(Disney/20th Century Fox/Divulgação)
Estadão Conteúdo
Publicado em 17 de maio de 2021 às 08h49.
Última atualização em 17 de maio de 2021 às 08h58.
Na sala de conferência de um hotel em Los Angeles, as cadeiras estão bem separadas. Sobre a mesa, pequenos frascos de álcool gel, artigo já em falta nas farmácias locais. "Está preocupante" diz a atriz Amy Adams, num dos últimos eventos presenciais de imprensa de Hollywood, de A Mulher na Janela, dirigido por Joe Wright. É 5 de março de 2020. Os Estados Unidos tinham 19 mortos pelo então chamado novo coronavírus. Dali seis dias a NBA suspenderia a temporada, Tom Hanks e a mulher Rita Wilson testariam positivo, e a Organização Mundial de Saúde declararia a pandemia. O mundo entraria numa realidade digna de um filme de Alfred Hitchcock.
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Por conta disso, A Mulher na Janela, que teria estreado em maio do ano passado, só agora pode ser visto pelo público. Mas não nos cinemas, e sim na Netflix - a produção da Fox passou para a Disney com a aquisição, e o estúdio acabou vendendo para a plataforma de streaming. Coincidentemente, o longa-metragem baseado no best-seller de A.J. Finn tem ares hitchcockianos ao falar de uma mulher, Anna Fox (Adams), que passa a sofrer de agorafobia depois de um trauma.
Morando sozinha num apartamento em Manhattan, espia os vizinhos pela janela e acaba sendo testemunha de um ato de violência. Ou pelo menos acha que sim. "Sempre fui fã do filme noir, dos thrillers. E acho que meio que trouxe aspectos do gênero a meus outros filmes. Mas nunca tinha feito um thriller noir de fato", diz ao jornal O Estado de S. Paulo o diretor Joe Wright, de Orgulho e Preconceito (2005), Desejo e Reparação (2007) e O Destino de uma Nação (2017), entre outros.
A Mulher na Janela tem logo no início uma homenagem a Janela Indiscreta (1954). "Queria de cara reconhecer minha dívida e seguir adiante com nossa exploração", diz o cineasta. "Mas eu sempre me inspiro na especificidade de Hitchcock e na humanidade de Robert Bresson. O filme é uma carta de amor ao filme noir, de certa maneira." O desafio, segundo ele, era como tornar um longa inteiramente passado dentro de uma única casa ser visualmente interessante.
"Sempre tento me impor limitações e estou acostumado a trabalhar no teatro", afirma Wright. "Mas, desde Peter Pan, o auge da minha loucura barroca, tenho tentado simplificar e ficar mais minimalista, o que é muito mais difícil do que ser barroco."
Para Amy Adams, rodar um filme todo numa locação fechada não foi um desafio, mesmo que fosse uma casa construída em estúdio, para que o diretor pudesse remover paredes e filmar cenas que levassem o espectador para dentro do ambiente. "Eu adorei", diz ela, para quem Um Corpo que Cai, de Hitchcock, foi o primeiro longa em que enxergou a arte do cinema. "E eu não sei o que isso revela sobre mim. Mas era tudo muito controlado.
Foi quase reconfortante para mim, como ir para casa todos os dias." O set era calmo, e a atriz até levou sua filha de 11 anos para visitas e uma ponta. A pequena Aviana também é autora de alguns dos desenhos na lousa da casa, pois Wright achou que seria importante para Adams fazer a conexão de sua personagem com sua filha, de quem está distante. Entre as cenas, era possível também encontrar Amy Adams conversando com seus colegas de elenco, especialmente Julianne Moore, com quem nunca tinha contracenado.
O principal foi entrar no estado mental de sua personagem. "Eu precisava entender quem ela era antes para poder compreender sua noção de perda", conta. Adams consultou uma terapeuta especialista em trauma. "Ela me falou que tipo de ansiedade isso pode causar e como as pessoas conseguem superar. Mas para falar a verdade eu não preciso de muita ajuda para entender a ansiedade, não."
Ela descreve o trabalho com Joe Wright como muito íntimo e intenso. "Eu aprendi a abandonar minha camada protetora no set. E foi muito significativo me sentir segura para fazer isso", explica a atriz. "Ele realmente ficou no meu pé para que não usasse truques de atuação. Me dizia: preciso que você sinta de verdade, preciso acreditar na ansiedade, no medo, no trauma. Foi um desafio."
Foi duro também porque, sendo mãe, Adams se identificou com Anna. "Você se sente responsável por tudo o que dá errado. E é difícil assumir a responsabilidade quando as coisas dão certo. Tudo o que seu filho passa pesa em você. Então eu entendo que Anna sinta tanta responsabilidade que não consiga nem funcionar."
A atriz diz que sente culpa o tempo todo, mas prefere usar a palavra responsabilidade porque é algo em que há agência. "Tento usar palavras que provocam a ação porque assim dá para mudar. Culpa é uma emoção, uma reação. Mas eu sinto culpa também. Por exemplo, sinto culpa por ter comido sushi hoje e minha filha não estar naquele momento", conta, olhando para Aviana no canto da sala.
A menina é sutilmente retirada quando a atriz hesita a responder sobre seu maior medo. Assim que a filha fecha a porta, ela admite. "Meu maior medo, claro, é que algo aconteça com ela. Eu fiz alguns filmes em que isso ocorre e é muito difícil de processar. Por isso tenho muita empatia pelas mães que sofreram perdas."
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