Colheita de café gourmet em risco por falta de mão de obra
Com a pandemia do novo coronavírus, consumidores ainda tomam café em casa, mas normalmente marcas mais comuns e café instantâneo
Guilherme Dearo
Publicado em 16 de junho de 2020 às 13h01.
Última atualização em 16 de junho de 2020 às 16h34.
Com a Covid-19, cultivar café agora é cada vez menos rentável para Adan Rojas. Como milhares de pequenos agricultores colombianos, a pandemia obrigou-o a recorrer a pessoas desempregadas para colher os grãos, pois as restrições de viagens impossibilitaram a vinda de catadores sazonais experientes.
Os novatos podem colher sem problemas o café comum. Mas seus cerca de 7 hectares espalhados no sopé dos Andes dependem de mercados especializados para grande parte dos ganhos, e o grão usado em lattes de US$ 4 em Nova York tem uma janela de colheita muito menor. Sem acesso a profissionais capazes de colher cinco vezes mais rápido, os frutos que envolvem os grãos amadureceram e caíram dos pés de café.
“Você ainda pode vender esse café, mas, quando cai no solo, está contaminado”, disse Rojas, que espera fechar a temporada em ponto de equilíbrio. “Não há como vendê-lo como especial.”
A falta de mão de obra qualificada é mais um obstáculo em tempos de pandemia para cafeicultores como Rojas. Com muitos cafés e restaurantes ainda fechados, a Starbucks vende menos lattes. Os contratos futuros do grão arábica acumulam baixa de 26% neste ano, eliminando a diferença com o robusta. Consumidores ainda tomam café em casa, mas normalmente marcas mais comuns e café instantâneo.
Os alarmes sobre a mão de obra também soam na América Central, onde as colheitas dependem de trabalhadores migrantes. A desvalorização cambial ajuda a amortecer o impacto para agricultores da região, mas o dólar subiu ainda mais em relação ao real, tornando o Brasil mais competitivo. Além disso, como o setor é mais mecanizado no país, cafecultores brasileiros também estão menos expostos a problemas de mão de obra.
Embora o uso de trabalhadores locais tenha ajudado pequenos agricultores a lidar com as quarentenas regionais e manter a produção, há alguns sinais preocupantes.
Usar amigos e vizinhos como catadores não funcionará quando grandes cafeicultores começarem a principal colheita da Colômbia em setembro: simplesmente não há mão de obra local suficiente para fazer o trabalho.
O setor conta com um abrandamento das restrições para permitir a vinda de trabalhadores sazonais. Porém, a entrada de mais pessoas de fora aumenta o risco de espalhar a doença em áreas que até agora controlaram o surto muito melhor do que grandes cidades.
“Estou muito preocupado com o impacto na colheita no segundo semestre”, disse Oscar Gutierrez Reyes, responsável pela associação Dignidade Agrícola Colombiana, que defende melhores preços para agricultores. “Apesar de estarmos afrouxando restrições, ainda não sabemos quando será o pico o vírus na Colômbia. É uma situação incrivelmente complexa para agricultores.”
Embora as supersafras de café do Brasil tenham resultado em ampla oferta, as exportações da Colômbia, Guatemala, El Salvador, Costa Rica e Honduras caíram em meio à menor demanda e atrasos logísticos.
Como os casos crescentes de Covid-19 em países mais pobres ameaçam as colheitas, a perspectiva de interrupções no fornecimento preocupa. A Olam International, uma das maiores tradings de café do mundo, criou um fundo para ajudar alguns de seus fornecedores a enfrentar a crise.
“Queremos garantir a manutenção das cadeias de suprimentos para que a colheita dos grãos aconteça o mais rápido possível, sem espalhar o vírus”, disse Vivek Verma, responsável pela divisão de café da Olam, em entrevista por telefone de Cingapura. “Os preços do café caíram tanto que muitas comunidades agrícolas já estão de joelhos. E, além disso, com a Covid, eles temem por sua saúde.”
Com a colaboração de Andrea Jaramillo, Dominic Carey, Isis Almeida, Fred Ojambo, David Malingha e Millie Munshi.