Por que a estátua da cabeçada de Zidane no zagueiro Materazzi não deveria ser exposta no Catar
A polêmica obra de 5 metros de altura é uma triste lembrança de um episódio que nem franceses, nem italianos e nem o mundo do futebol gostaria de lembrar
Ivan Padilla
Publicado em 10 de junho de 2022 às 06h30.
Eu estava no estádio Olímpico de Berlim no dia 9 de julho de 2006. Mas não vi a cabeçada do francês Zinedine Zidane no peito do zagueiro italiano Marco Materazzi, um ato de violência que decidiu a final daquela Copa do Mundo. Nem eu vi, nem nenhum outro jornalista que acompanhava a decisão viu. Explico a razão.
Aquela foi a terceira Copa realizada na Alemanha. Eu fui para lá pela revista semanal para a qual então trabalhava. Os lugares destinados à imprensa contavam, cada um, com um monitor de televisão. Aquele Mundial seria lembrado pela extrema organização e cuidado com as instalações dos jornalistas.
Acontece que o ato aconteceu fora de uma jogada, enquanto a bola corria solta do outro lado do campo. Nem mesmo o árbitro argentino Horacio Elizondo viu a agressão. Alertado por um auxiliar, deu cartão vermelho ao craque da França. Nesse momento, nossos monitores foram desligados, assim como o telão do estádio.
Nós, repórteres do mundo todo, não estávamos entendendo o que estava acontecendo. Por que Zidane estava sendo expulso de campo? Até que jornalistas alemães que acompanhavam o jogo com radinhos nas orelhas nos contaram sobre a cabeçada. Só vimos a cena mesmo tarde da noite, de volta ao hotel.
A estátua de bronze
A famosa cabeçada virou estátua, nove anos atrás, pelas mãos do artista argelino Adel Abdessemed. Esteve exposta nas ruas de Doha, capital do Catar, mas apenas por um mês. Segundo o jornal português A Bola, deverá ser exibida novamente por ocasião da Copa do Mundo, em novembro.
A estátua de bronze de 5 metros de altura acabou sendo retirada naquela época devido a protestos de muçulmanos, por supostamente incitar a idolatria e cultuar a violência. Agora, ficará em exibição dentro do Museu de Esporte do Catar.
Não deveria. Foi uma brutalidade, no avesso do espírito de confraternização que deve nortear qualquer atividade esportiva. A agressão manchou o momento mais nobre do futebol, a final de uma Copa do Mundo. Nem italianos, nem franceses e nem o mundo da bola têm orgulho do que aconteceu.
Disputa nos pênaltis
Relembrando o que aconteceu. Depois de uma discussão na grande área italiana, Zidane disse a Materazzi que depois do jogo lhe presentearia com sua camisa. Isso porque o zagueiro vinha puxando o adversário pela roupa para segurar seus ataques.
A resposta de Materazzi irritou profundamente Zidane. Num primeiro momento, acharam que o italiano havia xingado o atacante francês de argelino terrorista, por conta de sua ascendência. Depois, o próprio Materazzi contou o que de fato dissera: "Prefiro sua irmã."
Copa do Mundo: saiba quanto custa ver cada jogo do Brasil no Catar
Ucrânia vê o sonho de jogar a Copa do Mundo escapar
No momento da cabeçada o jogo estava empatado em 1 a 1, a dez minutos do final da partida, na prorrogação. Era uma partida truncada, nervosa, com poucos lances de emoção. Não é possível dizer que a França teria feito o gol de desempate nos momentos que restavam. Mas certamente o time francês ficou abalado para a disputa de pênaltis. E com um batedor de peso de fora.
A França praticamente renasceu ao longo da campanha da Copa. O time empatou os dois primeiros jogos, contras as fracas seleções da Suíça e da Coreia do Sul. No terceiro jogo da primeira fase, passou pelo Togo, sem empolgar. Nas oitavas da final, surpreendentemente, passou pela Espanha, que estava jogando muito bem.
O Brasil era favorito contra a França
Nas quartas de final, no jogo da França contra o Brasil, muitos jornalistas franceses chegaram ao estádio de Frankfurt literalmente com a mala pronta para voltar para casa. Ninguém acreditava que o time francês pudesse vencer os brasileiros.
E isso porque a campanha brasileira também vinha decepcionando. O Brasil chegou à Alemanha na condição de campeão da Copa passada, com um grupo de atacantes apelidado de Quadrado Mágico, a saber Ronaldo, Adriano, Ronaldinho Gaúcho e Kaká.
Mas vinha apresentando um futebol pobre, com muitos jogadores envelhecidos e acima do peso. Nos treinos, durante os surpreendentes dias quentes do verão alemão, Ronaldo corria de agasalho de náilon, para tentar acelerar a perda dos quilos a mais.
Ainda assim, era favorito frente à França. Mas o que se viu em campo foi um baile do time francês, comandado pelo maestro Zidane, que vinha crescendo jogo após jogo. O craque de origem argelina, conhecido pela elegância das jogadas, poderia ter saído de Berlim como um herói. Mas deixou o campo na final como agressor.