Caetano Veloso: "de minha parte, não desejo nem preciso de controle sobre as biografias por parte dos biografados", declarou o músico (Kevin Winter/Getty Images/AFP)
Da Redação
Publicado em 28 de janeiro de 2014 às 08h49.
O tempo, que Caetano Veloso diz ser um dos deuses mais lindos, trabalha aos poucos. Mais de um ano depois de o baiano lançar Abraçaço, que fechou uma proposta de som relaxada e crua, iniciada com Cê e seguida com Zii e Zie, recoloca-se em cena com a versão ao vivo do álbum do abraço, em CD e DVD.
Pode ser o mesmo homem de olhar fixo e movimentos curtos, delimitados no palco por um pedestal à sua frente e três músicos ao redor, pode não ser. "A gente vai mudando sempre", diz ele, ou melhor, escreve, por e-mail, na primeira vez em que irá se manifestar sobre o assunto biografias não autorizadas fora da coluna semanal que assina no jornal O Globo.
São mais de sete meses desde que uma das maiores crises da música brasileira envolveram a classe artística, biógrafos, editores de livros, pesquisadores e críticos.
Ao saberem que o Supremo Tribunal Federal estava prestes a julgar uma ação proposta pelo Sindicato Nacional dos Editores de Livros para a alteração da chamada lei das biografias, liberando os lançamentos de autorização prévia dos biografados ou de seus herdeiros, os artistas que já estavam associados em um grupo chamado Procure Saber se manifestaram para que a lei não sofresse alteração.
Foi o estopim de um embate intelectual que durou meses. Caetano, Gilberto Gil, Roberto Carlos, Erasmo Carlos, Djavan e Chico Buarque estavam na associação que tinha Paula Lavigne, empresária e ex-mulher de Caetano, como presidente. Os biógrafos acusaram o grupo de trabalharem contra a liberdade de expressão e os artistas se defenderam, alegando direito à privacidade.
As reações na sociedade foram fortes e o STF se sensibilizou, realizando uma audiência pública antes de votar a questão. Nos bastidores, a vitória da ação dos editores é dada como certa, ao mesmo tempo em que o Congresso Nacional aguarda a votação de um projeto de lei sobre o mesmo tema, que também deve fazer alterações liberando as biografias de autorizações.
As perguntas enviadas a Caetano sobre o tema biografias eram três, e assim foram respondidas: 1. Caetano, você acredita que houve muito desgaste dos artistas com as discussões acerca do Procure Saber no ano passado? "Não muito. São temas setoriais, que não vão tão fundo em mim." 2. Sua posição com relação ao assunto biografias não autorizadas segue a mesma? Em breve o STF deve colocar o tema em julgamento. "A mesma qual? Sempre fui pela liberação total das biografias. Quando meus amigos queridos se mostraram contra, procurei entender o que eles diziam e explicar um pouco a quem me lesse no Globo. Mas, como se pode ver lá, não mudei muito o essencial do que pensava. De todo modo, gostei de fazer contraponto ao rolo compressor da imprensa. Não me preocupei muito. Como já disse, esses assuntos não são muito meus." 3. Acredita ser possível termos um meio termo aceitável nesse processo, algo que proteja os artistas de invasões de privacidade e possíveis mentiras ao mesmo tempo em que garanta a publicação de uma biografia sem autorização prévia? "Sempre pode haver bom senso. Mas, de minha parte, não desejo nem preciso de controle sobre as biografias por parte dos biografados."
Ainda que Caetano tenha defendido suas posturas em suas colunas, não havia sido tão direto como nesta última frase. Agora, ficou mais claro.
Diante de uma questão anterior, que rondava as polêmicas sobre as biografias sem entrar nelas diretamente, Caetano devolveu no mesmo tom impreciso: Caetano, parece que dez anos separam o disco (Abraçaço) de estúdio do ao vivo. Digo isso pela intensidade de emoções que acredito ter vivido no último ano. Você ainda é o mesmo Caetano que aparece no disco? O que mudou? "A gente vai mudando sempre. Às vezes há fases de transformações mais nítidas. Não creio que tenha sido tanto assim agora. Talvez, mas não estou certo. Você viveu muitas emoções fortes? Não entendi direito. Eu próprio vi mudanças importantes, como a morte de minha mãe. Também houve eventos sociais marcantes, como as manifestações de junho. Não sei do que exatamente você está falando."
Caetano está em férias na Bahia, onde diz não pensar em projetos novos: O que vem por aí agora, Caetano? Já há um projeto em construção? "Nada de novos projetos. E ainda tenho muito que fazer Abraçaço em outros países."
Foi seu amigo Chico Buarque quem levantou a bola da crise da canção, do rompimento dos autores com o formato tradicional de letra, harmonia e melodia.
Quando Abraçaço saiu, com bases obscuras e sujeira indie, a questão se fez novamente atual: afinal, há um esgotamento do velho formato da canção? E voltar a ele depois de Abraçaço não soará um retrocesso? "Você acha que Abraçaço não é um álbum de canções? Eu acho que é. E suponho que farei canções sempre, mesmo que faça algo diferente disso também, como fiz em Araçá Azul."
O formato do disco ao vivo suscita outra discussão. Eles seriam necessários aos artistas ou atenderiam uma demanda ainda imposta por gravadoras? Por trazerem muito do material que já foi mostrado, seria um produto artístico menor? Caetano: "Nunca achei que fossem desnecessários. O núcleo do material foi mostrado em disco de estúdio (nem sempre: em Livro fiz de Fina Estampa um ao vivo em que não havia nenhuma das canções gravadas em estúdio), mas o jeito de cantar e tocar é diferente. E há a interação entre o repertório novo e canções de outros tempos e, às vezes, de outros autores."
Caetano só não respondeu uma questão enviada pela reportagem: Caetano, talvez Triste seja, de fato, a música mais triste que você tenha feito. Você é um homem triste? As informações são do jornal O Estado de S. Paulo.