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Um passeio por 50 anos de criação na TV americana

Um debate reúne seis mitos da criação televisiva americana e coloca em perspectiva o debate sobre quem está no comando do show

Paley Center: reuniu seis dos criadores mais importantes da TV nos últimos 50 anos para um painel

Paley Center: reuniu seis dos criadores mais importantes da TV nos últimos 50 anos para um painel

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Da Redação

Publicado em 4 de novembro de 2017 às 08h24.

Última atualização em 4 de novembro de 2017 às 11h03.

Los Angeles – “A grande questão da televisão é quem está no comando do conteúdo – a emissora, o patrocinador ou audiência? As novas plataformas vieram aumentar as possibilidades e colocar o controle, cada vez mais, nas mãos dos espectadores, que agora são os curadores do conteúdo.

É um novo tipo de diálogo, um diálogo que nós, que criamos, compreendemos melhor” – assim David E. Kelley, um dos mais laureados roteiristas e showrunnners da TV (Picket Fences, L. A Law, The Practice, Ally McBeal, Mr. Mercedes. Big Little Lies) definiu a evolução do processo criativo no entretenimento doméstico das últimas décadas – e foi ovacionado pelo público seleto que lotava o John H. Mitchell Theater do Paley Center de Los Angeles, no coração de Beverly Hills.

Como parte de seu ciclo de encontros com líderes da indústria, e em parceria com a Associação de Imprensa Estrangeira em Hollywood, que em janeiro completará 75 anos de existência, o Paley Center – dedicado ao estudo e preservação da história de televisão- reuniu seis dos criadores mais importantes da TV nos últimos 50 anos para um painel dedicado à evolução do processo criativo, do meio e de suas relações com o público e os canais de distribuição.

Além de Kelley, participaram do painel Norman Lear (All in the Family, The Jeffersons, Sanford and Son) um dos pioneiros da virada da TV norte-americana na década de 70, criando as bases da “nova TV” do século 21; J.J. Abrams (Lost, Alias, Felicity, Fringe), Shonda Rhimes (Grey’s Anatomy, Private Practice, How to Get Away With Murder, Scandal), Ryan Murphy (Nip/Tuck, Glee, American Horror Story) e Jill Soloway (Transparent).

Lear, que se tornou um mentor de Kelley e Abrams, definiu bem o quadro da TV nos Estados Unidos quando, ainda nos anos 50 e depois de dar baixa na Força Aérea, onde serviu durante a Segunda Guerra Mundial, começou a trabalha na indústria, primeiro como divulgador e, muito rapidamente, como roteirista nos writers rooms de séries de comédia.

“Havia muito pouca competição, e havia muito medo”, Lear disse. “Isso é uma combinação terrível. Tínhamos quatro cadeias de TV, que acertavam o jogo entre si. E todas tinham medo de tudo – da competição com o cinema, de ferir as sensibilidades do americano médio, de cair nas más graças da Comissão do Congresso para Atividades Anti-Americanas.”

Em 1971, já um roteirista e diretor respeitado (inclusive no cinema), Lear conseguiu, depois de muita luta e rejeição, Lear emplacou na CBS um sitcom que se tornaria um marco na TV norte-americana: All in the Family, o dia a dia de uma família de baixa classe média, com referência diretas às enormes transformações pelas quais passava a sociedade norte-americana. “Eu sabia que ia ter que empurrar os limites,” Lear diz. “Aliás, cada um de nós aqui neste painel sabe que uma das tarefas mais importantes que temos é exatamente empurrar os limites.”

Quando o departamento de ética da CBS comunicou que uma cena – dois jovens personagens teriam feito sexo enquanto os pais não estavam em casa – devia ser cortada, Lear retrucou: “Hoje é sexta, vou para casa. Se vocês cortarem a cena (All in the Family ia ao ar aos sábados) segunda feira eu não estarei mais aqui.” Como a série, em sua segunda temporada, tinha se tornado um dos maiores sucessos de audiência da CBS, a cena ficou, e Lear voltou ao trabalho.

“Ele nunca me ensinou essa parte de dizer que ia embora”, Kelley comentou. “Quando ameaçaram não por Ally McBeal no ar eu morri de medo e fiz várias mudanças na primeira temporada. E é claro que eu estava certo.” Numa narrativa comum a vários dos panelistas, Kelley – já um showrunner de sucesso nos anos 90 – teve o piloto de Ally McBeal rejeitado por várias emissoras, e aceito na Fox com grande relutância e “sugestões de mudança” vindas do departamento de marketing.

“Eles me diziam que, com absoluta certeza, não havia uma audiência para a série. Meu modelo era Mary Tyler Moore, a ideia de uma mulher independente, agora no final do século 20, enfrentando outras questões. E eles me diziam que isso jamais seria sucesso”.

É uma experiência comum a quase todos os panelistas – com exceção e Shonda Rhimes e Jill Soloway, que nunca tiveram que alterar substancialmente seus projetos (“somos da era da competição feroz”, disse Rhimes, rindo muito. “O poder passou para os criativos!). J.J. Abrams conta que recebeu um telefonema “altamente sinistro” quando o piloto de Lost foi exibido para a diretoria de programação.

“O executivo dizia: ‘Não há como isso se tornar uma série. Não tem potencial algum. Pense em como adicionar alguns minutos e teremos pelo menos um filme que podemos exibir depois.’ No dia seguinte eu, Jeffrey Lieber e Damon LIndelof fomos à ABC implorar por uma segunda chance, pelo menos alguns episódios… e conseguimos, mas sem muito entusiasmo. E aos poucos, episódio a episódio, a audiência foi aparecendo”.

Diversidade na tela, e na criação 

Ryan Murphy emplacou suas duas primeiras séries rapidamente – Popular no canal CW e Nip/Tuck no canal FX (“lição para todos – o melhor canal é o canal mais novo. Quanto mais novo, mais fome de programação tem”, Murphy diz) – mas teve que lutar para manter sua visão até o final. “Nip/Tuck foi um sofrimento”, ele recorda. “Toda semana eu recebia recados: mas tem que ser tão gay? Está gay demais! Diminua o gay!”

A discussão sobre assédio e violência sexual que domina a indústria – inclusive a da TV, agora diretamente afetada com as denúncias contra Kevin Spacey e a suspensão de House of Cards pela Netflix- foi comentada pelos panelistas como um incentivo à elevação e melhoria do conteúdo.

“ O que é preciso é mais inclusão e diversidade nas áreas de criação e decisão”, diz Rhimes. “Nada mudará enquanto os poderes de decisão estiverem nas mãos das mesmas pessoas, com a mesma visão de mundo. Eu, agressivamente até, procuro trabalhar com mulheres e minorias, e educar como posso, transferir conhecimento, criar nova mão de obra”.

“Eu optei por ser um criador de televisão porque eu não me via na televisão”, diz Murphy. “Quando eu era garoto, os personagens que mais se pareciam comigo na TV eram os monstros. Por isso sempre gostei de séries e filmes de terror. Incluir personagens e narrativas LGBT nas minhas séries é uma forma de remediar isso, assim como minhas oficinas e iniciativas de inclusão”. “Minhas portas estão sempre abertas”, diz Jill Soloway.

“Não sei por quanto tempo, mas tenho a felicidade de parceirar com a Amazon, que sempre compreendeu e apoiou meu ponto de vista. Mulheres! Negros! Latinos! Transgêneros! Gays! Minhas portas estão sempre abertas e eu dou oportunidades a todos. Enquanto me deixarem, é como vou agir”.

Além do sucesso de suas carreiras, os seis panelistas do Paley têm um outro elemento importante em comum- neste momento, todos eles estão trabalhando com os novos canais de distribuição de conteúdo audiovisual Soloway com Transparent e I Love Dick na Amazon; Rhimes acaba de trocar a ABC pela Netflix, com um contrato milionário para desenvolvimento de várias novas séries; Kelley, com Mr. Mercedes para o canal ATT e Goliath na Amazon; Murphy com a série de terror Ratched, estrelada por Sarah Paulson, para a Netflix; Abrams com a série Castle Rock, baseada na obra de Stephen King, para a Hulu; e até o veterano Lear, que está refazendo uma série de sucesso nos anos 70 , One Day at a Time, para a Netflix.

“Eu acho ótimo”, diz Lear, que recentemente completou 95 anos. “Nós não estamos no business de exibir, estamos no business de criar. E para quem cria, quanto mais escolhas, melhor.”

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