e Maninterrupting

Quando decidem entrar em uma faculdade de exatas ou biológicas, muitas mulheres se deparam com dois termos: o mansplaining e o maninterrupting.

O primeiro é a junção das palavras inglesas man (homem) e explaining (explicar), e acontece quando uma pessoa do sexo masculino fala didaticamente sobre um assunto como se a mulher não fosse capaz de entender. A palavra também pode ser usada quando um homem tenta explicar de forma variada e errada algo que a mulher já havia dito corretamente.

“Já aconteceu comigo de um homem utilizar minha originalidade intelectual ou falar do meu trabalho por mim”, conta Fernanda Werneck. De acordo com a bióloga, o que acontece em muitos grupos de pesquisa é que os créditos vão para os homens. “Já estive em situações parecidas em que pessoas usaram meu trabalho para conseguir financiamento.”

Mello: "A mulher faz a pergunta, o homem não deixa ela terminar e já vem outro “traduzindo” o que ela falou." (Nasa/Tommy Wiklind/Divulgação)

Esse tipo de comportamento é revelado no filme Estrelas Além do Tempo. No longa, A cientista negra Katherine Johnson, uma das pessoas responsáveis por fazer os cálculos para levar o homem à Lua, realiza a maior parte do trabalho de seu supervisor, mas nunca tem seu nome creditado nas pesquisas. Isso prejudicou o reconhecimento dela como pesquisadora e figura a ser seguida por outras mulheres.

O segundo termo, o maninterrupting, se caracteriza quando uma mulher não consegue concluir seu raciocínio, pois é constantemente interrompida por um homem. Em 2014, um estudo realizado por pesquisadores da Universidade de George Washington, nos EUA, apontou que pessoas do sexo feminino são significativamente mais interrompidas do que os homens.

“Notamos esse tipo de comportamento em reuniões. A mulher faz a pergunta, o homem não deixa ela terminar e já vem outro “traduzindo” o que ela falou”, lembra Mello. A vice-reitora acredita que isso ajuda a inibir as cientistas do sexo feminino a não fazerem perguntas e a não sentarem nas primeiras cadeiras de uma sala de aula.

Para Werneck, as mulheres não podem se fechar em uma bolha pelo medo de serem recriminadas. “É preciso dizer o que você acha que é injusto. Não dá para fazer pesquisa científica sem que haja comunicação.” Ela ainda diz que mulheres são melhores em alguns aspectos, enquanto homens têm mais facilidade com outros assuntos. Por isso, “o negócio é unir forças para não virar uma guerra de sexos.”

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