PAULO NOBRE: “Sempre fui superagressivo e voraz ao risco” / Alexandre Battibugli
Da Redação
Publicado em 28 de novembro de 2016 às 16h33.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h14.
Raphael Simões
Como a vida muda em dois anos. Na noite deste domingo, o presidente palmeirense Paulo Nobre ergueu a taça de campeão brasileiro junto com o capitão do time, o atacante Dudu, diante de 41.000 torcedores. Era o momento de festa dos jogadores, mas Nobre fez questão de subir ao pódio. Dois anos atrás, na noite de 19 de novembro de 2014, o cartola vivia no mesmo lugar uma das maiores agonias de sua vida.
Era o dia de inauguração do moderno estádio Allianz Arena. Mas o Palmeiras levou 2 a 0 do Sport Recife, e Nobre começou a se questionar se conseguiria reerguer seu time do coração, que ele assumiu no início de 2013 em condições pra lá de adversas. Naquela noite, a torcida clamou por sua saída: “Ei, você aí, esquece meu Palmeiras e volta pro rally” – o passatempo predileto de Nobre sãos as corridas de carro. “Eu morri um pouco por dentro”, relembrou, em entrevista a EXAME Hoje na sede do clube, na sexta-feira 25.
Nobre trabalha numa sala simples, sentado numa poltrona de couro com as cores e o símbolo do Palmeiras – inspirada num banco de carro de corrida. Na parede logo atrás dele, uma imagem do goleiro Fernando Prass se mistura com o escudo do clube e homenagens aos títulos mais importantes. A 48 horas da decisão contra a Chapecoense, que daria o título do Campeonato Brasileiro ao Palmeiras, o centro administrativo era destino de uma peregrinação. Eram conselheiros, sócios, diretores, jogadores e outras autoridades se revezando para retirar ingressos para a partida e bater um papo com o dirigente. As entradas ficam separadas em envelopes pardos, e só são entregues com pagamento em dinheiro ou cheque. Não pagou, não leva. Para Nobre, cada real importa.
Quando Nobre assumiu, em 2013, o Palmeiras estava na segunda divisão. Subiu, para quase cair de novo em 2014. Além da má qualidade em campo, o clube sofria de um mal que acomete quase todos os clubes brasileiros – uma eterna pedalada orçamentária. Sem dinheiro em caixa, os dirigentes antecipam receitas dos anos seguintes, principalmente cotas de TV. A ordem é sempre gastar o máximo possível em seus mandatos, e os sucessores que se virem. “Só tive 25% da receita no primeiro ano e 70% no segundo ano. Então, não tem como fazer mágica”, diz. “Se o Palmeiras fosse uma empresa, seria uma empresa falimentar”.
A forma como Nobre conseguiu romper com essa lógica, e levar o time ao título, é simbólica de como, com dinheiro em caixa, tudo fica mais fácil. Ele foi reeleito em 2015, com o time ainda na penúria. Dias depois, contratou o diretor de futebol Alexandre Mattos, executivo bicampeão brasileiro no Cruzeiro. Além disso, começou a investir pesado, e do próprio bolso, para contratar atletas. Levou para o clube a lógica do mercado financeiro, em que fez fortuna negociando opções de ações na Bovespa. “Sempre fui superagressivo e voraz ao risco”, diz.
Nobre montou um plano sem muito espaço para o longo prazo. A ideia era ser campeão, e logo. Para isso, levou a rotina de trader para sua sala no CT da Barra Funda, onde passou a tratar sua equipe com o mesmo linguajar dos escritórios da avenida Brigadeiro Faria Lima. Junto com Mattos, estudou uma infinidade de dados sobre possíveis contratados, com potencial de crescimento esportivo, e de retorno financeiro. E foi agressivo nas contratações. O meia Dudu, capitão do título, estava quase fechado com o São Paulo, mas foi contratado por 19 milhões de reais. Este ano, Nobre contratou o zagueiro colombiano Yerry Mina por 12 milhões de reais e deixou para trás concorrentes como o Barcelona. No total, Nobre investiu cerca de 200 milhões de reais no clube em 2013 e 2016.
Executivos do clube afirmam que o Palmeiras deve a seu presidente mais de 120 milhões de reais – que continuarão a ser pagos na gestão de Maurício Galiotte, seu amigo pessoal, eleito no sábado para o biênio 2017-2018. “Banco toma dinheiro a CDI para emprestar a CDI mais alguma coisa, dependendo de quem é o tomador. Clube de futebol paga de 200% a 300% do CDI, ou seja, é impagável. Eu emprestei para o Palmeiras a CDI puro, careca”.
Para abastecer os cofres do clube, Nobre criou um FIDC (Fundo de Investimento em Direitos Creditórios), sob responsabilidade do Banco Votorantim. Ele é o único investidor do fundo, e vai sendo pago com 10% das receitas do clube. “Com acesso a 90% das receitas, o presidente consegue gerir com facilidade o clube”.
As origens
A fortuna de Nobre vem do avô, Fernando de Almeida Nobre, que foi dono do 10º tabelionato de notas de São Paulo. O cartório passou às mãos do pai do palmeirense, Fernando de Almeida Nobre Filho, e ficou com a família até 1988. Seu avô fez ainda boas apostas imobiliárias. Comprou, por exemplo, uma grande extensão de terras na Vila Olimpía – um descampado décadas atrás e hoje uma das regiões mais valorizadas de São Paulo.
Também tinha propriedades onde mais tarde foi construído o São Fernando Golfe Clube, em Cotia, na grande São Paulo. Seu pai, Fernando de Almeida Nobre Filho, foi deputado federal e um antigo acionista do Itaú. O irmão de Paulo Nobre, Fernando de Almeida Nobre Neto, era até 2009 integrante do conselho consultivo do banco. “Eu multipliquei muito o que eu herdei na bolsa”, diz o presidente palmeirense.
O esforço pessoal de Nobre valeu a pena? O Palmeiras colecionava resultados operacionais ruins no período que antecedeu sua chegada. Em 2013, primeiro ano da gestão de Nobre, o Palmeiras fechou no vermelho em 22,6 milhões de reais. Em 2014, outro tombo, de R$ 27,7 milhões de reais.
Só em 2015 é que o Palmeiras voltou a respirar, quando teve superávit de quase R$ 11 milhões. Tudo graças às receitas, que subiram 44% em relação ao ano anterior e chegaram 351,5 milhões de reais. Há três razões para isso: os ganhos com patrocínio cresceram quatro vezes; a arrecadação de bilheteria mais que triplicou (passou de 23,1 milhões de reais em 2014 para 87,2 milhões de reais em 2015); e o programa de sócio-torcedor se ampliou em três vezes.
Os resultados preliminares de 2016 apontam para outro resultado positivo: de janeiro a agosto, o clube já registra um superávit de 77,7 milhões. Nobre colhe os frutos de uma decisão que não foi dele: a construção da nova arena palmeirense, responsável direta pelo aumento no número de sócios e pela maior receita com bilheteria. Embora tenha participado ativamente das discussões do novo estádio, esse mérito pertence ao ex-presidente Luiz Gonzaga Belluzzo.
Apesar dos resultados positivos, o modelo de gerar receitas para o clube a partir de empréstimos do próprio Nobre é pra lá de controverso. Primeiro, porque Nobre manteria ingerência sobre o clube mesmo após sua saída – afinal, o clube lhe deve uma bolada. Na teoria, Nobre poderia decidir vender seus jogadores nas janelas de transferência mais rentáveis, e não nos momentos mais convenientes para o clube.
Mas o maior problema não é esse, e sim a falta de sustentabilidade do modelo. Receitas com estádio, sócios e patrocínio podem até ter vindo para ficar, mas o modelo de mecenato, não. “Conceitualmente, é um erro colossal colocar dinheiro próprio no clube. Mas quando fui diretor do Flamengo, investi meu dinheiro para comprar jogador”, diz Luiz Eduardo Baptista, presidente da operadora de TV por assinatura Sky e ex-diretor de marketing do Flamengo. “Eu não faço isso como presidente da empresa que comando, sou extremamente racional, mas no clube eu fiz”. Ele ainda afirma que os aportes de Nobre podem ter sido um “anabolizante” necessário para aquele momento, mas que daqui pra frente, após a título, a vida vai ficar ainda mais difícil. “Chegar ao topo é difícil, ficar é ainda mais. As despesas vão aumentar porque os jogadores vão querer ganhar mais, por exemplo”.
Os poucos clubes brasileiros que adotaram uma gestão mais profissional nos últimos anos sofreram com a troca no comando e a ciclotimia tradicional do esporte. O Santos, o Corinthians e o São Paulo arrumaram a casa, conseguiram títulos, e voltaram aos velhos problemas do passado. Talvez o exemplo mais próximo ao do Palmeiras é o Fluminense, que durante mais de uma década teve um mecenas – Celso Barros, presidente da Unimed Rio, que investia fortunas no clube para a contratação de reforços e para o pagamento de salários. Quando ele saiu, o clube desabou (no sábado 26 Celso Barros perdeu a disputa pela presidência do clube para Pedro Abad).
Nobre afirma que as receitas do estádio (o Palmeiras fica com a bilheteria dos jogos, enquanto a construtora WTorre, que ergueu a arena, fica com as demais fontes de renda) e do programa de sócios podem dar a sustentabilidade que o clube tanto precisa. Hoje, o Palmeiras tem 90.000 adimplentes. “Com 500.000 sócios-torcedores não precisaríamos nem de patrocínio”.
O problema: o Bayern de Munique, clube com mais sócios do planeta, tem 258.000 membros. O Arsenal, da Inglaterra, é o segundo (225.000) e o Benfica, de Portugal, o terceiro (157.000). O Palmeiras é o oitavo colocado mundial, com 126.900 associados – atrás do Corinthians, melhor clube brasileiro da lista (132.500). “Chegar a 500.000 é impossível”, diz Baptista.
Horas após a conquista do Brasileirão, o Palmeiras já tem que encarar a dura realidade. Seu principal jogador, Gabriel Jesus, está de saída para a Inglaterra. O técnico, Cuca, pode ir para a China (embora negue as sondagens). Nobre e seu bolso sem fundo vão de férias para a Europa. O sucesso esportivo e o financeiro se combinaram em 2016. Mantê-los pelos próximos anos vai ser um enorme desafio.