Estilista revolta indígenas ao usar seus desenhos em coleção de luxo
Carolina Herrera utilizou desenhos que caracterizam técnicas de bordado de comunidades do México em sua última coleção, chamada Resort 2020.
AFP
Publicado em 22 de junho de 2019 às 12h37.
Última atualização em 29 de julho de 2019 às 19h29.
Rodeada de pilhas de mantas bordadas vermelhas, azuis e amarelas, Glafira Candelaria, uma indígena mexicana de 59 anos que fala espanhol com dificuldade, fica indignada quando se refere à última coleção da casa de moda Carolina Herrera , que usou desenhos têxteis de seu povo.
"Está copiando nosso trabalho", diz em sua casa.
Ela vive em San Nicolás, um empobrecido povoado do município de Tenango de Doria, no estado mexicano central de Hidalgo, em uma zona de montanhas habitada majoritariamente por indígenas Otomis.
O diretor criativo da Carolina Herrera, o americano Wes Gordon, utilizou os pássaros e galos rodeados de árvores e folhas soltas que caracterizam a técnica de bordado Tenango, assim como os desenhos de outras duas comunidades mexicanas em sua última coleção, chamada Resort 2020.
A coleção provocou críticas do governo mexicano, que pediu a Carolina Herrera - uma marca nova-iorquina fundada em 1980 - uma explicação sobre o que considerou uma "apropriação" da iconografia autóctone.
A coleção "presta homenagem à riqueza da cultura mexicana" e reconhece "o maravilhoso e diverso trabalho artesanal" do país, argumentou Gordon.
"As pessoas que vêm de fora ficam ricas com nosso trabalho, porque o vendem bastante caro (...). Essas pessoas também podem pedir desculpas", acrescenta Glafira, que observa indignada as fotografias dos vestidos da coleção Resort 2020, que são vendidos por milhares de dólares.
A Carta Internacional de Direitos Humanos reconhece a propriedade intelectual como parte dos direitos fundamentais do homem, e a lei federal do direito autoral do México estabelece que deve-se respeitar todas as obras que sejam consideradas de arte popular ou artesanal.
A lei também ordena reconhecer com uma menção clara e direta a comunidade indígena da qual essas obras procedem, no caso de serem usadas para criar novos produtos.
Embora "não haja uma apropriação dos desenhos", o caso poderia merecer "uma infração em termos de comércio por ter sido omitida a menção da comunidade étnica, e quem tem que processar é o governo mexicano", disse à AFP a advogada especialista em direitos autorais Dafne Méndez.
Os artesãos dedicam cerca de cinco horas por dia para tecer em seis meses um caminho de mesa, e até um ano e meio para confeccionar uma toalha de mesa de seis metros, que vendem por 65 e 250 dólares, respectivamente.
O uso dos desenhos de comunidades indígenas em passarelas internacionais não é novo. Zara, Mango, Isabel Marant e Rapsodia são outras marcas que foram acusadas de se "apropriar" dos desenhos dos povos indígenas do México.
"O que têm que fazer é que venham diretamente a nós. Em primeiro lugar, que seja reconhecido o artesão para que outras pessoas saibam de onde sai. Que nos tragam trabalho", diz em seu ateliê, que também é sua casa, Oliver López, um jovem artesão otomi de 29 anos.