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"O Jogo da Imitação" peca por ser um retrato convencional de um homem incomum

Benedict 'Sherlock' Cumberbatch é Alan Turing em 'O Jogo da Imitação', indicado a oito Oscars

 jogo da imitação (Divulgação)

jogo da imitação (Divulgação)

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Da Redação

Publicado em 4 de fevereiro de 2015 às 07h14.

O Jogo da Imitação é um filme profundamente comum sobre uma pessoa absolutamente incomum. A vida de Alan Turing, que morreu aos 41 anos em 1954, é uma história fascinante, repleta de ideias que ainda são importantes. Para funcionar, o filme transforma essa existência em filme simplório: entender a ciência e tecnologia mostrada não é complicado, as emoções são expostas sem sutileza e alguns fatos históricos são ignorados para tornar a narrativa mais atrativa.

Uma cinebiografia de Alan Turing é uma ideia muito bem-vinda. Certamente você está lendo este texto em um aparelho que surgiu por causa de uma das teorias que Turing publicou nos anos 1930, explorando a possibilidade de uma “máquina universal de computação”. Sua contribuição decisiva na solução do Enigma, o código de criptografia nazista, deu aos Aliados uma vantagem decisiva na Segunda Guerra Mundial, mesmo que tenha sido confidencial até os anos 1980. O segredo de sua homossexualidade foi revelado quando ele foi preso por “indecência” em 1952, e condenado a uma castração química na Inglaterra puritana do século XX, que punia os gays.

De fato, é muita coisa para apenas um filme, e O Jogo da Imitação faz o possível para reduzir a impressionante biografia publicada por Andrew Hodges em 1983 (que serviu de base para o roteiro) em duas horas de narrativa.

O filme se passa durante três períodos decisivos da vida de Turing, usando um interrogatório por um policial de Manchester como ponto de partida. Turing diz ao investigador, que acredita que o matemático é um espião soviético, sobre o que ele sua atividade durante a guerra. Mais tarde, o filme volta para a adolescência de Turing, época em que ele descobre seu amor pela criptografia e por Christopher, um colega de escola.

O Turing adulto é interpretado por Benedict Cumberbatch, em mais um de seus personagens estranhos e geniais. O que faz Cumberbatch ser tão brilhante como Sherlock Holmes, Julian Assange e, agora, Alan Turing, é sua habilidade em unir distanciamento e frieza com sensibilidade.

Seu Turing, que parece estar em algum lugar do espectro autista, é tão frágil socialmente como é ágil intelectualmente. Ele pode perceber padrões invisíveis para as outras pessoas, mas não entende as piadas mais literais ou o sarcasmo mais ácido.

O período em Bletchley Park, propriedade no interior da Inglaterra usada como base da equipe de matemáticos, é o coração do filme, mas também sua parte mais convencional. A história tenta criar suspense e intriga na corrida contra o relógio contra os nazistas, uma tentativa mal sucedida.

Os quatro anos de sofrimento para construção de um antídoto contra a Enigma, resultado de uma década de pesquisas de Turing, são reduzidos a um acaso durante uma noite no bar. Nada é explicado ou esclarecido. Simplesmente descobrimos que Turing venceu os alemães.

A orientação sexual de Turing é mitificada e marginalizada, tratada como uma simples abstração na história. Não há nenhuma insinuação, além da breve paixão por Christopher e o encontro anônimo que leva a sua prisão, que amor, sexo ou romance tiveram algum papel na vida de Turing.

A biografia de Hodges mostra exatamente o contrário: o matemático era um romântico, escrevia poesias para os amados e viveu uma existência de sofrimento por ter que esconder suas paixões. Apesar de o filme tratar Turing como uma vítima da repressão da época, esse aspecto vital de sua identidade merecia mais do que uma mera piscadela da história. O modo em que o filme trata o tema é retrogrado e datado, o que diz bastante sobre o presente, além daquele passado.

Algumas falas parecem não estar no lugar certo: quando Turing diz “pense diferente”, é impossível não pensar em uma propaganda da Apple. Outra frase, que é repetida três vezes durante o filme, parece plagiada de uma palestra do TED.

Fundamentalmente, O Jogo da Imitação seria uma parábola sobre inovação. Não apenas fornece um mito de origem para a era digital, mas projeta a ideologia de “disrupção”, a palavra que os inovadores de hoje tanto gostam. Turing, um visionário excêntrico preso na burocracia e no conservadorismo, é um apostolo da inovação.

Certa hora, o comandante do Exército inglês faz um sermão sobre “ordem, disciplina e cadeia de comando” e a importância deles para a guerra, mas a resolução da Enigma ignorou tudo isso. Afinal, esse foi um dos momentos do conflito no qual o conhecimento estratégico dos generais e a coragem dos soldados tornou-se secundária. O que venceu esse front da guerra foi a informação e a inteligência. Os heróis foram os matemáticos que trabalharam para montar uma máquina gigante que era considerada uma piada entre os militares.

Há alguns anos, esse filme poderia ser radical e contracultural, como um salto ousado e inspirado de uma era para outra, ou a escavação de uma história perdida para o presente. Mas, pelo contrário, O Jogo da Imitação tornou-se extremamente convencional em tempos de Zuckerbergs, Brins e Pages. Bem interpretado e bem dirigido, como o último vídeo de divulgação de sua empresa de tecnologia preferida, tudo é tão perfeito que entedia.

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