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Bistrôs da França fecham, em um frenesi de doação de queijo e patê

O que fazer quando é preciso esvaziar a geladeira com 20 mil euros em queijo chévre, boeuf bourguignon, patês e outras iguarias?

Xavier Denamur, dono do bistrô L'etoile Manquant: luta para não desperdiçar alimentos (Dmitry Kostyukov/The New York Times)

Xavier Denamur, dono do bistrô L'etoile Manquant: luta para não desperdiçar alimentos (Dmitry Kostyukov/The New York Times)

Guilherme Dearo

Guilherme Dearo

Publicado em 3 de abril de 2020 às 10h22.

Paris – Xavier Denamur está acostumado a correr entre os cinco bistrôs populares que possui no bairro do Marais, no centro de Paris, gerenciando uma equipe de cerca de 70 garçons e chefs, e mantendo o controle sobre os clientes que lotam suas mesas durante todo o ano.

Mas, recentemente, Denamur, de 57 anos, tentava lidar com uma situação que, segundo ele, se assemelhava a condições de guerra: supervisionar o fechamento abrupto de seus negócios, quando o presidente Emmanuel Macron se preparava para colocar a França em quarentena.

À meia-noite, Denamur teria de esvaziar suas geladeiras de quase 20 mil euros em queijo chévre, boeuf bourguignon, patês e outras iguarias que estragariam quando a quarentena terminasse, e agora teriam de ser doadas.

"Sabíamos que provavelmente haveria o fechamento, mas não achei que as coisas fossem acontecer tão rápido", disse, com dois celulares na orelha enquanto ele e um grupo de funcionários corriam para esvaziar geladeiras e limpar os bistrôs antes que estes fechassem indefinidamente.

Enquanto governos de todo o mundo fechavam cidades e fronteiras em uma corrida contra a epidemia do coronavírus, Denamur estava entre os milhares de empresários tentando gerenciar o caos e ajudar seus funcionários, tentando ao mesmo tempo calcular como se manter.

Em frente a seu principal bistrô, Les Philosophes, a Rue Vieille-du-Temple, normalmente entupida de tráfego, estava vazia sob o céu encoberto, exceto por algumas pessoas com malas correndo para pegar trens ou táxis para fugir de Paris. Macron anunciou um bloqueio de 15 dias, quando as pessoas só poderão sair de casa em situações "essenciais".

"É uma situação catastrófica. Preciso ter certeza de que tudo foi providenciado", afirmou Denamur, inspecionando o interior fantasmagórico de Les Philosophes, onde cadeiras e mesas redondas com tampo de mármore, que normalmente ficam na calçada, estavam empilhadas.

Cenas semelhantes de frenesi se desenrolaram em toda a França em restaurantes, lojas e todos os tipos de comércio depois que o governo ordenou que os negócios não essenciais fechassem até segunda ordem.

Os gigantes corporativos da França já tomavam providências antes do anúncio de Macron. Grandes empregadoras, incluindo as montadoras Renault e PSA Peugeot Citroën, bem como a fabricante de pneus Michelin, anunciaram que interromperiam operações nas fábricas francesas. A Air France disse que colocaria todos os seus empregados trabalhando em meio período por seis meses.

Se a perspectiva de uma paralisação prolongada assusta as empresas, ela é especialmente assustadora para empregadores menores como Denamur, que têm pouco tempo para se preparar para perdas potencialmente grandes e garantir que os trabalhadores não sejam deixados em situações precárias, pois são forçados a ficar em casa.

"Teria sido mais inteligente nos avisar antes", observou Denamur, que tinha acabado de estocar queijos, carne e legumes, dos quais teve de se livrar e contabilizar como perda.

Para minimizar o desperdício, ele pediu que seus empregados viessem buscar a comida que pudessem. Os moradores do bairro fizeram fila enquanto ele doava o resto.

Funcionários do  Les Philosophes, em Paris

Funcionários do Les Philosophes, em Paris (Dmitry Kostyukov/The New York Times)

Xavier Denamur, dono do bistrô L'etoile Manquant

Xavier Denamur, dono do bistrô L'etoile Manquant (Dmitry Kostyukov/The New York Times)

Enquanto a quarentena estava marcada para duas semanas, Denamur disse que a situação era tão incerta que não contava com a reabertura antes de junho. "O queijo Roquefort pode durar todo esse tempo, mas o resto da nossa comida, não", afirmou ele, acrescentando que havia ligado para seus fornecedores para cancelar todos os pedidos até segunda ordem.

Macron disse que faria o que fosse preciso para apoiar os trabalhadores e especialmente as pequenas e médias empresas que formam a espinha dorsal da economia. "Nenhuma empresa francesa será exposta ao risco de colapso", garantiu ele.

Ele anunciou 300 bilhões de euros em garantias estatais para empréstimos a empresas, isenções fiscais e suspensão de aluguéis e contas de luz para pequenos negócios em dificuldades. O Estado pagará às empresas para manter funcionários parcialmente empregados, para não inchar as fileiras de desempregados num momento em que a Europa vive a perspectiva de uma recessão.

As promessas fazem parte de uma luta ordenada dos países da União Europeia para evitar danos à economia à medida que as empresas se fecham a taxas alarmantes. A Comissão Europeia e os governos revelaram medidas de apoio fiscal no valor de quase um trilhão de euros ao todo.

Mas as garantias soaram vazias na segunda-feira, quando Denamur avaliava o futuro de seu negócio. A partir da meia-noite de sábado, seus empregados foram colocados em desemprego temporário, com apenas quatro horas de aviso prévio após o decreto do governo.

Denamur, que adquiriu seu primeiro restaurante na rua, Le Petit Fer au Cheval, há 30 anos, estava na região de Lot-et-Garonne, no sul da França, onde compra verduras, legumes, queijos e carnes, quando ouviu a notícia. Ele logo tomou um trem para Paris.

Muitos de seus empregados trabalham nos bistrôs há anos. Denamur garantiu que continuaria a pagar o salário deles, algo que, segundo seus cálculos, poderia ser feito por cerca de dois meses. Ele os encorajou a tirar férias remuneradas primeiro, depois das quais seriam elegíveis para o desemprego técnico, que paga o equivalente ao salário mínimo da França.

Apesar da promessa do governo de apoiar os empregadores, Denamur disse que não estava claro como ou quando poderia obter a ajuda financeira prometida.

"O governo diz que vai reembolsar as empresas por colocar as pessoas em horários de trabalho reduzidos. Mas meus restaurantes estão fechados – os funcionários não podem trabalhar. O governo precisa ser mais claro. Os trabalhadores precisam ser tranquilizados."

Denamur conseguiu que seu contador e um inspetor apressassem a análise de sua situação financeira.

Ele levantou um alçapão de metal e desceu até o porão para inspecionar uma geladeira. Milhares de euros em queijo chèvre tinham acabado de ser entregues, enquanto o leite, o patê de porco e o presunto espanhol expirariam em dois dias. Os queijos comté, do tamanho de rodas de carro, também não sobreviveriam a uma quarentena.

Tudo isso, de repente, virou dinheiro perdido, e teria de ser descartado. Denamur havia ligado para a Tout Autour du Pain, uma boulangerie, para ver se a padaria estava disposta a comprar alguma coisa. Benjamin Turquier, o dono, chegou em uma pequena van.

Turquier assa duas mil baguetes por dia, 1.600 das quais vão para restaurantes, disse ele. Quando chegou a ordem para fechar restaurantes, ele perdeu o negócio instantaneamente e não sabe quando vai voltar.

Embora sua padaria possa ficar aberta porque é considerada um negócio essencial, "economicamente, o baque será enorme", afirmou ele.

Ofertas de crédito dificilmente pareciam úteis em um momento como este, acrescentou Turquier. "Foi-nos dito que o governo tem um plano para empréstimos fáceis. Mas eu não aceitaria um empréstimo agora – como isso ajudaria?"

Enquanto ele falava, os funcionários do Denamur chegaram para pegar os alimentos das geladeiras.

"Fiquem longe um do outro, para manter a segurança, por favor!", ele gritou enquanto os funcionários carregavam pacotes de salmão, carnes e caixas de leite e queijo. Na cozinha, dois trabalhadores embalaram boeuf bourguignon e tonéis de batatas pré-fatiadas. "Assim você estará abastecido em casa por muito tempo", disse Denamur.

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