Especiarias: chuvas irregulares dificultam o plantio de açafrão. (TAUSEEF MUSTAFA/AFP)
Matheus Doliveira
Publicado em 23 de dezembro de 2020 às 11h20.
Mohammad Ramzan Rather trabalha incansavelmente em seu campo de açafrão na Caxemira indiana. Mas as colheitas são bastante escassas e, no final, ele se vê tomado pela nostalgia, quando se lembra dos tempos de antes da mudança climática, com suas terras produzindo o precioso "ouro vermelho" em abundância.
Essas aromáticas plantações em Pampore, uma localidade no sul de Srinagar - cujas paisagens exibem uma esplêndida cor violeta durante as duas semanas de floração, no final do outono -, eram uma mina de ouro para milhares de famílias.
No ano passado, a colheita de Rather não passou de meio quilo. Em 2020, é de apenas 30 gramas. Há 12 anos, com algo menos do que um hectare ele obtinha cerca de dois quilos de açafrão. Hoje, um quilo dessa especiaria é vendido por US$ 1.350 no mercado local.
"As chuvas irregulares dos últimos dez anos causaram danos", diz o agricultor Jalal-ud-Din Wani.
Especialistas culpam a mudança climática pela redução do volume das geleiras na região do Himalaia, reduzindo significativamente o fluxo rio abaixo.
Um estudo publicado em julho na revista Climate Change garante que a temperatura da região pode aumentar quase 7ºC até 2100, de acordo com alguns cenários de emissão de gases causadores do efeito estufa.
Como resultado, muitos produtores de açafrão vão abandonando esse cobiçado tempero por maçãs, que requerem muito menos água.
De acordo com historiadores, o açafrão foi cultivado na Caxemira 500 anos a.C.. É um ingrediente comum em receitas tradicionais, como a infusão de Kehwa, uma bebida doce feita com chá verde, canela, cardamomo e amêndoas picadas, servida aos convidados e em cerimônias como casamentos.
O açafrão é cultivado no Irã, origem de 90% da produção mundial, mas também na Espanha e na Grécia. A Caxemira é tem fama de ser melhor, no entanto, por sua forte concentração de crocina, que lhe confere sua incomparável cor vermelha e seu aroma único.
A mudança climática, assim como o conflito na região, também reivindicada pelo Paquistão, reduziram à metade a produção do "ouro vermelho", que passou de 2,8 quilos por hectare, em 1998, para 1,4 quilo em 2018, de acordo com dados oficiais.
Este ano, o governo criou um certificado de denominação de origem do açafrão para combater a falsificação.
Além disso, o Executivo, com o objetivo de mitigar o impacto da mudança climática e estimular a produtividade, lançou em 2010 uma "Missão Nacional Açafrão". Este plano é dotado de 54 milhões de dólares para introduzir tecnologia moderna nas práticas agrícolas.
De acordo com as autoridades, será possível recuperar 1.480 hectares de safras de açafrão da Caxemira.