Cartaz do filme Narciso em Férias: retrato de Caetano feito na prisão (Divulgação/Divulgação)
Ivan Padilla
Publicado em 7 de setembro de 2020 às 06h30.
Última atualização em 7 de setembro de 2020 às 08h44.
Caetano Veloso passou 54 dias preso, na virada de 1968 para 1969. Primeiro numa solitária do 1º Batalhão do Exército, na Tijuca, depois na Polícia do Exército da Vila Militar, no subúrbio de Deodoro, no Rio de Janeiro. Ele havia sido levado de carro junto com Gilberto Gil, depois de ser detido por policiais à paisana, em São Paulo. Foi uma experiência traumática e transformadora. Ao sair do cárcere, Caetano e Gil se exilaram em Londres.
Pessoa e obra nunca mais seriam as mesmas. A violencia da prisão foi transformado em um documentário por encomenda da mulher de Caetano, Paula Lavigne. E o melhor: o filme estará disponível a partir de hoje na Globoplay, canal de streaming da Globo.
O nome, "Narciso em Férias", se deve ao fato de que nesses quase dois meses Caetano não se olhou no espelho. O filme foi gravado poucos dias antes das eleições de 2018, em um único dia, na Cidade das Artes, no Rio de Janeiro. Não há imagens de arquivo. Os diretores, Renato Terra e Ricardo Calil, apostaram no poder verbal do artista.
A locação, com uma grande parede de concreto exposto, remete à dureza do cárcere. As cerca de 5 horas de conversa foram reduzidas a 1h20 no filme. O documentário estreia hoje, dia da Independência do Brasil, tanto na Globoplay como no prestigiado Festival de Veneza. O relato da prisão também está saindo em livro, uma edição ampliada do capítulo que trata do episódio de "Verdade Tropical", de 1997, pela Companhia das Letras.
Conversamos com os diretores Renato Terra e Ricardo Calil na edição 1216 da EXAME. Confira a entrevista abaixo.
Por que o filme traz apenas Caetano em frente à câmera?
Ricardo Calil — Percebemos que a gente perderia muito inserindo imagens de arquivo do período da ditadura e entrevistas com outros artistas. O episódio da prisão é um tema tão árido por si só que não caberia mais nenhum ornamento. O foco do filme é a prisão e a experiência de ouvir Caetano contando. Mas ele também canta algumas músicas, dele e de outros, que remetem àqueles tempos.
Como foi a experiência de filmar com ele?
Renato Terra — Caetano é um gênio. Conta as coisas de um jeito só dele. Em um momento, ele se emocionou muito e tivemos de parar por 10 minutos. É importante registrar isso. Em um documentário, quando acontece algo naquela entrevista e a câmera capta, é cinema. E ele sentado e falando já basta. Todo ele fala. Os gestos, as expressões, os silêncios. Alternamos entre planos abertos e planos fechados para criar uma experiência no espectador: ele vai sentir angústia, tédio, medo e até humor, conforme a história se desenvolver.
Como esperam que o filme seja recebido?
Renato Terra — Os espectadores verão um Caetano falando de um jeito que ele nunca falou. Em nenhum momento ele se coloca como herói. Ele apenas conta sua história. Não é um filme panfletário, mas certamente é um filme político. Esperamos que ele traga um debate elevado, que é o que está faltando hoje. As pessoas estão se deixando levar por medos e instintos. Queremos que haja uma discussão madura sobre autoritarismo e que se reflita sobre o Brasil atual.