Sete anos depois, chega a hora de Londres, mais uma vez
A capital britânica abre a sua terceira Olimpíada de olho no futuro - mas sem se esquecer do passado. O terror e a crise passaram. E agora é que começa a festa
Da Redação
Publicado em 27 de julho de 2012 às 09h06.
Londres - Fossem os moradores de Londres os passageiros de um ônibus de dois andares, e fosse seu percurso uma jornada pelos sete anos entre a escolha como sede olímpica e a cerimônia de abertura desta sexta-feira, seria possível observar pelas janelas o melhor e o pior do ser humano. A começar pelo dia seguinte à vitória na eleição feita pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 6 de julho de 2005.
Na manhã do dia 7, enquanto os londrinos iam para o trabalho lendo nos jornais sobre a festa pela conquista do direito de receber os Jogos, um grupo de terroristas se infiltrou no sistema de transporte público da cidade, um dos melhores e mais seguros do mundo, desencadeando uma sequência de explosões que só se encerrou quando a contagem de vítimas já chegava a 52 mortos e mais de 700 feridos.
Logo depois, ainda sob o trauma da matança, um anônimo imigrante brasileiro, Jean Charles de Menezes, também era morto - mas pelas armas de policiais assombrados pelo temor de mais um ataque em série. Outros dias difíceis viriam, na esteira da pior crise econômica em décadas. Com o governo apertando o cinto para encarar a recessão, os gastos sociais caíram - o que plantou a semente de uma onda de vandalismo nas ruas, há pouco mais de um ano.
No decorrer desse período, porém, Londres resistiu a todos os golpes - como já fizera na II Guerra - e saiu vitoriosa. Inventou um novo modelo de Olimpíada , em que o futuro pós-Jogos importa até mais do que o evento em si. Ao invés de erguer arenas gigantes que tornariam-se inúteis tão logo a Olimpíada terminasse, montou instalações temporárias ou adaptáveis.
Ao invés de querer impressionar o mundo com luxo ou grandiosidade, decidiu fazer as coisas à maneira britânica - ambiciosa, sim, mas com classe e praticidade. Sete anos depois, Londres abre sua terceira Olimpíada - um recorde - com sua autoestima recuperada, e pronta para voltar a ser, como em seu passado mais glorioso, o centro do mundo.
Ao receber os Jogos pela primeira vez, em 1908, Londres foi convocada de última hora para socorrer a festa olímpica depois que Roma precisou desistir. Quarenta anos depois, três apenas depois da II Guerra, a cidade ainda tentava se recuperar dos bombardeios nazistas quando encarou o enorme desafio de fazer a Olimpíada voltar aos trilhos após duas edições canceladas (1940 e 1944) por causa do maior conflito militar da história.
Nas duas ocasiões, a Olimpíada não foi uma unanimidade em Londres. E o mesmo aconteceu desta vez: para muitos, Londres não teria nada a ganhar com os Jogos. As críticas - ao dinheiro gasto em plena crise, à saturação do trânsito e do transporte público, à megaoperação de segurança que seria necessária para proteger o evento - eram pertinentes.
A poucas horas do início da festa, no entanto, fica claro que a empreitada valeu a pena, ainda que a Grã-Bretanha não consiga atrair o volume de investimentos esperado como consequência dos Jogos (cerca de 13 bilhões de libras). A Olimpíada, que custou 9,3 bilhões, criou um novíssimo polo de desenvolvimento numa das regiões mais degradadas da cidade, Stratford, na região leste.
Antes abandonada à própria sorte, hoje ela tem um dos maiores hubs de transporte urbano da Europa e o maior shopping center do continente. Fica ali o Parque Olímpico, que concentra a Vila dos atletas, o principal estádio, o centro aquático e outros locais de competição importantes. Encerrada a festa esportiva, será transformada, aos poucos, em um novo bairro, deslocando o eixo do desenvolvimento em Londres para uma região que historicamente foi sempre esquecida.
Que não se pense, porém, que a Londres tradicional, da realeza, da influência cultural e da força econômica, não será colocada em cena. Os Jogos também visitam locais famosos, como o Hyde Park, com triatlo e a maratona aquática, e o Horse Guards Parade, em Westminster, a sede do poder britânico - e, nos Jogos, palco do vôlei de praia.
Esse torneio olímpico, por sinal, representa bem o tom que os londrinos tentaram imprimir aos Jogos de 2012. Os anfitriões querem, é claro, desfilar sua história e seu poder, com palácios reais servindo de pano de fundo para as competições (a maratona passará diante de Buckingham). Mas querem também mostrar um país diverso e rejuvenescido - e, no cardápio de modalidades da Olimpíada, nenhuma simboliza isso tão bem quanto o vôlei de praia. Moças de biquíni na areia diante do velho prédio do Almirantado, centro nervoso do império: é essa a Londres que deverá emergir dos Jogos, moderna e divertida, mas cheia de história e substância.
Essa também é a promessa do cineasta Danny Boyle na festa de abertura desta sexta. Depois de Pequim-2008 e seu gigantismo sem limites, a cerimônia deverá ser mais leve, menos formal e menos previsível. O que mais importa, porém, vem depois. E Londres tem a sorte de contar com algumas das competições mais aguardadas de toda a história olímpica. Os 100 metros rasos, por exemplo, sempre costumam atrair os holofotes nos Jogos. Mas a prova deste ano já é considerada pelos especialistas a melhor de todos os tempos.
Acredita-se que os oito finalistas poderão correr o percurso em menos de 10 segundos, algo que jamais aconteceu antes. Nas piscinas, o americano Michael Phelps disputará sete medalhas e tem tudo para consolidar seu status de maior atleta olímpico da história. O Brasil vem a Londres com uma delegação competente, mas de ambições ainda modestas quando se trata de um país de suas dimensões.
Ainda assim, sonha em fazer sua melhor Olimpíada justamente nos Jogos que antecedem sua própria edição do evento, no Rio de Janeiro, em mais quatro anos. Como qualquer outra delegação que desfilará pelo Estádio Olímpico nesta sexta, os brasileiros querem vencer em Londres, evidentemente. Mas também querem se inspirar e aprender, de olho em 5 de agosto de 2016, quando chegará sua vez de acender a pira olímpica. Para isso, nada melhor que viver a Olimpíada na velha capital, na novíssima metrópole, na incomparável e extraordinária Londres.
Londres - Fossem os moradores de Londres os passageiros de um ônibus de dois andares, e fosse seu percurso uma jornada pelos sete anos entre a escolha como sede olímpica e a cerimônia de abertura desta sexta-feira, seria possível observar pelas janelas o melhor e o pior do ser humano. A começar pelo dia seguinte à vitória na eleição feita pelo Comitê Olímpico Internacional (COI) em 6 de julho de 2005.
Na manhã do dia 7, enquanto os londrinos iam para o trabalho lendo nos jornais sobre a festa pela conquista do direito de receber os Jogos, um grupo de terroristas se infiltrou no sistema de transporte público da cidade, um dos melhores e mais seguros do mundo, desencadeando uma sequência de explosões que só se encerrou quando a contagem de vítimas já chegava a 52 mortos e mais de 700 feridos.
Logo depois, ainda sob o trauma da matança, um anônimo imigrante brasileiro, Jean Charles de Menezes, também era morto - mas pelas armas de policiais assombrados pelo temor de mais um ataque em série. Outros dias difíceis viriam, na esteira da pior crise econômica em décadas. Com o governo apertando o cinto para encarar a recessão, os gastos sociais caíram - o que plantou a semente de uma onda de vandalismo nas ruas, há pouco mais de um ano.
No decorrer desse período, porém, Londres resistiu a todos os golpes - como já fizera na II Guerra - e saiu vitoriosa. Inventou um novo modelo de Olimpíada , em que o futuro pós-Jogos importa até mais do que o evento em si. Ao invés de erguer arenas gigantes que tornariam-se inúteis tão logo a Olimpíada terminasse, montou instalações temporárias ou adaptáveis.
Ao invés de querer impressionar o mundo com luxo ou grandiosidade, decidiu fazer as coisas à maneira britânica - ambiciosa, sim, mas com classe e praticidade. Sete anos depois, Londres abre sua terceira Olimpíada - um recorde - com sua autoestima recuperada, e pronta para voltar a ser, como em seu passado mais glorioso, o centro do mundo.
Ao receber os Jogos pela primeira vez, em 1908, Londres foi convocada de última hora para socorrer a festa olímpica depois que Roma precisou desistir. Quarenta anos depois, três apenas depois da II Guerra, a cidade ainda tentava se recuperar dos bombardeios nazistas quando encarou o enorme desafio de fazer a Olimpíada voltar aos trilhos após duas edições canceladas (1940 e 1944) por causa do maior conflito militar da história.
Nas duas ocasiões, a Olimpíada não foi uma unanimidade em Londres. E o mesmo aconteceu desta vez: para muitos, Londres não teria nada a ganhar com os Jogos. As críticas - ao dinheiro gasto em plena crise, à saturação do trânsito e do transporte público, à megaoperação de segurança que seria necessária para proteger o evento - eram pertinentes.
A poucas horas do início da festa, no entanto, fica claro que a empreitada valeu a pena, ainda que a Grã-Bretanha não consiga atrair o volume de investimentos esperado como consequência dos Jogos (cerca de 13 bilhões de libras). A Olimpíada, que custou 9,3 bilhões, criou um novíssimo polo de desenvolvimento numa das regiões mais degradadas da cidade, Stratford, na região leste.
Antes abandonada à própria sorte, hoje ela tem um dos maiores hubs de transporte urbano da Europa e o maior shopping center do continente. Fica ali o Parque Olímpico, que concentra a Vila dos atletas, o principal estádio, o centro aquático e outros locais de competição importantes. Encerrada a festa esportiva, será transformada, aos poucos, em um novo bairro, deslocando o eixo do desenvolvimento em Londres para uma região que historicamente foi sempre esquecida.
Que não se pense, porém, que a Londres tradicional, da realeza, da influência cultural e da força econômica, não será colocada em cena. Os Jogos também visitam locais famosos, como o Hyde Park, com triatlo e a maratona aquática, e o Horse Guards Parade, em Westminster, a sede do poder britânico - e, nos Jogos, palco do vôlei de praia.
Esse torneio olímpico, por sinal, representa bem o tom que os londrinos tentaram imprimir aos Jogos de 2012. Os anfitriões querem, é claro, desfilar sua história e seu poder, com palácios reais servindo de pano de fundo para as competições (a maratona passará diante de Buckingham). Mas querem também mostrar um país diverso e rejuvenescido - e, no cardápio de modalidades da Olimpíada, nenhuma simboliza isso tão bem quanto o vôlei de praia. Moças de biquíni na areia diante do velho prédio do Almirantado, centro nervoso do império: é essa a Londres que deverá emergir dos Jogos, moderna e divertida, mas cheia de história e substância.
Essa também é a promessa do cineasta Danny Boyle na festa de abertura desta sexta. Depois de Pequim-2008 e seu gigantismo sem limites, a cerimônia deverá ser mais leve, menos formal e menos previsível. O que mais importa, porém, vem depois. E Londres tem a sorte de contar com algumas das competições mais aguardadas de toda a história olímpica. Os 100 metros rasos, por exemplo, sempre costumam atrair os holofotes nos Jogos. Mas a prova deste ano já é considerada pelos especialistas a melhor de todos os tempos.
Acredita-se que os oito finalistas poderão correr o percurso em menos de 10 segundos, algo que jamais aconteceu antes. Nas piscinas, o americano Michael Phelps disputará sete medalhas e tem tudo para consolidar seu status de maior atleta olímpico da história. O Brasil vem a Londres com uma delegação competente, mas de ambições ainda modestas quando se trata de um país de suas dimensões.
Ainda assim, sonha em fazer sua melhor Olimpíada justamente nos Jogos que antecedem sua própria edição do evento, no Rio de Janeiro, em mais quatro anos. Como qualquer outra delegação que desfilará pelo Estádio Olímpico nesta sexta, os brasileiros querem vencer em Londres, evidentemente. Mas também querem se inspirar e aprender, de olho em 5 de agosto de 2016, quando chegará sua vez de acender a pira olímpica. Para isso, nada melhor que viver a Olimpíada na velha capital, na novíssima metrópole, na incomparável e extraordinária Londres.