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Documentário sobre Osho vira sucesso na Netflix

Os irmãos Way falam sobre Wild Wild Country, documentário sobre um guru e sua comunidade no Oregon, sucesso na plataforma de streaming Netflix

CENA DO DOCUMENTÁRIIO WILD WILD COUNTRY: história sobre uma comunidade liderada por um guru no meio do estado do Oregon / Divulgação

CENA DO DOCUMENTÁRIIO WILD WILD COUNTRY: história sobre uma comunidade liderada por um guru no meio do estado do Oregon / Divulgação

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Da Redação

Publicado em 28 de abril de 2018 às 08h27.

Última atualização em 28 de abril de 2018 às 09h52.

LOS ANGELES  – Quatro anos atrás, quando os irmãos Chapman e McClain Way tinham dado por encerrada a produção do documentário The Battered Bastards of Baseball, sobre os Portland Mavericks, o time independente de beisebol de seu avô, o ator Bing Russell (pai do igualmente ator Kurt Russell),  o arquivista com quem tinham trabalhado perguntou qual seria o próximo projeto.

“Tínhamos algumas ideias, mas nada muito concreto”, diz Chapman. “Nada que realmente nos apaixonasse. E aí ele disse: eu tenho umas 300 horas de imagens sobre – nas palavras dele – o caso mais bizarro em toda a história do estado do Oregon. E aí ele nos deu uma breve descrição da coisa toda, sobre um guru que veio da Índia e construiu uma cidade, e como uns 10.000 seguidores vieram e tomaram conta da região e da cidadezinha de Antelope. E como eles arranjaram um monte de armas de fogo e importaram grupos de sem-teto e como a coisa toda tinha escalado.”

Os irmãos ficaram intrigados. Nenhum dos dois jamais tinha ouvido falar da batalha cultural, social e religiosa entre os sannyasins do mestre Osho, na época conhecido como Bhagwan Shree Rajneesh, e os 50 e poucos habitantes do vilarejo de Antelope, num vale do município de Wasco, ao norte do estado de Oregon, entre 1981 e 1984. “Eu sabia um pouco, porque Osho é muito famoso no Brasil”, diz a produtora brasileira Juliana Lembi. “Mas para Chapman e Mac era tudo novidade.”

Intrigadíssimos, os irmãos começaram a pesquisar – “queríamos saber se o que o arquivista tinha nos contado era verdade. Parecia extraordinário demais mas… quanto mais pesquisávamos, mais extraordinária a história ficava.”

As mais de 300 fitas – Umatic,VHS, Betacam, 16 milímetros- guardadas nos Arquivos Públicos da cidade de Portland continham o registro preciso, quase dia a dia, da criação e construção da comunidade Rajneeshpuran no munícipio de Wasco, desde a chegada da equipe de prospecção – liderada por uma personagem essencial na história, a sannyasin Ma Anand Sheela, mão direita de Bhagwan Rajneesh – até o desmoronar do projeto, sob pressões internas e externas. “Vimos imediatamente que ali havia mais do que apenas um documentário”, Chapman diz. “Para contar uma história como essa, apenas um filme não daria conta. Sabíamos que isso tinha que ser uma série.”

Assim nasceu Wild, Wild, Country, enorme sucesso internacional da Netflix, na já estabelecida tradição do canal com o gênero – Making a Murderer, The Keepers, The Toys That Made Us, The Confession Tapes, entre outros.

Em seis episódios, Chapman e McClain Way tecem cuidadosamente a trama de duas comunidades que caminham inexoravelmente para um confronto sem possibilidade de resolução. No microcosmo da minúscula Antelope e seus arredores agrestes, conflitos universais são encapsulados numa espécie de ópera trágica em três atos. “Vimos imediatamente que tínhamos personagens extraordinários, e escrevemos o roteiro como se escreve um filme de ficção”, Chapman diz. “Onde estão os três atos, quando termina o primeiro ato, qual é o gancho para o episodio seguinte. Fizemos uma “bíblia” de toda a série, com a narrativa de cada episódio.”

Os elementos desse combate são tão extremos – armas a granel, tentativas de assassinato e envenenamento em massa, batalhas legais, jatinhos, rolls-royces, atentados a bomba, meditação e sexo livre – que os próprios realizadores do documentário às vezes duvidavam do que estavam vendo.

A excelência do documentário se apoia em três elementos essenciais: a riqueza do material de arquivo,  o tratamento dramático desse material e a clara postura de não tomar partido, e dar voz a todos os personagens do drama.

“O elemento raro dos videos era o fato de ser material bruto, sem cortes, sem edição, imagens captadas tanto pelos próprios integrantes da comunidade quanto por canais locais de televisão”, Chapman conta. “Na maioria dos documentários você tem acesso a material já editado, aquilo que foi ao ar nos noticiários de televisão – no máximo clipes de 30 segundos com alguém falando e imagens de fundo. No nosso caso, tínhamos horas de imagens captadas, nas quais o operador filmava o que queria.”

As fontes deste extraordinário material usado como base para Wild Wild Country são os arquivos das televisões locais e imagens captadas pelos próprios sannyasin. “No início eles tinham uma atitude muito aberta quanto à mídia local, e davam acesso total, convidavam quem quisesse ir para visitar a comunidade, fazer entrevistas e filmar,”, Chapman diz. “Além disso eles tinham sua própria produtora na comunidade. Baghwan era um entusiasta das novas tecnologias, que via como um meio de espalhar sua mensagem.”

A opção por um mergulho profundo nas personalidades dos principais personagens estava presente desde o primeiro momento em que os irmãos Way viram que ali havia uma série documental.

Do mesmo modo, a decisão de ser absolutamente isento quanto aos personagens dos dois lados – sannyasins e locais- estava na raiz da proposta. “Muitos documentários são ativistas, engajados, com uma agenda – isso é ótimo, é importante, pode ser muito poderoso”, Chapman diz. “(Nesse caso) o ponto de vista do realizador é muito claro, e a plateia sabe disso, claramente. Mas não foi o nosso caso. Não tínhamos nenhum ponto de vista a respeito. Não somos seguidores do guru, não somos do Oregon e nascemos depois que tudo isso aconteceu. Desde o começo sabíamos que essa era a história do choque cultural entre duas comunidades. A narrativa da história, em si, era sobre esses dois grupos de personagens. E para isso era preciso deixar que os personagens narrassem a história segundo o ponto de vista de cada um.”

E assim eles surgem das neblinas dos anos 1980: Chandra Mohan Jain, aliás Bhagwan Shree Rajneesh, aliás Osho, aluno rebelde, professor de filosofia, que teria recebido a iluminação aos 21 aos, no dia 21 de março de 1953 e se tornaria um líder espiritual propondo uma fusão de princípios indianos e ocidentais e abraçando (para horror de seus colegas de liderança espiritual) os prazeres carnais; Ma Anand Sheela, sua secretária particular e, muito rapidamente, seu lugar-tenente e líder da comunidade de sannyasins no Oregon; Philip Toelkes, advogado, inteligente, agressivo, devotado a Osho; e um sortimento de sannyasins, rancheiros, políticos, agentes do FBI , alguns sem-teto e muitas armas de fogo.

Nos três atos do drama, Sheela  compra,  em nome de Osho, uma propriedade de 260 quilômetros quadrados nos arredores do vilarejo de Antelope, no Oregon; 10.000 seguidores do mestre se mudam para lá e constroem uma cidade-modelo para abrigar a comunidade; os locais não gostam, invocam leis estaduais sobre uso de terra – terra definida como agrícola não pode ser urbanizada, no Oregon – e deslancham uma batalha legal; os sannyasins retribuem à altura e além (“é um elemento essencial dos ensinamentos de Osho – não adotar a postura cristã de dar a outra face, mas engajar o oponente, agressivamente, protegendo a comunidade”, Chapman diz); coisas bizarras acontecem, o FBI entra na briga e o final não é feliz.

Sheela, Toelkes e muitos outros personagens do drama narram a história numa espécie de caleidoscópio de pontos de vista. Na primeira abordagem dos realizadores, as respostas foram negativas. Com insistência e a certeza de que haveria isenção, todos os principais elementos da história se disponibilizaram para horas de entrevistas – todas elas, extraordinárias.

“Como em qualquer relacionamento, para construir uma base de confiança com o entrevistado é preciso que haja tempo, paciência e dedicação”, diz a produtora Juliana Lembi. “Além de conversas por telefone e troca de e-mail procuramos visitar os entrevistados periodicamente. Em um ano e meio  visitamos a Sheela duas vezes na Suíça, antes da entrevista. Em cada um das visitas passamos mais de uma semana com ela, com a família dela e com todos os pacientes que ela atende nos hospitais.”

Os locais de Antelope foram os mais resistentes, Lembi diz. “Por mais de um ano nós mandamos cartas, emails, ligamos e até visitamos o John Silvertooth (figura proeminente de Antelope, dono do bar local) tentando marcar uma entrevista. A nossa sorte foi que tivemos a ajuda da Melissa Bowerman, que o conhecia bem e intercedeu pela nossa equipe. Nós havíamos entrevistado o marido dela, Jon Bowerman (fiho do fundador da Nike e um dos maiores defensores de Antelope contra os sannyasins) e consequentemente passamos um dia inteiro com eles. Se não fosse a ajuda dela provavelmente não teríamos entrevistado o Silvertooth.”

David Knapp aliás Krishna Deva, prefeito de Rajneeshpuran, foi o único a se recusar a dar entrevista. “E infelizmente Osho já tinha falecido, deixando pouquíssimo material de registro”, lamenta Chapman.

Sheela Anand, na realidade a personagem central de Wild Wild Country, foi a primeira pessoa a ver a série documental, e aprovou. “Mandamos os seis episódios para ela, e ela nos respondeu com um e-mail dizendo que tinha orgulho de ter resistido a todo o preconceito e racismo que  enfrentou.”

O sucesso internacional de Wild Wild Country surpreendeu seus realizadores. “Nossa opção por não tomar partido poderia ser um problema para a plateia, principalmente a plateia norte Americana, que quer tudo definido, quem é do bem, que é do mal”, Chapman diz. “Mas creio que, ao acompanhar a jornada, essas questões se tornam menos importantes, e cada pessoa pode chegar à sua própria conclusão.”

Quanto aos irmãos Way, o processo de criação de Wild Wild Country levou-os a ver, mais que as diferenças entre essas duas comunidades em conflito, as suas semelhanças. “Os fundadores de Antelope chegaram ali cem anos antes, construíram sua cidade, trouxeram sua religião, puseram sua igreja no centro da sua comunidade, criaram suas escolas, onde ensinavam a religião cristã. Ou seja, basicamente a mesma coisa que os seguidores de Rajneesh fizeram. E aí você começa a se perguntar – quais são as grandes diferenças neste caso? O fato dos seguidores de Rajneesh promoverem relações não-monógamas foi, com certeza, uma delas. Não havia nada sinistro ali – era uma coisa meio hippie, meio new age, amor livre para todos. Mas para os rancheiros conservadores, cristãos, do Oregon, isso foi a gota d’água.”

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