O povo Yanomami pede socorro (Claudia Andujar: fotos sobre o povo yanomami) (Claudia Andujar/Divulgação)
EFE
Publicado em 3 de fevereiro de 2020 às 12h50.
Paris - A fotógrafa brasileira Claudia Andujar divulgou, na década de 1970, a luta dos yanomami durante a ditadura militar e, meio século depois, a partir desta quinta-feira, expõe em Paris a maior retrospectiva de sua obra para também denunciar que a ameaça contra esse povo indígena aumentou com a chegada ao poder de Jair Bolsonaro.
"Ajude-nos a divulgar ao mundo inteiro que eles vieram para nos matar", disse na capital francesa o xamã Davi Kopenawa, porta-voz yanomami, ao apresentar mais de 300 imagens desta pioneira da fotografia sobre os povos amazônicos.
A Fundação Cartier, palco da exposição em Paris antes de ela excursionar por tália, Suíça e Espanha, a considera "a maior retrospectiva já dedicada" a Andujar, que aos 88 anos de idade, debilitada fisicamente, mal apareceu no local onde seus trabalhos estão em cartaz.
Inicialmente concebida como uma homenagem ao trabalho artístico de Andujar, a exposição tornou-se um novo grito de ajuda de um povo que sente a ameaça das políticas de Bolsonaro e a crescente pressão dos caçadores e garimpeiros em suas terras.
No primeiro dia da exposição, Kopenawa disse que a luta yanomami não poderia encontrar uma embaixadora melhor do que Andujar.
"Ela é como uma mãe para nós", disse o xamã, que conheceu a fotógrafa nos anos 70 e contou que foi a disposição dela que os ensinou a se defenderem contra as agressões.
"Me ensinou a lutar e defender meu povo, minha terra, minha língua, meus costumes, festas, danças, canções e xamanismo", disse o indígena, que acredita que essa luta se tornou mais uma vez atual.
Kopenawa não hesitou em considerar o presidente Bolsonaro "um homem doente que acredita que há muita terra para poucos índios" e o acusou de querer "roubar" o território que eles conseguiram reconhecer nos anos 90, em parte graças à sensibilização gerada pelas fotos de Andujar.
O atual governo, segundo o porta-voz dos yanomami, está permitindo que caçadores e garimpeiros atraídos pela valorização do ouro se desloquem livremente pelo território que seu povo precisa para continuar as atividades de caçadores-coletores.
"A vida de um povo indígena está sujeita ao preço de um metal", denunciou o antropólogo Bruce Albert, especialista em povos da Amazônia e colaborador da exposição.
Para ele, os yanomami estão agora "mais ameaçados" do que durante o período da ditadura, porque Bolsonaro "não tem os escrúpulos que a pressão internacional impunha aos militares".
A retrospectiva exposta em Paris é "tanto estética quanto política" para Albert, que considera que a mostra "adquire uma atualidade dramática".
Andujar (nascida Claudine Haas) nasceu na Suíça e morou na infância na cidade de Oradea, na atual Romênia, onde nazistas prenderam seu pai, judeu, e o deportaram para o campo de concentração de Dachau, do qual ele não saiu.
Após a Segunda Guerra, em 1948, e a convite do tio paterno, Claudia se mudou para Nova York, onde estudou arte e conheceu um refugiado espanhol com quem se casou e cujo sobrenome mantém até hoje, mesmo após terem se divorciado, nos anos 50.
Em 1955, Claudia chegou a São Paulo, onde já morava sua mãe, e se tornou uma fotógrafa de sucesso, com trabalhos para publicações brasileiras e estrangeiras, como "Realidade", "Life", "Look" e "The New York Times".
Nos anos 70, sua vida deu uma guinada quando ela entrou em contato com o povo yanomami e decidiu dedicar seu trabalho a ele. Primeiro, com uma atitude puramente artística e antropológica, experimentando novas técnicas, como o uso de filmes infravermelhos, de flashes e a aplicação de vaselina na lente da câmera, além da sobreposição de planos para captar os ritos xamânicos dos yanomami.
Mas, em meados dos anos 70, quando o governo brasileiro decidiu construir a rodovia BR-210, conhecida também como Perimetral Norte, que atravessou o território yanomami e abriu uma porta para doenças contra as quais as agências federais não tinham defesa, Andujar adotou uma atitude mais combativa.
"Me deu um arco e uma flecha. Não para matar. Eram o arco e a flecha da palavra, da minha boca e da minha voz para defender o meu povo", lembrou Kopenawa. EFE