EXAME.com (EXAME.com)
Da Redação
Publicado em 7 de novembro de 2013 às 06h02.
Paris - Nesta quinta-feira se comemora o centenário do nascimento de Albert Camus, um dos grandes autores do século 20, cuja obra foi reconhecida com o Prêmio Nobel em 1957, três anos antes de o autor de "O estrangeiro" e "A peste" morrer, quando se encontrava no auge de sua carreira.
Sua vida se apagou em 4 de janeiro de 1960 em um trágico acidente de trânsito, quando o carro no qual viajava no banco de carona se espatifou contra uma árvore a 180 quilômetros por hora.
Quando o carro conduzido por seu amigo Michel Gallimard, sobrinho de seu editor, Gaston Gallimard, saiu da estrada, Camus levava consigo em uma valise vários documentos, cadernos e um manuscrito de 144 páginas.
Esse último texto do autor de "Calígula" não seria publicado até 1995 e com o título de "O primeiro homem", forjando um relato inacabado e em tom autobiográfico no qual o literato francês retornava à sua infância de "pied-noir" na Argélia colonial.
"A memória dos pobres está menos alimentada que a dos ricos, tem menos pontos de referência no espaço, já que rara vez deixam o lugar onde vivem, e também menos pontos de referência no tempo, imersos em uma vida uniforme e cinza", observa o escritor em um dos fragmentos dessa obra póstuma.
Albert Camus nasceu há um século no seio de uma família muito humilde de colonos franceses. Seu pai, ex-combatente na guerra franco-prussiana, morreu na Primeira Guerra Mundial, quase sem conhecer seu filho. Sua mãe, de origem minorquina, analfabeta e quase surda-muda, teve que limpar muitas casas para alimentar seus dois filhos.
Camus se criou pobre, isolado e febril na colônia francesa. Encorajado por seus professores, se matriculou em Filosofia, mas a tuberculose lhe impediu de finalizar seus estudos.
Fundou então uma companhia de teatro, filiou-se durante dois anos ao Partido Comunista e trabalhou como jornalista, antes de mudar-se a Paris em 1940 para incorporar-se à redação do "Paris-Soir" e exercer como leitor de textos na editora Gallimard.
Com 29 anos publicou "O Estrangeiro", seu romance mais aplaudido e uma reflexão em primeira pessoa sobre as consequências morais do assassinato e a indiferença perante a morte, que começa com as indolentes frases: "Hoje, mamãe morreu. Ou talvez ontem, não sei bem".
Nos anos seguintes escreveu a obra de teatro "O mal-entendido" e o ensaio "O Mito de Sísifo" que, junto com "Calígula", se aprofundam na "filosofia do absurdo". Camus parte das influências dos filósofos existencialistas Kierkegaard e Nietzsche para analisar o vão esforço do ser humano em encontrar o significado da vida.
Em Paris, durante a ocupação nazista, militou na Resistência e fundou o jornal clandestino "Combat". Foi nesses anos que conheceu sua amante mais famosa, a atriz espanhola exilada na França María Casares, filha de um presidente do governo da Segunda República espanhola.
Sempre melindroso e com um cigarro apoiado na comissura dos lábios, o chamado "Humphrey Bogart da literatura" travou amizade com o filósofo Jean-Paul Sartre em 1943, e manteve com ele uma relação de dez anos que, após a publicação do artigo "Les Temps Modernes", desembocaria em uma batalha filosófica com marcado teor político.
Embora ambos pensadores se dissessem de esquerda, Sartre defendia a violência para alcançar a revolução social, enquanto Camus, acusado de estático, entendia que o fim não justifica os meios.
"Me diziam que eram necessários alguns mortos para chegar a um mundo onde não se mataria", resumia Camus, que em 1957 e contra qualquer previsão ganhou o Prêmio Nobel de Literatura. Tinha 44 anos.
Então já vivia instalado no grande desgarro causado pela guerra de independência de sua Argélia natal (1954 e 1962).
Ansiava que a terra que lhe viu nascer deixasse para trás o sistema colonial, mas sem desligar-se da França que educou seu talento. Dois anos antes que terminasse essa barbárie, Camus morreu, aos 46 anos.
A morte de Camus deixou viúva sua segunda esposa, Francine, e órfãos seus dois filhos gêmeos, Jean e Catherine. Embora tenha tido várias amantes, a verdadeira mulher de sua vida foi sua bondosa e esforçada mãe, reconhecem seus filhos.
Coincidindo com o centenário de seu nascimento, a exposição "Albert Camus, cidadão do mundo" da Cidade do Livro de Aix-en-Provence explora em dez eixos temáticos suas amizades, sua linguagem e seus cantos prediletos. Pode ser visitada até o próximo dia 5 de janeiro nessa cidade do litoral mediterrânea que Albert Camus tanto amou.
Os que lhe conheceram, como o jornalista Jean Daniel, fundador de "Le Nouvel Observateur" e amigo do Prêmio Nobel, dizem que "para saber o que é um homem feliz é preciso ter visto Camus diante do mar e do sol".