Seu cérebro no trabalho
A neurocientista Suzana Herculano-Houzel explica como o cérebro funciona diante de situações do dia a dia. Controlar as emoções pode melhorar sua motivação e seu desempenho
Da Redação
Publicado em 17 de maio de 2013 às 16h36.
São Paulo - Complexo e repleto de ligações, o cérebro reage de maneiras diferentes a cada situação enfrentada no dia a dia do trabalho. A cobrança por um resultado rápido desencadeia uma poderosa onda de estresse. E aquele projeto complicado faz com que a ansiedade mande constantes mensagens de alerta.
Na entrevista a seguir, a neurocientista Suzana Herculano-Houzel, de 37 anos, diretora do Laboratório de Neuroanatomia Comparada da Universidade Federal do Rio de Janeiro e autora de cinco livros, entre os quais Pílulas de Neurociência para uma Vida Melhor (Editora Sextante), explica como essas emoções podem ser benéficas ou perigosíssimas para o desempenho e para a motivação profissional.
VOCÊ S/A - O que ocorre com o corpo, do ponto de vista da neurociência, quando um profissional passa por situações estressantes no trabalho?
Suzana Herculano-Houzel - O estresse nada mais é do que uma força que provoca transformações mentais e físicas no corpo. O coração dispara, a pressão arterial aumenta e o cérebro reage para que possa enfrentar novos problemas. A princípio, o estresse é bom, porque faz com que os níveis de atenção cresçam.
Isso só acontece quando o profissional sente que tem controle sobre a situação e que é capaz de encontrar soluções para o problema. O estresse se torna perigoso no momento em que a pessoa acha que não consegue dar conta do trabalho e entra num estado de paralisia. A situação fica drástica quando alguém precisa fazer grandes esforços para tentar driblar um desafio e não chega a lugar nenhum.
VOCÊ S/A - O que fazer para ter mais qualidade de vida?
Suzana Herculano-Houzel - Três fatores são importantes: lazer, sono e exercício. O primeiro passo é parar de pensar nos problemas assim que o expediente terminar. Um profissional não consegue relaxar se for para casa e ficar remoendo as obrigações do dia seguinte. Desligar-se é vital. O lazer ajuda nessa tarefa, pois faz com que o cérebro se ocupe com atividades prazerosas e se sinta satisfeito e recompensado.
VOCÊ S/A - Como o sono e a atividade física ajudam?
Suzana Herculano-Houzel - O sono faz com que o cérebro registre as atividades desenvolvidas durante o dia e crie estratégias para resolver novos problemas. Uma boa noite de sono ajuda a regenerar os neurônios do hipocampo, parte do cérebro que cuida da memória recente.
Essas novas células ampliam a capacidade de aprendizagem e auxiliam na administração do estresse. Os exercícios também mantêm o hipotálamo em bom funcionamento. Mas tem que ser alguma atividade física que dê prazer. Caso contrário, o cérebro vai encontrar mais um motivo para se estressar.
VOCÊ S/A - Uma das queixas mais comuns entre os profissionais é a dificuldade de planejar tarefas. É possível treinar o cérebro para ter uma organização mental?
Suzana Herculano-Houzel - Sim. Nós temos uma agenda interna no hipocampo que funciona como uma lista de tarefas, armazenando as informações mais novas do dia.
Para funcionar bem, o cérebro precisa priorizar essas atividades e diminuir a complexidade dos problemas. Esse é o segredo do bom planejamento mental.
A satisfação aparece quando nós resolvemos aquilo que nos deixa angustiados. Por isso é importante dividir os grandes problemas em pequenos desafios, que podem ser resolvidos com mais facilidade, e traçar uma estratégia simples para solucioná-los.
VOCÊ S/A - A motivação é um dos pontos-chave para que uma pessoa se sinta realizada com o trabalho. Como controlamos esse sentimento?
Suzana Herculano-Houzel - Quando tem uma decisão a tomar, o cérebro ativa o sistema de recompensa, localizado no córtex cingulado, responsável por avaliar as chances de sucesso e fracasso de uma empreitada.
Se o cérebro determina que o fracasso é o resultado mais provável, o corpo não sai do lugar. A motivação só acontece quando a mente manda o sinal de que há pelo menos 50% de chance de uma atividade ser bem-sucedida. É a antecipação do sucesso e a sensação de uma recompensa futura que estimulam uma pessoa a se dedicar a uma tarefa, por mais desgastante que seja.
VOCÊ S/A - Com a redução das equipes, os profissionais têm mais objetivos para cumprir e menos tempo para entregar bons resultados. Qual é a reação do cérebro nesses casos?
Suzana Herculano-Houzel - A manifestação mais comum é a ansiedade, quando o cérebro manda sinais de preocupação com problemas que ainda não existem, mas que aparecerão logo mais.
A inquietação com o futuro é maravilhosa, porque é uma maneira de se preparar antecipadamente para o que está por vir. Por mais que os chefes insistam que é preciso estar atento e bem informado para as metas do próximo mês, a pressão interna causada pela ansiedade é completamente pessoal e inevitável.
VOCÊ S/A - Em que medida a ansiedade, uma doença comum hoje em dia, pode ser prejudicial ao trabalho de uma pessoa?
Suzana Herculano-Houzel - A ansiedade fica perigosa quando a inquietação é tanta que o cérebro se convence de que não tem nenhum domínio sobre as situações futuras e começa a fazer avaliações exageradas sobre o tamanho do problema a ser resolvido. Isso faz com que a mente fique incapacitada para agir. Se essa sensação persiste por um longo período, surge o estado ansioso crônico, uma doença que precisa ser tratada com remédios e terapia.
VOCÊ S/A - É comum que subordinados imitem as atitudes de seus chefes, tanto as boas quanto as ruins. Por que isso ocorre?
Suzana Herculano-Houzel - Há um sistema no cérebro que nos faz ser capaz de repetir mentalmente as ações das pessoas com as quais convivemos, são os neurônios espelho (é por causa deles que bocejamos logo depois de alguém, por exemplo).
Esse mecanismo nos faz imitar o outro e intuir quais são suas intenções. Mas, para isso, é preciso ter identificação. Se o funcionário não se identificar com o líder, vai refutar suas ações.
VOCÊ S/A - Por que é importante estar disposto a enfrentar novos desafios?
Suzana Herculano-Houzel - Se um profissional se mantém o tempo todo na zona de conforto, sem pensar em nada de diferente, a mente fica entediada e não cria novas maneiras de resolver problemas. E do que o cérebro mais gosta é ser desafiado, desde que se sinta apto para encontrar soluções.
Esse é o ponto mais importante: a sensação de autonomia. As empresas têm que dar certa liberdade para seus funcionários poderem tocar novos projetos. Quem não tem um mínimo poder dentro das corporações fica estressado, se sente incapaz e se torna uma bomba ambulante de estresse.
VOCÊ S/A - O jornalista Malcolm Gladwell, autor do livro Fora de Série, diz que para se destacar em determinada área é necessário repetir uma atividade por 10.000 horas. Qual a importância da prática para o desenvolvimento cerebral?
Suzana Herculano-Houzel - Só o talento não transforma alguém num gênio. A prática e a motivação são fundamentais para que o cérebro se acostume a uma tarefa e encontre as melhores maneiras de realizá-la.
Para conseguir dedicar tempo a uma atividade, é necessário que uma pessoa encontre algo que adore fazer. Só conseguimos repetir tantas vezes a mesma tarefa se o nosso cérebro se sentir recompensado e feliz com isso. Quem ainda não encontrou sua vocação precisa experimentar novas atividades. Sair da zona de conforto é o melhor remédio.