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Artesãos por trás da moda italiana temem por seu futuro

O setor de fabricação de moda da Itália deve se contrair até 40 por cento este ano, segundo a consultoria Bain & Co.

Pessoas passeiam em rua de lojas em Milão: Itália produz 40% do total mundial de artigos de luxo (Marta Giaccone/The New York Times)

Guilherme Dearo

Publicado em 11 de junho de 2020 às 13h06.

Última atualização em 11 de junho de 2020 às 13h34.

Até recentemente, alguns dos tecidos mais elaboradamente bordados do mundo, como os encontrados em roupas desenhadas por Giorgio Armani, Valentino, Etro e Prada, saíam de um complexo de apartamentos duplex em Milão, a casa de um pequeno negócio chamado Pino Grasso Ricami.

Sob o olhar atento de Pino Grasso e de sua filha, Raffaella Grasso, vários designers e dez costureiras criam tecidos luxuosos com detalhes incrivelmente detalhados de crochê, contas e rendas.

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Esse trabalho parou no fim de fevereiro, quando o coronavírus tomou conta da Itália. "Uma a uma, todas as marcas fecharam suas portas. O telefone parou de tocar. De repente, tudo parou", disse Raffaella Grasso.

Quase três meses depois, o confinamento começou a diminuir, e as costureiras habilidosas, com décadas de experiência manual, voltaram. Mas o trabalho, até agora, não. As encomendas dos clientes caíram 80 por cento.

"Ninguém quer gastar dinheiro agora. Especialmente porque somos caros em relação a rivais em países como a Índia. Vamos à luta, é claro, mas será difícil que empresas como a nossa sobrevivam", afirmou ela.

A indústria da moda italiana, de 165 bilhões de euros (US$ 180 bilhões), é conhecida no mundo por suas marcas glamorosas, mas é baseada em uma vasta e bem tecida rede de estilistas, fabricantes, distribuidores e lojistas, grandes e pequenos, que ajudam a compor a espinha dorsal da quarta maior economia da Europa. Para essas empresas, para esse estilo de fazer negócios, o futuro nunca pareceu tão incerto.

A produção de coleções foi adiada ou descartada por grandes produtores globais de moda e marcas de luxo. Com os desfiles de alta-costura de julho em Paris cancelados e uma nuvem de incerteza pairando sobre as semanas da moda em setembro, muitas oficinas especializadas como a de Pino Grasso permanecem na incerteza.

Simona Avram e Nadia Di Prima trabalham na Pico Grasso Ricami, em Milão: pandemia afetou trabalho dos artesãos italianos (Federico Ciamei/The New York Times)

O setor de fabricação de moda da Itália deve se contrair até 40 por cento este ano, comentou Claudia D'Arpizio, sócia da consultoria Bain & Co.

"É uma situação preocupante", disse ela, acrescentando que, além dos artesãos de luxo, havia um vasto ecossistema de fábricas orientadas à exportação que produziam desde peças metálicas para acessórios até solas de borracha para calçados.

"As grandes marcas estão passando por tempos difíceis, mas geralmente têm alguma liquidez e um forte perfil de consumo. No entanto, todas elas têm redes de pequenos fornecedores espalhados pela Itália. Essas são as empresas mais propensas a desaparecer", acrescentou D'Arpizio.

Mais de 40 por cento da produção global de artigos de luxo se concentra na Itália, segundo a consultoria McKinsey, com o rótulo "Made in Italy" como fonte de apaixonado orgulho nacional (apesar das controvérsias nos últimos anos).

Mas, embora o governo tenha prometido 740 bilhões de euros em empréstimos, subsídios ou apoio à folha de pagamento para manter a economia nacional em alta, muitos proprietários de pequenas empresas dizem que a burocracia está atrasando a assistência.

No setor da moda, isso aumentou a pressão sobre as empresas maiores para oferecer apoio a fornecedores menores. As grandes marcas, porém, dizem que também precisam cuidar de suas próprias operações em meio à queda nas vendas.

"Este tem sido um dos períodos mais difíceis da história da nossa empresa", declarou o diretor executivo da Prada, Patrizio Bertelli. A empresa teve de fechar a maioria de suas lojas em todo o mundo e começou a reabrir fábricas, algumas das quais foram usadas para fazer equipamentos de proteção individual.

A Salvatore Ferragamo, que financiou a reforma de duas enfermarias hospitalares em Florença e doou 50 mil unidades de desinfetante para as mãos, fechou sua rede global de lojas, e uma queda de 30 por cento nas vendas no primeiro trimestre levou a renegociações de aluguéis com seus proprietários.

A executiva-chefe da Ferragamo, Micaela Le Divelec Lemmi, disse que a empresa precisa encontrar uma maneira de começar a enviar a coleção de outono às lojas ao mesmo tempo que tem de lidar com o grande estoque não vendido de 2020 – e apoiar seus fornecedores fazendo pagamentos rápidos e restaurando a produção o mais rapidamente possível. Ela afirmou que é um ato de equilíbrio constante.

D'Arpizio, da Bain, disse esperar uma leva de aquisições pelas marcas para ajudar os fornecedores em perigo, possivelmente salvando os empregos de comunidades em dificuldades e até fortalecendo o setor nacional de luxo em longo prazo.

Mas, por enquanto, essas pequenas empresas precisaram fazer investimentos pesados para atender às proteções exigidas pelo governo à medida que os trabalhadores começaram a retornar a seus postos.

A Bonotto, por exemplo, produz dois milhões de metros de tecido por ano para clientes como Chanel, Gucci e Louis Vuitton. Quando os 200 funcionários voltaram à fábrica, perto de Vicenza, o espaço havia sido totalmente higienizado, com máscaras e luvas para os trabalhadores, horários escalonados de entrada e saída, e rigorosas medidas de distanciamento social. "Queremos voltar mais fortes do que nunca, apesar do fato de termos tido muitos pedidos cancelados nas últimas semanas", afirmou Giovanni Bonotto, diretor criativo.

Outras empresas expressaram preocupações semelhantes.

Sara Giusti, uma das três irmãs que dirigem a AGL, marca de calçados femininos que a família possui há três gerações, disse que a empresa teve certa sorte: a maioria de suas encomendas de primavera e verão havia sido enviada às lojas antes da paralisação. A fábrica, nas colinas de Marche, com vista para o Adriático, agora tem um sistema de monitoramento de saúde que é como "outro mundo", de acordo com Giusti.

Mas entre honrar pedidos feitos aos fornecedores, investir na segurança dos 110 funcionários da AGL e lidar com o cancelamento de pedidos da coleção de outono, o negócio enfrenta dificuldades.

"Em empresas como a nossa, os trabalhadores são como uma família – alguns deles te conhecem desde criança –, por isso você quer fazer todo o possível para protegê-los. Mas meu maior medo é se houver uma segunda onda de infecções e tivermos de fechar completamente mais uma vez", disse Giusti.

"Conseguimos reabrir desta vez. Não sei se poderíamos fazê-lo novamente."

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