Chuck Berry vive
Joel Pinheiro da Fonseca Sempre debateremos quando se deu a real origem do rock. Seja qual for a resposta “verdadeira”, parte dessa origem se foi com a morte de Chuck Berry no sábado, 18 de março. Uma coisa podemos afirmar com certeza: música que recebia o nome de “rock n’ roll” era feita por músicos […]
Da Redação
Publicado em 25 de março de 2017 às 07h39.
Última atualização em 22 de junho de 2017 às 18h06.
Joel Pinheiro da Fonseca
Sempre debateremos quando se deu a real origem do rock. Seja qual for a resposta “verdadeira”, parte dessa origem se foi com a morte de Chuck Berry no sábado, 18 de março. Uma coisa podemos afirmar com certeza: música que recebia o nome de “rock n’ roll” era feita por músicos negros americanos desde fins dos anos 40. Era, contudo, basicamente indistinto do rythm n’ blues e não tinha as características que hoje associamos a ele. Tratava-se basicamente de um blues mais dançante.
Quem injetou nisso uma carga renovada de tensão e rebeldia foram jovens brancos caipiras, também do Sul dos Estados Unidos, fortemente influenciados pelo country e pelo gospel. Foi daí que veio, por exemplo, o uso da guitarra elétrica como peça central do estilo. Chuck Berry, como sabemos, era negro. Mas sua influência na música foi justamente como um dos principais nomes dessa leva já mais branca do rock n’ roll. Seu primeiro hit, Maybellene, era uma versão de um country antigo, transformado num legítimo rockabilly. Isso foi em 1955; Elvis gravou seus primeiros hits em 1954. Chuck Berry estava ali participando da mesma onda. E sua música, especialmente por seu estilo de tocar, colocou a guitarra no lugar central do rock para nunca mais sair (você consegue imaginar o rock sem a guitarra?).
Chuck Berry era um artista que anulava fronteiras raciais. Negro retinto que cantava música caipira e que com seu hit Johnny B. Goode criou, para jovens de todas as cores, o mito central do rock: o menino pobre que, graças a sua guitarra, ascende ao estrelato. Foi também, a propósito, o primeiro dos rockeiros dessa primeira geração a cantar principalmente músicas que ele próprio escrevia. Selou o cantor-compositor como o normal do meio (ao contrário, por exemplo, de Elvis, que no máximo ajudou a compor uma ou outra canção). Ou seja, abriu uma avenida por onde passariam grandes nomes da música.
Sua enorme pulsão vital caracterizou essa primeira fase do estilo.Como diz a letra deJohnny B. Goode, “he could play a guitar just like a-ringing a bell”. Suas melodias e riffs mais famosos seguem sendo a primeira referência quando falamos em rock n’ roll. Como letrista, era dado a criações engenhosas, como na inesquecível “Memphis, Tennessee”, canção que transcorre como se fosse uma história clichê de um homem atrás de uma ex-namorada e acaba se revelando, nas últimas linhas, algo totalmente diferente e mais enternecedor. Seus temas eram os temas da época: ser jovem, se apaixonar, dançar, os Estados Unidos, o próprio rock n’ roll. Ao cantá-los, basicamente criou a sensibilidade de uma geração otimista e segura de si. Canções como School Day, que como tantas outras era voltada a um público infanto-juvenil, tornaram-se um verdadeiro hino ao poder do rock de tirar o menino comum do tédio e das imposições do dia-a-dia e levá-lo a um reino de celebração anárquica.
Se não confrontou de frente o conflito racial e a segregação que vivenciava – e sua condenação na justiça por transportar uma branca para além das fronteiras do estado era um claro produto de um meio institucional e legal racista – conseguiu colocar a questão de forma oblíqua, mais uma vez revelando seu talento de compositor. É o caso de Brown-Eyed Handsome Man, que canta loas aos homens de olhos castanhos, se referindo de maneira bastante óbvia a homens de pele marrom (“Arrested on charges of unemployment…” começa a música). É o caso também de Promised Land, uma composição já dos anos 60, em que o eu-lírico percorre o mesmo itinerário das Freedom Rides, manifestações que varreram o Sul contra a segregação.
Há artistas que seguem se renovando por toda a sua carreira. Outros que, graças a Deus, se mantêm naquilo que já sabem fazer. Chuck Berry pertenceu claramente ao segundo tipo. Dos anos 50 até 2017, seguiu tocando as mesmas músicas, no mesmo estilo; e virou, para alguns, uma figura algo anacrônica. Recebi, com surpresa, no fim do ano passado, a notícia que ele estava preparando um álbum de estúdio com inéditas. Se a obra recente de Jerry Lee Lewis, outro dos grandes da primeira geração que segue firme na carreira, for algum indicativo, Chuck Berry ainda teria muito a contribuir. Espero que esse álbum, ainda que inacabado, algum dia veja a luz. O fato é que, enquanto o rock não morrer (e ele anda, é verdade, meio mal das pernas), suas músicas ainda povoarão nosso inconsciente. E Chuck Berry continuará muito vivo. “Go go
Go Johnny go
Go
Go Johnny go
Go
Go Johnny go
Go
Go Johnny go
Go
Johnny B. Goode”