Pesquisa mostra que aplicativos como Uber atraem legião de desempregados
Brasil bateu recorde de desemprego em agosto; Datafolha aponta que isso foi a principal causa da migração de profissionais para apps de transporte
Victor Sena
Publicado em 11 de novembro de 2020 às 16h33.
Última atualização em 11 de novembro de 2020 às 19h03.
José Simão, de 38 anos, perdeu o emprego em maio. Quinze dias depois, contraiu covid-19 e passou mais de uma semana internado, e precisou tomar oxigênio. Hoje, ele é um dos brasileiros que saíram do mercado de trabalho formal devido a uma demissão para ser motorista de aplicativos de transporte.
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Depois de dois meses entregando currículo, para diversas áreas, o ex-ajudante de entregas decidiu alugar um carro e começar a trabalhar para a Uber em Cascavel, no Paraná.
Uma pesquisa do Datafolha, contratada pela empresa Uber, mostra que o caso dele, independentemente da freada na economia brasileira, não é único. O principal motivo para a entrada na atividade foi a perda de emprego.
Dos brasileiros que já trabalham ou conhecem alguém que tenha trabalhado em aplicativos, 53% afirmam que o desemprego foi a principal causa da migração.
Logo depois, vem a necessidade de complementar a renda, com 31% de respostas. Na terceira posição está "poder trabalhar sem chefe controlando", com 6%. Esse índice chega a dobrar para 12% quando são considerados apenas quem tem escolaridade básica.
“Depois de receber alta do hospital, voltei para casa e pensei ‘O que eu vou fazer da minha vida?’ Não poderia pegar o seguro-desemprego porque tinha um cadastro de MEI (microempreendedor individual) aberto e tinha família, com filho para sustentar”, conta.
Enquanto trabalhava como ajudante de entregas, o salário de José era de 1.750 reais. Hoje, afirma que a renda com o serviço como motorista é bem maior. Ele consegue pagar a parcela do carro, de 1.100 reais, paga as contas e sobra dinheiro.
O ator Eugênio La Salvia passou a trabalhar com o aplicativo Uber em 2017, quando começou a perceber dificuldades em ser contratado para fazer espetáculos.
“A minha fama era de um palhaço, improvisador e músico, o que é um pouco restrito. E eu não sou uma pessoa muito social. Se você não vai nos lugares, não dá pinta, é esquecido. Se você não faz esse lobby, você fica de lado. Então, comecei a trabalhar como motorista.”
Em 2017, a renda com o trabalho de motorista não passava de 40% do orçamento de Eugênio. Hoje, ela é 100%.
Diferentemente de José Simão, que afirma ter se encontrado na profissão, Eugênio não encara o trabalho de motorista como uma carreira. O número alto de horas em que passa na rua é um dos pontos que critica.
A crise causada pela pandemia também afetou Lucas Rodrigues, de 24 anos, que era estagiário de uma empresa de avaliação patrimonial.
Assim como Eugênio, Lucas pediu o auxílio emergencial oferecido pelo governo no começo da pandemia. Ele também precisou trancar a faculdade de engenharia mecânica.
Apesar de o rendimento líquido do estudante como motorista de aplicativo ser três vezes maior que o salário de estagiário, Lucas pretende destrancar a faculdade no começo de 2021 e voltar a procurar emprego na sua área. Apesar disso, ele ainda quer fazer transportes nos fins de semana.
“A principal vantagem de trabalhar como motorista de aplicativo é você poder fazer seu horário, você ter sua liberdade. Eu gosto muito de trabalhar de tarde para a noite, por exemplo. A desvantagem é a segurança. Tem lugares que a gente fica com receio de ir”, conta.
Popularidade da profissão
A população desocupada que representa esse percentual subiu 8,5% frente ao trimestre móvel anterior. No fim de agosto, o Brasil tinha 13,8 milhões de desempregados. No trimestre encerrado em maio, eram 12,7 milhões.
Depois de despencar em 2015 e 2016, a economia brasileira teve um breve respiro, crescendo 1% nos três anos seguintes, mas volta a cair devido à pandemia, puxando o desemprego ainda mais para baixo. Para 2020, a previsão do mercado financeiro é de que o produto interno bruto caia 4,8%.
Segundo o Datafolha, pouco mais da metade da população brasileira (54%) já trabalhou ou conhece alguém que já dirigiu ou fez entregas usando aplicativos como Uber. No Rio de Janeiro, o número sobe para 74% das pessoas; em São Paulo, índice é de 66%.
O instituto de pesquisas ouviu por telefone 3.271 pessoas com 16 anos ou mais distribuídas nas cinco regiões do país entre 16 de setembro e 7 de outubro.
De acordo com o levantamento, 91% da população concorda que a atividade usando aplicativos "é uma vantagem para quem precisa de flexibilidade de horário para trabalhar".
Além disso, a grande maioria também concorda que essa atividade "é uma forma de gerar renda para quem perdeu o emprego" (95%) ou "uma forma de complementar a renda para quem teve redução de rendimentos" (93%).