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Com ouro de Ítalo, o bilionário negócio do surfe segue rumo ao ápice

No Brasil, dados apontam que o esporte movimenta R$ 7 bilhões por ano

Surfistas têm salários milionários e marcas lucram mesmo com a pandemia. (Lisi Niesner/Reuters)

Surfistas têm salários milionários e marcas lucram mesmo com a pandemia. (Lisi Niesner/Reuters)

KS

Karina Souza

Publicado em 27 de julho de 2021 às 06h42.

Última atualização em 27 de julho de 2021 às 12h06.

A medalha de ouro de Ítalo Ferreira no surfe nesta Olimpíada traz, além do doce sabor da vitória, a perspectiva de ainda mais atenção para um esporte que movimenta cifras bilionárias. Mais precisamente, R$ 7 bilhões ao ano, segundo estimativas do Instituto Brasileiro de Surf (Ibrasurfe). O valor compreende gastos com roupas, pranchas e acessórios.

As cifras refletem o potencial de um setor com muitos interessados. Em 2019, uma pesquisa do Ibope Repucom mostrou que o país tem 54 milhões de pessoas acima dos 18 anos interessadas no estilo de vida do surfe, além de 25 milhões de fãs do esporte, como apontou coluna publicada pela Exame. Antes da pandemia, a Liga Mundial de Surf (WSL) contava três milhões de praticantes do esporte, sendo 150 mil deles moradores da capital paulista. 

O Brasil parece ter o combo perfeito para o sucesso da modalidade: praias extensas, o custo relativamente baixo para a prática, bons atletas e grandes chances de profissionalização da carreira. Os fatores produziram pelo menos quatro atletas da modalidade, com alguns nomes conhecidos pelo público em geral.

Não é a toa que o país conta com uma geração conhecida como "brazilian storm". Em 2011, na edição do Circuito Mundial de Surf (WCT), sete surfistas brasileiros ganharam quatro das onze etapas, além de quatro pódios. Nos dois anos seguintes, foram três finais consecutivas. Em 2014, Medina conquista seu primeiro mundial, seguido por Adriano de Souza em 2015 e uma nova conquista em 2018. Ítalo Ferreira completou a sequência em 2019.

Entre 2015 e 2019, o aproveitamento foi de quase 50%. Das 66 etapas disputadas, o Brasil venceu 30. Em 2019, foram seis vitórias e dez pódios de brasileiros -- além de ser o país com maior número de representantes. No mesmo ano a WSL abriu um escritório em São Paulo, mirando o crescimento exponencial da categoria no país, dado que 30% da audiência nas plataformas no mundo é de brasileiros.

Alexandre Zeni, presidente do Ibrasurf, analisa que o surf no Brasil é consumido muito mais por simpatizantes do que por praticantes, mas aponta para uma possível inversão de cenário. "O número de praticantes no país cresceu muito com a pandemia. Com o êxodo observado durante a quarentena, com mais pessoas saindo das cidades e indo para o litoral, as escolas de surf se fortaleceram e viram o número de alunos multiplicar. A tendência é que, com as Olimpíadas, este número aumente ainda mais."

Tanto potencial faz com que até mesmo marcas que não têm seus negócios diretamente ligados ao surfe visualizem no esporte uma alternativa importante de patrocínio. Mais atletas, mais vitórias e mais visibilidade. É o caso da Localiza, por exemplo, que ingressou no esporte pela primeira vez em 2021.

"É a chance de mostrarmos que todas essas associações positivas estão ao alcance de quem se aventura em busca da praia ou da onda perfeita, basta escolher o seu destino e contar com a Localiza para te ajudar a chegar lá. Somos apaixonados pelos caminhos que nos levam a lugares incríveis. E o Surf é, sem dúvida, o esporte perfeito para quem se sente como nós”, diz Antonio Augusto, Diretor de Marketing da Localiza, em nota.

A nova campanha do Bradesco, que traz o atleta Gabriel Medina, também usa o surfe para mostrar a importância de ter protagonismo na própria vida. Outra empresa que decidiu se associar ao atleta recentemente é a EspaçoLaser, que aproveita o amplo conhecimento do atleta nacionalmente para reforçar a própria marca.

"O mercado do surf sempre foi muito ligado ao público jovem, e hoje vemos que a modalidade é uma grande ferramenta de comunicação com este público. Grandes marcas que patrocinam o esporte são não endêmicas, ou seja, fora do surf -- do setor de eletrônicos, telefonia, bancos -- que buscam, através dos atletas, influenciar os mais jovens, que simpatizam com esse estilo de vida", afirma Zeni.

Mesmo com uma lista grande de patrocinadores, Medina, que é referência quando o assunto é marketing esportivo, conta com apenas uma marca em sua prancha durante as Olimpíadas. Com regras mais duras impostas pelo Comitê Olímpico Internacional (COI), o atleta brasileiro não pode exibir o patrocínio no equipamento. O único segmento liberado é o de fornecedores de material esportivo, que no caso de Gabriel é o seu parceiro de longa data Johnny Cabianca, criador de suas pranchas há mais de uma década.

Se para quem já é de fora do segmento há a chance de aproveitar ganhos financeiros, para quem trabalha diretamente com o esporte é impossível ignorar os milhões que o surfe movimenta. No cenário nacional, a Mormaii, um dos principais nomes do setor, cresceu 300% em 2020 com a adaptação para o mundo digital e presença em marketplaces como Amazon e Magazine Luiza.

Já em outros países, a paixão pelo surfe fez com que duas gigantes dio setor, Rip Curl e Hurley, trocassem de donos com transações que ganharam os holofotes pelos montantes que trouxeram consigo. Ambas foram realizadas em 2019.

No caso da Rip Curl, uma das líderes no segmento, a transação envolveu um bilhão de dólares na passagem dos fundadores --  Brian Singer e Doug Warbrick -- à gigante de esportes de aventura Kathmandu. 

A transação parece ter valido a pena, já que, no início do ano, a dona da marca de surfe afirmou que as vendas tiveram alta, enquanto outros produtos, como itens de inverno, amargaram baixa nas vendas com a falta de viagens causada pela covid-19.

No caso da Hurley, a transação também esteve longe da modéstia. A Nike, que era dona da empresa desde 2001 -- época em que adquiriu a empresa por US$ 95 milhões -- se desfez dela em 2019. Os valores da transação não foram divulgados, mas estimava-se que a Hurley produzisse um faturamento anual de US$ 70 milhões quando foi vendida à Bluestar Alliance.

Quanto ganha um surfista profissional?

Saindo das marcas e voltando os olhos para os atletas, também não é difícil entender por que o esporte movimenta tanto dinheiro. Para ter uma ideia, dados de 2018 da revista Stab -- considerada “a bíblia do surfe -- mostraram que Gabriel Medina tinha um salário anual de US$ 3,05 milhões. Naquele ano, o surfista também ganhou US$ 473 mil em prêmios. Ele ficou em segundo lugar no ranking entre os 10 mais bem pagos daquele ano.

No mesmo ranking, outro brasileiro ficou em quinto lugar: Filipe Toledo. Com salário anual de US$ 2,1 milhões, ele ainda levou US$ 388 mil em premiações. Ainda segundo o ranking, no “Top 10” surfistas profissionais, o menor salário era o do havaiano Kai Lenny, com US$ 1 milhão por ano e US$ 18 mil em premiações conquistadas na data.

Na World Surf League (WSL), Medina e Ítalo ganham mais de 70 mil dólares a cada etapa vencida, segundo dados da atual temporada, o equivalente a quase 365 mil reais.

Mesmo com as cifras milionárias, a disparidade de gênero também afeta o esporte -- e a corda, é claro, arrebenta para o lado das mulheres. Para ter uma ideia, a paridade salarial foi estabelecida pela Liga Mundial do Surfe somente em 2019, sendo a primeira liga global a estabelecer uma política desse tipo.

Em entrevista à Vogue, a atleta Maya Gabeira comenta o cenário feminino.  “Ainda falta bastante para chegarmos no lugar ideal, porque o surfe feminino no Brasil ainda tem pouco incentivo e estrutura. Comparando com Austrália e EUA, ainda estamos muito atrás. Vai ser interessante ver o surfe nas Olimpíadas, acho que vai popularizar o esporte ainda mais. Espero que tenhamos mais investimento nos atletas, principalmente de base, amadores”. 

Neste contexto, o sucesso olímpico é mais uma oportunidade para o surfe seguir cada vez mais relevante -- e mais inclusivo. 

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