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"Medusa" ou como as premissas evangélicas se propagam no Brasil

Selecionado para a Quinzena dos Realizadores, seção paralela de Cannes, "Medusa" é o segundo longa-metragem de Anita Rocha da Silveira e o único que o país apresentará este ano no festival

Cannes: A diretora brasileira Anita Rocha da Silveira (terceira da esquerda para a direita) con atores do seu filme "Medusa" no tapete vermelho da premiação. (Reprodução/AFP)

Cannes: A diretora brasileira Anita Rocha da Silveira (terceira da esquerda para a direita) con atores do seu filme "Medusa" no tapete vermelho da premiação. (Reprodução/AFP)

A

AFP

Publicado em 13 de julho de 2021 às 11h27.

"Prometo ser pura e modesta", diz uma jovem "promíscua" agredida no meio da noite por um bando de mascarados em plena cruzada evangélica no Brasil. É assim que começa "Medusa", um filme "mais próximo da realidade" do que da distopia, explicou sua diretora em Cannes, nesta segunda-feira (12).

 

Selecionado para a Quinzena dos Realizadores, seção paralela de Cannes, "Medusa" é o segundo longa-metragem de Anita Rocha da Silveira e o único que o país apresentará este ano no festival, além do documentário "Marinheiro das montanhas", de Karim Ainouz.

Ela começou a filmar em 2015, quando já percebia "a onda de conservadorismo" que crescia no país sul-americano e que levaria à eleição do presidente Jair Bolsonaro em 2018, como explicou ao público: a cineasta vestia uma camiseta com a frase "Vacina sim, ele não", referindo-se a Bolsonaro.

A história é baseada em recortes do presente reunidos por ela para compor um retrato de jovens brasileiras que caem nas garras de certas igrejas evangélicas, sofrendo submissão e maus-tratos.

"Não queria fazer uma crítica geral à igreja, mas a certos grupos que se utilizam das escrituras para propagar discursos que são machistas, homofóbicos, racistas e de ódio", explicou a diretora à AFP, que evita citá-los por medo de ser processada.

Eles entram em cena "quando todas as outras igrejas e o Estado falham", oferecendo apoio a jovens desamparadas, acrescenta. Eles as abordam em aulas "de bordado, canto ...", acrescenta.

Mariana e Michele fazem parte de um grupo organizado de evangélicos: durante o dia cantam de forma angelical nos templos ou dão conselhos na internet sobre como fazer "selfies cristãs". À noite, saem para caçar para "punir" as mulheres "mundanas" que voltam para casa.

No entanto, Mariana será ferida no rosto por uma de suas vítimas, deixando uma marca que começará a questionar sua fé. Por sua vez, Michele terá que aprender a se maquiar para esconder as marcas de violência do parceiro evangélico.

Misturando elementos de fantasia e música pop, a diretora, que cita como inspirações David Lynch e os filmes "Carrie" e "Suspiria", traça um caminho de libertação para essas jovens: sua salvação virá ao colocar os pés no chão.

Histeria ou catarse?

Assim, seu primeiro desafio será tentar romper as correntes com seus namorados, "soldados" que zelam pelo respeito às regras da comunidade evangélica. Esses grupos masculinos existem, "se assimilam a um exército", segundo a diretora, que explica que seu filme tem elementos distópicos, mas está "mais próximo da realidade, infelizmente".

Além de criticar o "machismo estrutural" no Brasil, essa filha de uma ativista feminista também destaca o controle entre as mulheres. Assim surge o título "Medusa", em referência ao mito grego no qual a deusa Atena transforma Medusa em monstro ao manter uma relação com Poseidon.

Mas esse não é o único mito do filme. "Medusa" também quer desmontar a crença que desde tempos imemoriais associa as mulheres à histeria, palavra que em grego significa útero, lembra a diretora.

No Brasil - explica a cineasta - é muito comum falar que uma mulher é "louca", que "não sabe se controlar". Porém em seu filme, os gritos que poderiam ser descritos como "histeria" soam como catarse.

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