Ciência

Brasileiro é um dos 10 cientistas mais importantes de 2025 da Nature

Uma das revistas científicas mais renomadas do mundo escolheu Luciano Moreira, responsável pela criação de 'mosquitos anti-dengue', como uma das dez pessoas que moldam a ciência hoje

'Mosquitos anti-dengue': Luciano Moreira e sua equipe pretendem produzir 5 bilhões dos insetos modificados (Fiocruz/Reprodução)

'Mosquitos anti-dengue': Luciano Moreira e sua equipe pretendem produzir 5 bilhões dos insetos modificados (Fiocruz/Reprodução)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 8 de dezembro de 2025 às 17h39.

O entomologista e engenheiro agrônomo Luciano Moreira pesquisa desde a década de 1990 métodos alternativos de combate a doenças transmitidas por mosquitos.

Em uma de suas frentes de pesquisa, seu time produziu mosquitos Aedes aegypti infectados pela bactéria Wolbachia e capazes de reduzir a transmissão de dengue, zika e chikungunya. Agora, em fase de produção industrial, os "mosquitos anti-dengue" se tornaram parte da política de saúde pública brasileira.

Após anos, o trabalho de Moreira foi reconhecido por uma das revistas científicas mais relevantes do mundo, a Nature.

Ele foi incluído na lista "Nature’s 10" nesta segunda-feira, 8, que destaca as pessoas que moldaram a ciência em 2025. A revista apresenta o brasileiro como o responsável por liderar uma das iniciativas mais ambiciosas de combate às arboviroses no país.

Como funcionam os 'mosquitos anti-dengue'?

Em Curitiba, uma fábrica inaugurada em julho produz mais de 80 milhões de ovos de mosquitos por semana. Esses insetos, chamados “wolbitos”, carregam a Wolbachia, uma bactéria comum na natureza e inofensiva aos humanos, mas prejudicial a outros microorganismos. Ela interfere na reprodução e reduz a transmissão de vírus responsáveis pela dengue, zika e chikungunya.

Como Moreira explicou ao blog do CEE/Fiocruz em 2024, a Wolbachia atua de duas maneiras. Quando apenas o macho carrega a bactéria, o cruzamento com fêmeas selvagens torna os ovos inviáveis, ou seja, reduz a população do mosquito. Já quando a fêmea é a infectada, ela cruza com machos selvagens e toda a prole nasce com a bactéria, que faz os insetos incapazes de proliferar os vírus.

Com o tempo, a população local de Aedes aegypti passa a ter cada vez mais mosquitos incapazes de transmitir doenças.

O impacto já foi comprovado. A Nature relata que, em Niterói, cidade pioneira na adoção do método, a incidência de dengue caiu 89% após a liberação dos mosquitos. O CEE/Fiocruz destaca o contraste entre os números: em 2024, Niterói registrou apenas 46 casos prováveis, enquanto o Rio de Janeiro, município vizinho, somou mais de 20 mil.

A tecnologia é ambientalmente segura, de acordo com o pesquisador. A Wolbachia já está presente em seis em cada dez insetos. Não sai do organismo hospedeiro e não se espalha pelo ambiente. Por isso, não altera cadeias ecológicas.

Expansão em escala industrial

A expansão agora ocorre em escala industrial. A fábrica de Curitiba, administrada pela empresa Wolbito do Brasil, da qual Moreira é CEO, tem como meta produzir 5 bilhões de mosquitos por ano.

O método, reconhecido pelo governo federal como uma política pública de saúde, tem sido aplicado em diversas cidades desde 2023. O primeiro lote da unidade paranaense foi liberado em Santa Catarina, onde as solturas prosseguirão por seis meses.

Moreira destaca que a estratégia não substitui outras medidas. Deve ser parte de um sistema integrado que exige eliminação de criadouros, vigilância e uso racional de inseticidas. Ele também ressalta o papel complementar da vacina contra dengue, introduzida no SUS em 2023 e distribuída inicialmente para públicos prioritários devido à limitação de doses.

A importância da ciência brasileira

A seleção de Luciano Moreira pela Nature reconhece não apenas o avanço tecnológico, mas a articulação política e institucional que permitiu transformar um experimento acadêmico em política pública.

A revista destaca que Moreira conseguiu convencer autoridades a soltar milhões de mosquitos em áreas urbanas. Um gestor, em Niterói, chegou a dizer que “isso nunca vai funcionar”, lembrou o cientista. Os resultados subsequentes mudaram essa percepção e fortaleceram a adesão ao método.

Moreira iniciou sua pesquisa ainda nos anos 1990, trabalhando com engenharia genética de mosquitos para combater a malária.

Em 2008, participou do grupo do australiano Scott O’Neill, que infectou Aedes aegypti com Wolbachia pela primeira vez. Posteriormente, Moreira liderou os testes no Brasil pela Fiocruz, importando ovos da Austrália e adaptando a tecnologia às condições brasileiras.

A produção inicial era artesanal: pipetas, salas pequenas e processos manuais. Hoje, reúne equipes multidisciplinares, parcerias entre Fiocruz, o Instituto de Biologia Molecular do Paraná (IBMP) e o World Mosquito Program, em uma cadeia produtiva capaz de atender cidades de todo o país.

A tecnologia também está sendo avaliada por meio de um estudo clínico randomizado em Belo Horizonte, considerado padrão-ouro em epidemiologia. O estudo reúne a UFMG, universidades dos EUA e financiamento do Institutos Nacionais de Saúde dos Estados Unidos (NIH).

Para Moreira, o reconhecimento internacional reforça o papel central da ciência brasileira no enfrentamento das arboviroses. Ele enfatiza que toda a equipe, hoje com 75 pessoas, compartilha a mesma visão: “Estamos trabalhando para melhorar a saúde da população."

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