Tarifas, Brexit e pandemia, um drinque amargo para a destilaria mais antiga da Escócia
"Passamos pela lei seca nos Estados Unidos, as guerras, enfrentamos muitas situações diferentes em nossa economia global e mesmo assim sobrevivemos", recorda o diretor de uma destilaria escocesa
Julia Storch
Publicado em 2 de março de 2021 às 09h07.
Última atualização em 2 de março de 2021 às 11h04.
A Destilaria Glenturret, a mais antiga da Escócia, fundada em 1763, sobreviveu a duas guerras mundiais, à lei seca e à Grande Depressão, mas a combinação de tarifas americanas, Brexit e pandemia a levou a um dos períodos mais difíceis de sua história.
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Uma atração popular para os amantes de uísque, agora a destilaria, estranhamente tranquila desde que fechou ao público, devido ao confinamento contra o coronavírus, vive apenas com o som do rio Turret e do rolar dos barris de carvalho.
As restrições motivadas pela pandemia provocaram uma redução das vendas de uísque nos pubs, restaurantes e nas lojas de aeroportos.
Mas o maior dano é provocado pelas tarifas de importação de 25% impostas ao uísque pelos Estados Unidos desde outubro de 2019 e pela desaceleração das exportações para a Europa desde o Brexit, afirma à AFP o diretor-geral da destilaria, John Laurie. "São tempos muito difíceis para nós", desabafou. "A covid está afetando o turismo, o Brexit prejudicou as exportações, e as tarifas sobre o uísque escocês nos Estados Unidos realmente criaram problemas", cita.
A saída do Reino Unido da União Europeia, com efeitos plenos sentidos após o período de transição, encerrado em 31 de dezembro de 2020, aumentou os trâmites necessários para exportar ao continente.
Em seu site oficial, a destilaria alerta que suspendeu as entregas à UE e que está tentando resolver os problemas. "Temos uma forte demanda na Europa e queremos tentar atendê-la. E querer é poder, vamos encontrar uma maneira de superar este período difícil", disse Laurie.
Os problemas enfrentados pela Glenturret são representativos das questões que afetam toda indústria escocesa do setor. A Scotch Whisky Association (SWA) informou em fevereiro que as exportações mundiais de uísque escocês caíram mais de 1,1 bilhão de libras (US$ 1,5 bilhão), a £ 3,8 bilhões, em 2020.
As exportações para a UE caíram mais de 15%, a 1,25 bilhão de libras em 2020. Isto sem contar o impacto, ainda não calculado, dos efeitos do Brexit após o período de transição.
"Indústria antiga e resistente"
As tarifas americanas foram impostas no âmbito de uma disputa comercial entre UE e Estados Unidos sobre os subsídios aos fabricantes de aviões europeu Airbus e americano Boeing.Antes da imposição das tarifas punitivas, o mercado americano de uísque escocês estava avaliado em 1,06 bilhão de libras. Em 2020, o valor caiu quase um terço, a 729 milhões de libras.
Na opinião da diretora-executiva da SWA, Karen Betts, os números são uma "recordação sombria" dos desafios enfrentados pela indústria do uísques escocês, que emprega diretamente 10 mil pessoas. "O setor perdeu 10 anos de crescimento em 2020 e vai demorar para recuperar uma posição forte", advertiu em fevereiro.
A SWA lamenta a "intransigência" dos governantes britânicos, europeus e americanos que levou à adoção das tarifas de importação e pede o fim de uma guerra comercial, com a qual a indústria do uísque "não tem nada a ver".
No meio de uma situação difícil, a destilaria Glenturret tenta se inspirar no passado para superar a crise. "Passamos pela lei seca nos Estados Unidos, as guerras, enfrentamos muitas situações diferentes em nossa economia global e mesmo assim sobrevivemos", recorda Laurie, em um tom otimista.
"Nossa indústria é incrivelmente antiga e resistente, e temos a sorte de contar com um produto que as pessoas de todo mundo apreciam. Apesar do momento extremamente difícil, sabemos que vamos seguir adiante", conclui.