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Na web, uma arte mais democrática

Cibele Reschke, de Hong Kong Os chineses compram cada vez mais carros, roupas, xícaras de café, e arte. Uma amostra foi vista em meados de abril na Art Basel, uma das mais importantes feiras de arte do mundo, que reuniu 80.000 pessoas em Hong Kong. Boa parte delas passou a ter acesso à arte por […]

ART BASEL, EM HONG KONG: 56% das compras online foram feitas por clientes que nunca foram a uma galeria ou conheceram um artista pessoalmente / Lucas Schifres / Stringer/ Getty Images
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Da Redação

Publicado em 8 de junho de 2017 às 17h36.

Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h02.

Cibele Reschke, de Hong Kong

Os chineses compram cada vez mais carros, roupas, xícaras de café, e arte. Uma amostra foi vista em meados de abril na Art Basel, uma das mais importantes feiras de arte do mundo, que reuniu 80.000 pessoas em Hong Kong. Boa parte delas passou a ter acesso à arte por um mercado em ebulição – os leilões virtuais. As plataformas de e-commerce se tornaram o segmento que mais cresce na vendas de arte e antiguidades. Ao passo que as transações em leilões online crescem 4% ao ano, os leilões presenciais têm sofrido um encolhimento anual de 26% nas vendas, segundo um estudo sobre o mercado de artes em 2017 da UBS Wealth management, consultoria suíça de gestão de patrimônio, lançado durante a Art Basel em Hong Kong.

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O ganho de espaço dos sites de e-commerce de arte e a consequente repaginação do mercado artístico tem gerado debates sobre uma possível morte das formas tradicionais de comercialização de arte em um futuro próximo. É uma discussão que segue a onda do sites de vendas roubando clientes do varejo. No entanto, especialistas do meio artístico tendem a discordar da ideia de que o mercado de arte siga esse modelo, já que o consumo desses produtos requer uma dose maior de subjetividade e um orçamento generoso. “É evidente a expansão dos leilões virtuais no caso de vendas de pequeno porte, mas eu enxergo esse movimento como um suporte complementar às grandes e tradicionais feiras de arte,” afirma Clare McAndrew, autora do estudo da UBS e fundadora da Arts Economics, empresa de pesquisa e consultoria em economia das artes. “Em relação às vendas de alto nível, o mercado já opera de forma eficiente e eu não vejo o online tomando lugar do tradicional nem atualmente, nem no futuro.”

O estudo da UBS revela que os trabalhos avaliados em mais de um milhão de dólares representam 48% do valor desse mercado, mas correspondem a apenas 1% do total. Apenas 15% dos artistas ao redor do mundo cobram acima de 50.000 dólares por uma peça.

Em resposta à desigualdade social no mundo das artes, o e-commerce aparece como um elemento revolucionário e um significante atrativo para novos consumidores. Em 2016, 56% das compras online foram feitas por clientes que nunca foram a uma galeria ou conheceram um artista pessoalmente. “Eu acredito fortemente na ideia de que a internet democratiza o mundo artístico, já que proporciona conhecimento e acesso a exibições e artistas antes desconhecidos pelo público comum,” diz Devang Thakkar, diretor do Artsy, um dos maiores sites de leilões de arte online do mundo, com cerca de 4 milhões de visualizações mensais. As peças ofertadas no Artsy são avaliadas dentro da margem de 50 dólares a 500 milhões de dólares. “Estamos desenvolvendo uma audiência mais ampla do que jamais foi imaginado no mundo artístico, porque a plataforma online facilita o despertar do interesse do público por arte,” complementa Devang.

De olho nesse filão, galerias, feiras e tradicionais eventos de arte têm se empenhado em desenvolver parcerias com sites de leilão para potencializar as vendas. “Ao passo que a nossa indústria se amplia e globaliza, é fundamental que nós saibamos nos adaptar às novas tendências e utilizar a tecnologia para agregar valor às exibições que organizamos,” afirma Marc Spiegler, diretor global da Art Basel. Especialistas estimam que atualmente cerca de 70% dos lances acontecem fora das salas de leilão, dentro de uma rede integrada da qual o e-commerce se tornou peça fundamental. Trata-se de um movimento de mão dupla: “enquanto os sites de leilão ampliam as oportunidades de consumo, os eventos offline são essenciais para a criação de um senso de comunidade e troca de conhecimento que fideliza nossos clientes,” diz Osman Khan, presidente e co-fundador do Paddle8, site de comercialização de arte.

Consumidores emergentes

O fortalecimento dessa parceira entre o real e virtual nos últimos cinco anos abriu espaço para mercados e artistas emergentes terem maior destaque. A própria Art Basel exemplifica a expansão da importância da Ásia no contexto artístico global. Original de Basel, na Suíça, a feira também acontece em Miami há anos e, no início da década de 2010, se instalou também em Hong Kong, como resultado do aumento do interesse não só de asiáticos no mercado global de artes, como também da comunidade global em arte asiática. Na edição de 2017, o evento contou com a participação de 242 galerias de ponta, vindas de 34 países diferentes.

A redistribuição da riqueza global ajuda a explicar o crescimento da importância asiática no consumo de arte. Há muitos paralelos entre o deslocamento do centro de gravidade da riqueza global do Ocidente para o Oriente, e o aumento das compras de alto valor entre clientes asiáticos. “A quantidade de dinheiro que as pessoas têm sobrando é o maior determinante do quanto elas estarão dispostas a investir em arte, um bem de consumo que pode ser considerado um luxo,” diz Clare. A associação faz sentido. A China se tornou o terceiro país que mais contribui para a sustentação do mercado de artes global, representando 20% do valor total, atrás do Reino Unido, com 21% e dos Estados Unidos, com 40%.

A grande maioria dos compradores em e-commerce de arte cresceu na era digital e consome virtualmente com naturalidade. Não só a internet é familiar para essa geração, como também atende à rotina dos jovens que trabalham em grandes centros urbanos e não dispõem de tempo para deslocar-se frequentemente para galerias e feiras artísticas, mais ainda assim desejam comprar. “A tecnologia se desenvolve para acompanhar o desenvolvimento humano e urbano, e o mercado de artes certamente se beneficia disso,” diz Devang.

Graças à plataforma virtual, muitos millennials estão se tornando colecionadores. “Eu me sinto inclinada a comprar peças online porque e-commerce faz parte dos meus hábitos de consumo, e porque os artigos nos sites de leilão tendem a ter um preço acessível,” diz Veronica Houk, 22 anos, natural de Nova York e estudante de mestrado na Universidade de Pequim. “Ainda assim, acredito que a plataforma online jamais substituirá as exibições in-loco, já que peças de valor alto exigem mais interação e apego para valerem a pena.”

A despeito do grande potencial de crescimento, as vendas de artefatos online ainda representam 9% do mercado artístico global em valor, ou seja, 4,9 bilhões de dólares. As galerias de arte continuam ocupando papel central nesse contexto, e contribuem com 50% das vendas, seguidas pelas feiras de arte, com 40%.

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