Sue Nabi lidera a Coty com inovação e tradição, conectando o legado de François Coty ao futuro da perfumaria (Divulgação)
Editora-assistente de Marketing e Projetos Especiais
Publicado em 2 de dezembro de 2024 às 10h33.
Última atualização em 2 de dezembro de 2024 às 11h04.
PARIS - Andar pelas ruas de Paris, na França, é como embarcar em uma viagem no tempo, à la Doctor Who. Passado, presente e futuro se entrelaçam a cada esquina e a sensação é de estar a bordo da icônica cabine espacial do seriado de televisão. No charmoso bairro de Le Marais, um dos mais tradicionais da cidade, as ruas estreitas e os prédios históricos se contrastam com vitrines modernas e cafés repletos de telas digitais.
É neste cenário vibrante e repleto de história que se encontra a loja da mais nova marca de fragrâncias premium da Coty, a Infiniment Coty Paris. Desenvolvida pela atual CEO, Sue Y. Nabi, e seu parceiro Nicolas Vu, a linha conecta o legado de François Coty, reconhecido como o inventor da perfumaria moderna, à crescente busca por inovação por parte dos consumidores atuais — um marco na trajetória da companhia, que, em 2024, celebra 120 anos.
Fundada em Paris, a Coty evoluiu ao longo dos anos de um pequeno negócio para uma gigante global do mercado de beleza, listada na bolsa e presente em mais de 125 países. A empresa é responsável pela criação de fragrâncias, maquiagens e cosméticos de marcas como Gucci, Hugo Boss, Chloé, Burberry, Marc Jacobs, Calvin Klein e Tiffany, além de colaborações com celebridades como Kylie Jenner.
No Brasil, não raro o nome Coty é associado, especialmente por gerações mais velhas, a produtos icônicos, como o pó de arroz e o desodorante SP. Mas sua presença no cotidiano dos brasileiros vai muito além disso. O vasto portfólio da empresa inclui marcas consagradas como Risqué, Monange, Bozzano, Paixão e Cenoura & Bronze.
As fragrâncias também são parte relevante do negócio por aqui, especialmente as chamadas lifestyle, voltadas para o uso diário e com preços mais acessíveis, a exemplo de David Beckham Instinct, Adidas Active Bodies e Nautica Voyage. "A mais vendida é, de longe, Gabriela Sabatini", diz Sue Nabi, CEO da Coty, em entrevista à EXAME.
O país está entre os principais motores de crescimento da empresa, ao lado do México, o restante da América Latina, Índia, China, Sudeste Asiático, África e Oriente Médio. Juntos, esses mercados representaram aproximadamente 21% das vendas totais no primeiro trimestre fiscal de 2025, com crescimento de 15% em vendas comparáveis.
No mesmo período, a fabricante de cosméticos registrou lucro de US$ 79,6 milhões, contrastando com o prejuízo de US$ 1,7 milhão registrado no ano anterior. A receita cresceu 2% na base anual, totalizando US$ 1,67 bilhão, impulsionada pelo bom desempenho do portfólio de perfumes, especialmente os de luxo, que cresceram 6%.
As fragrâncias, enraizadas no DNA da marca, são vistas como fator chave para impulsionar tanto o crescimento quanto a rentabilidade nos próximos anos – e sair à frente de pares globais, como L’Oréal, Estée Lauder, Shiseido e Perfumes & Cosmetics da LVMH. A empresa tem apostado em franquias consolidadas, como Burberry Goddess, e investido em campanhas envolventes e inovações que abrangem variadas faixas de preço e mercados.
A estratégia, conforme explica a CEO, resgata a essência de François Coty ao unir tecnologia, criatividade, ciência e uma profunda conexão com os desejos dos consumidores. "Para o futuro, estamos reunindo todos esses elementos. A capacidade de surpreender, a qualidade e o entendimento dos sonhos dos consumidores estão, de fato, no centro do nosso negócio.”
Olhando para o mercado global de beleza, as fragrâncias seguem como uma das categorias de maior desempenho, atraindo cada vez mais consumidores e oferecendo uma variedade crescente de concentrações e formatos. O setor foi estimado em US$ 61,79 bilhões em 2023 e deve alcançar US$ 84,02 bilhões até 2028, com um crescimento anual de 6,34%, segundo a Mordor Intelligence.
Reconhecida no mercado de beleza, Sue Nabi acumulou anos de experiência na direção de marcas como L’Oréal Paris e Lancôme antes de fundar a Orveda, sua própria empresa, e tornar-se a primeira CEO trans à frente de um grande grupo da indústria cosmética. No comando da Coty desde 2020, a executiva recebeu a reportagem da EXAME na sede da empresa em Paris, durante a celebração dos 120 anos da marca.
Mais do que uma simples retrospectiva, o evento 'Coty: uma disruptora em fragrâncias desde 1904' mostrou como o espírito inovador que marcou a fundação da pequena perfumaria no início do século XX continua a orientar o futuro da multinacional francesa.
“O fundador, François Coty, tinha um sonho: criar uma rosa que nunca murchasse, uma fragrância que pudesse representar a beleza duradoura de uma mulher. Naquela época, a perfumaria era completamente baseada em ingredientes naturais. Pela primeira vez, ele incorporou ingredientes sintéticos derivados da química em uma fórmula”, conta Nabi.
A combinação de moléculas sintéticas com ingredientes naturais — uma receita que é seguida até hoje — resultou em fragrâncias mais duradouras e intensas, além de novos tipos de aromas. A empresa foi pioneira na criação de duas das seis grandes famílias olfativas da indústria: âmbar e chipre, que hoje representam cerca de dois terços do mercado feminino de fragrâncias finas.
“François Coty não apenas entendeu a importância da tecnologia, como também soube captar o chamado ‘air du temps’ – o clima do momento –, criando perfumes que evocavam emoções universais, como a feminilidade representada pela rosa eterna em La Rose Jacqueminot”, afirma a executiva.
Segundo ela, sua visão foi além da criação de fragrâncias; ele soube combinar a habilidade técnica com uma sólida compreensão do comportamento do consumidor e do negócio, o que o levou a abrir a primeira loja da Coty na Place de la Concorde, um espaço que prefigurava as boutiques de nicho e onde consultores ajudavam a escolher o perfume ideal.
Os frascos também desempenhavam um papel importante para o fundador, que dizia que um perfume “deve ser visto tanto quanto cheirado.” Após uma primeira colaboração com a empresa de cristais Baccarat, passou a trabalhar com René Lalique, um joalheiro que se tornou vidreiro e produziu todas as garrafas da marca de 1908 a 1920, quando a empresa passou a fabricar suas próprias embalagens.
“O começo da história da Coty trazia a receita de como se tornar uma empresa global na indústria de perfumes”, destaca a CEO. “Há um pouco de arte, mas muita ciência e senso de negócios. Isso se tornou ainda mais evidente quando Coty percebeu que não era suficiente atender às expectativas das pessoas, mas sim surpreendê-las, criando categorias que abriram novos caminhos no mercado”, complementa.
Algumas fragrâncias lançadas pelo empresário contribuíram para a criação de novas subcategorias, como as limpas e sem gênero, com exemplos como o Calvin Klein One (CK One, 1990). "Foi uma inovação, pois, naquela época, as fragrâncias eram predominantemente florais, amadeiradas ou picantes, e o CK One era tão abstrato que era difícil até identificar seus ingredientes. Por isso, fez tanto sucesso", afirma a executiva.
Exemplo semelhante ocorreu com o Cool Water, que foi formulado com uma overdose de calonne, um ingrediente que evoca o cheiro do ar próximo ao mar, salgado e fresco ao mesmo tempo. Isso deu origem a uma nova família de fragrâncias, com o Cool Water inspirando outros perfumes icônicos, como Acqua di Gio e Kenzo Pour Homme.
“De certa forma, essa é a receita para criar uma potência de fragrâncias: entender o que as pessoas procuram, ter a habilidade técnica para brincar com ingredientes, incluindo overdoses e novos álcoois, e inovar continuamente”, afirma Nabi.
Lançada quase 120 anos após a sua fundação, Infiniment Coty Paris, a mais nova marca de perfumes de luxo da companhia, que leva o seu nome, faz a ponte entre o passado e os grandes avanços resultantes das pesquisas realizadas pela empresa.
“A coleção, composta por 14 fragrâncias, traz inovações no design das embalagens e na composição olfativa, alinhando-se às expectativas dos consumidores modernos, que valorizam o minimalismo e a sustentabilidade”, destaca Nabi.
Na base da criação está uma tecnologia denominada aura molecular, que permite modificar a evaporação natural das matérias-primas e assim manter, por até trinta horas, uma fidelidade maior ao caráter do perfume. Agindo como um ímã, a aura molecular reduz a velocidade com que certas notas desaparecem e, inversamente, acentua outras.
A linha também foi formulada com etanol proveniente de carbono reciclado, resultado de uma parceria com a startup americana LanzaTech. A iniciativa faz parte do compromisso da Coty com o desenvolvimento sustentável, e a expectativa é que, em dois anos, a maioria de seus perfumes utilize esse novo álcool, seja de forma parcial ou exclusiva. Recentemente, a empresa reduziu suas emissões de Escopo 1 e 2 em 82% desde 2019, superando as metas estabelecidas para 2030.
“Isso é fruto de pesquisa e desenvolvimento, mas também de ouvir os consumidores, que não querem gastar dinheiro em promessas de marketing, mas em produtos que entreguem resultados baseados em dados concretos. O mercado de beleza está cada vez mais orientado pela ciência”, afirma a CEO.
A especialista também aponta a inclusão como uma tendência crescente no setor, refletida na marca Infiniment Coty Paris. “Muitas pessoas na indústria de nicho acreditam que seu trabalho é criar algo para um público restrito. Nossa proposta foi oferecer um produto de qualidade para qualquer pessoa. A chave foi criar uma linha baseada em emoções, que são universais e atemporais.”
Foi da própria executiva a ideia de trazer Jane Fonda, aos 68 anos, como rosto de uma linha de cosméticos e, 20 anos após Niky Taylor ter sido embaixadora da CoverGirl, contratá-la novamente para representar a marca. Seguindo o mesmo conceito, ela criou a campanha 'Undefined beauty' (Beleza indefinida, na tradução), na qual escreveu uma carta aberta às principais editoras de dicionários, destacando a natureza desatualizada das definições de beleza.
A ação busca ‘indefinir’ a palavra, em vez de simplesmente ‘redefinir’, segundo Nabi, para que ninguém se sinta excluído pela definição ou pelos exemplos que a acompanham.
“A beleza deve ser acessível a todos, independentemente de idade, cor da pele, tipo de corpo, tipo de cabelo, gosto ou gênero. Na Coty, buscamos oferecer produtos que atendam a essa diversidade. Isso é a verdadeira inovação.”
De acordo com o relatório de sustentabilidade do ano fiscal de 2024, a multinacional atingiu o equilíbrio de gênero em cargos de liderança antes da meta estabelecida para 2025. Além disso, as mulheres representam a maioria dos criadores de patentes nomeados pela empresa.
Presente no Brasil desde 1995, o Grupo Coty opera no país por meio das empresas Coty e Savoy, com cerca de 2,3 mil funcionários em quatro unidades localizadas em São Paulo e Goiás, onde estão a maior fábrica e o maior centro de distribuição da companhia no mundo.
Terceiro maior mercado global de produtos de higiene pessoal, perfumaria e cosméticos, atrás dos Estados Unidos e da China, o Brasil — que somou R$ 156,5 bilhões em 2023 em vendas, segundo a Euromonitor International — é visto pela gigante da beleza como um centro de excelência, especialmente para peles ricas em melanina. De acordo com a CEO, nos últimos dois anos, a companhia investiu fortemente em pesquisa e desenvolvimento no país.
A Coty mantém um centro de P&D em Barueri (SP), dedicado a estudar os hábitos de beleza dos brasileiros de todas as idades, gêneros e tons de pele. No local, são realizadas mais de 20 mil pesquisas com consumidores por ano sobre o uso de produtos, preferências e insatisfações dos consumidores, além de investigar questões relacionadas à pigmentação.
“O objetivo é desenvolver formulações mais acessíveis, mas com ingredientes de alta qualidade, de grau médico”, afirma Nabi, que também destaca o Brasil como centro de excelência em fragrâncias corporais. “Um exemplo disso é a nossa marca Paixão, líder no segmento”, complementa.
Por aqui, o destaque vai para canais como venda direta, door-to-door e franchising, nos quais marcas como Natura, O Boticário e Avon têm forte presença. Desde março do ano passado, no entanto, a Coty identificou uma oportunidade de expandir seu portfólio de 'lifestyle' em supermercados, perfumarias e farmácias, seguindo modelos internacionais como Walgreens e CVS. Hoje, está presente em cerca de 170 mil pontos de venda.
A Associação Brasileira da Indústria de Higiene Pessoal, Perfumaria e Cosméticos (ABIHPEC) indica que o Brasil é o segundo maior mercado global de perfumes, com 78% da população consumindo produtos desse segmento. A previsão é de crescimento de 6,2% até 2027.
“As áreas-chave da empresa, fragrâncias e cuidados com a pele — especialmente para hiperpigmentação — são impulsionadas pela P&D brasileira com alcance global, visando o lançamento de produtos em locais como Estados Unidos, Oriente Médio, Índia e Europa. O que estamos desenvolvendo e aprendendo no Brasil é essencial para a expansão da empresa em mercados internacionais”, finaliza Nabi.