"Esperamos que o festival possa se converter numa espécie de laboratório", disse o diretor do festival (Stefano Mazzola/Awakening/Getty Images)
Estadão Conteúdo
Publicado em 2 de setembro de 2020 às 07h47.
Última atualização em 2 de setembro de 2020 às 09h05.
Num ano em que o cinema ficou praticamente paralisado, com salas fechadas, produção parada e festivais como Cannes cancelados, Veneza quer enviar ao mundo um sinal de otimismo e solidariedade com a indústria. "É hora de reabrir porque não podemos nos permitir ficar confinados durante muito tempo", disse à agência EFE Alberto Barbera, diretor do Festival de Veneza, o primeiro de grandes proporções a retomar uma edição presencial - outros, como Locarno, ocorreram de forma virtual, enquanto Toronto, que começa dia 10, vai ser ao vivo apenas para o público da cidade.
Como prova de que a união faz a força, a abertura do 77º Festival de Veneza nesta quarta-feira, 2, contará com a presença de diretores de outros sete festivais de cinema europeus: Cannes Berlim, Locarno, San Sebastián, Roterdã, Karlovy Vary e Londres.
"Acreditamos que é possível", afirmou Barbera à EFE. "Esperamos que o festival possa se converter numa espécie de laboratório. Que sirva como exemplo para outros, que seja a demonstração de que, se forem respeitados protocolos, é possível voltar ao cinema e a fazer filmes."
Claro que não vai ser o mesmo Festival de Veneza dos últimos anos. Não haverá a chegada - de barco! - de astros como Brad Pitt, Scarlett Johansson e Joaquin Phoenix, que, no ano passado, saiu do Lido de Veneza, a ilha onde é realizado o evento, consagrado com o Leão de Ouro por Coringa para ganhar o Oscar de melhor ator. Os grandes filmes de Hollywood, que usaram o festival como uma plataforma para suas campanhas pelas estatuetas douradas, não estão presentes na seleção, até porque seus lançamentos estão indefinidos. Outros simplesmente não ficaram prontos devido às medidas de confinamento.
Os longas americanos presentes têm uma pinta mais independente, caso de Nomadland, de Chloé Zhao (de Domando o Destino), estrelado por Frances McDormand, e One Night in Miami, estreia na direção da atriz Regina King. Devido às restrições de viagem entre Estados Unidos e Europa, a presença das equipes será apenas virtual. Há poucos latino-americanos também, segundo Barbera, por uma redução nas inscrições. New Order, do mexicano Michel Franco, é o único na disputa do Leão de Ouro. Dez dos 18 longas da competição são dirigidos por europeus. Apenas dois são americanos e cinco, do continente asiático.
Treze dos 18 cineastas nunca participaram da competição. Um recorde de 8 longas dirigidos por mulheres disputam o Leão de Ouro. "Eles foram escolhidos com base somente em sua qualidade e não para seguir protocolos de gênero", escreveu Barbera na introdução da seleção. O diretor foi muitas vezes criticado pela presença pequena de diretoras entre os selecionados. Mas este é o terceiro Festival de Veneza em quatro anos em que o júri é presidido por uma mulher. Depois da atriz americana Annette Bening em 2017 e da cineasta argentina Lucrecia Martel no ano passado, é a vez da atriz australiana Cate Blanchett.
A ausência dos grandes filmes e das estrelas de Hollywood afastou parte da imprensa internacional, já desfalcada pelas restrições de viagem - brasileiros, chilenos, macedônios e bósnios estão proibidos de entrar na Itália por qualquer razão, a não ser que sejam residentes. A equipe de Narciso em Férias, documentário sobre a prisão de Caetano Veloso durante a ditadura militar, vai participar por Zoom. Quem vem de fora da Europa, do Reino Unido e dos países signatários do Tratado de Schengen precisa apresentar um teste negativo 72 horas antes da partida, fazer um teste na chegada e outro cinco dias após. Se algum der positivo, a pessoa tem de ficar de quarentena, por sua conta. Gregos, espanhóis e croatas também precisam apresentar um teste negativo 72 horas antes da partida. Búlgaros e romenos precisam cumprir quarentena de 14 dias ao entrar na Itália. Isso deve ter influenciado na substituição de Cristi Puiu pelo ator Matt Dillon no júri - o cineasta romeno também andou reclamando da obrigatoriedade do uso de máscaras no Festival da Transilvânia, algumas semanas atrás.
O Festival de Veneza tomou uma série de medidas, com acompanhamento de várias instâncias governamentais. Todos terão de usar máscaras o tempo inteiro, inclusive durante as projeções - e no tapete vermelho. O público não poderá se aproximar do tapete vermelho nem da saída do palácio do festival. As salas terão sua capacidade reduzida pela metade, com várias sessões dos mesmos filmes. Daí a redução da seleção para um total de 64 produções, sendo apenas 18, em vez das habituais 21, na competição. Todos, inclusive os jornalistas, terão de reservar seus lugares nas salas de exibição. Haverá controle de temperatura nos pontos de entrada da área do festival, escaneamento de convites e credenciais, e obrigatoriedade de uso de álcool gel. As filas serão organizadas para evitar aglomerações, assim como a saída das salas. Restaurantes funcionarão sob reserva. Tudo pensado para identificar quem tiver contato com um eventual doente por covid-19.