Morteiro e balas decoradas na Síria: artista trabalhava como designer e pintor antes do conflito (Bassam Khabieh/Reuters)
Da Redação
Publicado em 16 de junho de 2014 às 09h34.
Beirute - As bombas passaram a fazer parte do cotidiano do artista rebelde Akram Abul Fuz, que, após anos de conflito em seu país, passou a transformar essa arma de guerra em obras de arte para reivindicar a cultura de uma Síria devastada pelo conflito.
Abul Fuz, de 35 anos, vive junto a sua mulher e seus três filhos em Duma, uma cidade situada no principal reduto insurgente dos arredores de Damasco, a região de Guta Oriental, onde os bombardeios também fazem parte do dia a dia dos habitantes.
"Aqui há disparos e caem muitos projéteis, que são os presentes que o regime nos envia a cada dia para derramar nosso sangue", disse o irônico Abul Fuz em uma conversa com a Agência Efe pela internet, na qual explica que sua casa foi destruída por um incêndio durante um ataque das tropas governamentais.
Diante deste panorama desolador, este rebelde apaixonado pela pintura decidiu criar uma nova forma de arte a partir do "excedente" de foguetes em Guta Oriental.
"Muitos caem e não explodem. Aqui há especialistas (entre os opositores) que os limpam totalmente e tiram o material explosivo que há dentro deles. Assim, eu posso usá-los como suporte", detalhou o artista.
Sobre a superfície dos projéteis, Abul Fuz usa as técnicas de relevo para modelar temas inspirados na arte local e na decoração islâmica, como formas geométricas e vegetais.
Os demais materiais, como as tintas, pinceis e broxas, são os mesmos que ainda restaram dos tempos anteriores ao início do conflito, já que, devido ao cerco militar em torno de Guta Oriental, é praticamente impossível obtê-los.
Com paciência e pulso forte, Abul Fuz trabalha inclinado sobre artefatos fabricados para matar e que, surpreendentemente, acabam se transformando em peças herdeiras da tradição das artes decorativas islâmicas.
A vida deste artista, que antes do conflito trabalhava como designer e pintor de vidros, deu uma reviravolta depois de março de 2011.
Desde então, "trabalhei em qualquer coisa que servisse aos filhos da revolução, como jornalista cidadão, assistente humanitário, oficial de segurança (da oposição) e fotógrafo", revelou.
O interesse pela pintura surgiu ainda criança, quando seu entretenimento favorito era desenhar retratos de pessoas e coisas de seu entorno com pedaços de carvão.
Mais tarde, ao desenvolver sua técnica, passou para representação de figuras em vidro.
O resultado de seu trabalho atual, com os foguetes, é um curioso tipo de arte, que mistura a reivindicação e o ativismo com a beleza de seus desenhos geométricos.
Esta forma de expressão foi batizada pelo próprio Abul Fuz como "Pintura da Morte", já que, em sua visão, os projéteis são "instrumentos que matam crianças a cada dia".
"Eu gostaria que isto fosse uma mensagem ao mundo, mas ela permanece silenciosa. Nós não somos terroristas, temos arte, cultura e de tudo", analisou o artista, que elabora suas obras em Duma, em sua nova casa, mesmo sob o risco de novos bombardeios.
Por este motivo, do receio em apresentar esses foguetes em público, a organização de uma exposição, algo que sempre teve interesse, aparece como algo que não é viável: "A dura realidade se opõe de maneira negativa a nossa própria existência, já que nos falta de tudo, ainda mais para montar uma exibição", lamentou o artista.
Apesar da escassez em sua vida diária, o artista se mostra esperançoso sobre o futuro de seu país.
"Para ser sincero, no futuro, vejo uma grande mudança. Sou otimista em relação à vitória e sei que poderemos voltar a ter uma vida normal", considerou Abul Fuz, que, como muitos de seus compatriotas, deseja um cotidiano longe da guerra para reconstruir sua casa e sua vida.
"Nesse lar sonhado, pintarei e farei com que todos os cantos dessa casa falem da época da revolução síria", concluiu o artista.