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"Último Tango em Paris", de Bertolucci, virou símbolo da violência sexual

Embora tenha sido simulada, cena de estupro marcaria para sempre a jovem atriz, que posteriormente afirmou ter se sentido humilhada

O Último Tango em Paris: filme retrata abuso sexual com crueza e gerou críticas quanto ao modo como a atriz que protagonizou a cena com Brando não foi adequadamente alertada sobre os detalhes da interação (Bernardo Bertolucci/Divulgação)
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AFP

Publicado em 26 de novembro de 2018 às 14h12.

A cena destruiu a vida de uma atriz e ofuscou a filmografia de um diretor. Antes do movimento #Metoo e do caso Weinstein, Último tango em Paris (1972) e sua cena forte de sodomia se tornaram um símbolo da violência sexual na Sétima Arte.

No filme de Bernardo Bertolucci, Maria Schneider, que tinha 19 anos no início das filmagens, vive uma tórrida paixão com um viúvo americano de passagem por Paris, interpretado por Marlon Brando. O ator americano de Uma Rua Chamada Pecado seria indicado ao Oscar por esse papel.

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Eles decidem não saber nada um do outro, nem mesmo o nome. Esse encontro ao mesmo tempo duro e mórbido atinge seu ápice em uma cena de sexo não consensual, com um tablete de manteiga na falta de lubrificante.

Embora tenha sido simulada, essa cena de estupro garante a reputação do filme, mas marcaria para sempre a jovem atriz, como conta sua prima, a jornalista Vanessa Schneider, em Tu t'appelais Maria Schneider, livro lançado este ano pela Grasset.

Segundo a atriz, que atuaria em mais de 50 filmes, nem Brando nem Bertolucci haviam alertado sobre o uso da manteiga.

Ao voltar mais uma vez para esta cena, em entrevista ao "Daily Mail" em 2007, a atriz diz que suas "lágrimas eram verdadeiras" no filme. "Eu me senti humilhada e, para ser sincera, tive um pouco a impressão de ser violentada, por Marlon e Bertolucci. No fim da cena, Marlon não veio me consolar, ou se desculpar. Felizmente, uma tomada foi suficiente", desabafou.

"Jovem demais"

Suas palavras foram reproduzidas com alguma distância pela imprensa, que preferiu dar voz ao diretor em detrimento da atriz, falecida em fevereiro de 2011.

Ao saber de sua morte, Bertolucci disse que "teria querido lhe pedir perdão".

"Maria me acusava de ter roubado sua juventude e, somente hoje, eu me pergunto se isso em parte não era verdade. Na verdade, ela era jovem demais para poder segurar o impacto que o imprevisível e brutal sucesso do filme teve", sugeriu.

Em dezembro de 2016, a polêmica voltou: um vídeo de 2013 ressurgiu nas redes sociais e chocou Hollywood. "A sequência da manteiga é uma ideia que eu tive com Marlon na véspera da filmagem. Eu queria que Maria reagisse, que ela fosse humilhada", conta Bertolucci. "Eu não queria que ela interpretasse a raiva, eu queria que ela sentisse raiva e humilhação", completou.

"A todos que gostaram do filme, vocês estão vendo uma jovem de 19 anos sendo violentada por um homem de 48 anos. O diretor planejou a agressão. Isso me dá nojo", tuitou a atriz Jessica Chastain, muito envolvida na causa das mulheres e, depois, no movimento Time's up.

Nos Estados Unidos, a polêmica ganhou corpo, menos de um ano antes do caso Weinstein e das revelações sobre as agressões sexuais sofridos por várias atrizes. Na época, o diretor italiano se pronunciou mais uma vez, considerando "desoladora" a ingenuidade daqueles que não sabem que "o sexo é (quase) sempre simulado no cinema".

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