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O RH equilibrista

Os sinais de fraqueza da economia brasileira pressionam as empresas a reduzir custos. Cabe ao RH a difícil missão de oferecer alternativas ao corte de pessoas e convencer a liderança de que a demissão nem sempre é o melhor caminho

Lineu Takayama, diretor de recursos humanos da MAN Latin America: 5% da mão de obra da fábrica está com o contrato de trabalho suspenso há cinco meses (Paulo Pampolin/HYPE)
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Da Redação

Publicado em 16 de outubro de 2014 às 11h25.

São Paulo - Microsoft. Mercedes-Benz. GM. BRF. Vulcabras. Essas são apenas cinco das dezenas de empresas que estão enxugando significativamente seu quadro de funcionários nos últimos meses. Com o respaldo do mercado enfraquecido, essas companhias vêm encontrando nas demissões em massa — que atingem mais de 5% de seu quadro — a alternativa para o crescimento , cada vez menor e distante.

Das 26 atividades avaliadas pelo Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), 21 apontaram rebaixamento neste ano, sendo a pior a automotiva, cuja produção ficou 36% abaixo em junho de 2014 comparada a junho de 2013. No comércio e serviços, o cenário é igualmente pessimista.

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Segundo os economistas da Fundação Getulio Vargas (FGV), a confiança dos comerciantes em maio, junho e julho deste ano ficou 6,3% abaixo em relação ao mesmo período de 2013. A dos empresários de serviços caiu pela sétima vez consecutiva, chegando a seu pior nível desde abril de 2009. E o medo da população de perder o emprego subiu 7%.

Esse medo é pertinente. Afinal, como já demonstra o mercado , o primeiro impulso dos empresários diante de números diminutos é cortar gente. “À medida que a atividade econômica diminui, é irracional para o executivo, em sua lógica, manter uma estrutura para um nível de atividade que é menor do que antes”, diz Miguel Caldas, professor de administração na FGV de São Paulo e, desde agosto, também na Universidade do Texas.

O problema é que a medida tomada por uma, duas empresas, rapidamente se alastra, e a demissão se transforma num fenômeno. É o chamado efeito manada. “Os ciclos de demissão são altamente contagiosos”, diz Caldas, que estudou os grandes cortes feitos no Brasil entre 1980 e 2000 e compilou os resultados no livro Demissão (Editora Atlas). “Uma parte das empresas demite apenas com base na tendência de mercado.”

No meio desse fogo cruzado está o gestor de pessoas. Esse é o executivo que vem sendo cobrado por desempenhos pífios e obrigado, muitas vezes, a entregar cabeças. O mais fácil é aceitar a demanda de cima e afiar as tesouras sem questionar. O mais inteligente é convencer a cúpula de que esse caminho pode ser equivocado e de que há outras saídas antes de colocar as pessoas na rua.

A missão não é nada fácil. Será preciso levantar números, argumentos e desenhar cenários — algo a que as empresas no Brasil (e, principalmente, a área de gestão de pessoas) não estão habituadas. Segundo Caldas, as companhias brasileiras costumam responder de forma imediata aos primeiros sinais do mercado.

“Quando o empresariado enxerga aumento nas vendas e na produção, ele cresce a operação para valer, contrata e faz acontecer, sem conservadorismo”, afirma. No primeiro sintoma de uma “marolinha” negativa, porém, as demissões acontecem. E isso vira um ciclo desgastante e improdutivo: contratar e demitir sem critérios.

Missão 1: Antecipe o cenário

Estabelecer esses critérios, portanto, seria a primeira missão para um bom executivo de recursos humanos. É preciso, antes de tudo, ser cauteloso na reposição de gente e manter um sistema de avaliação de desempenho criterioso. Quando o profissional de RH faz esse trabalho, e também administra bem os custos da mão de obra, dificilmente terá de fazer cortes significativos.

“Se fizer esse gerenciamento, mesmo com a economia crescendo pouco, a empresa nunca terá de fazer desligamento em massa”, afirma Marcelo Ferrari, diretor de negócios da consultoria Mercer.

Foi esse trabalho que Jorge Jubilato fez na C&C antes que a rede de lojas de produtos de construção sentisse o impacto negativo do mercado. Ao assumir a diretoria de RH, em agosto de 2013, ele dividiu as cerca de 50 despesas de mão de obra em oito grandes blocos, como encargos sociais, assistência médica, hora extra e refeição, e reviu tema por tema para encontrar possíveis desperdícios e oportunidades de melhoria.

Foi assim que descobriu a maior fonte de sua despesa: a taxa de rotatividade dos funcionários — de 54% ao ano. Jubilato identificou ainda que o problema estava concentrado em dez das 45 lojas e em quatro cargos operacionais. Além de problemas pontuais, como a resistência de alguns funcionários em limpar a sujeira de pombos em uma das lojas, havia situações mais graves, ligadas ao recrutamento e à integração dos vendedores.

No primeiro caso, o gerente de seção, que seria o chefe do futuro vendedor, não participava da escolha do candidato, e surgiam atritos quando eles começavam a trabalhar juntos, levando à demissão do funcionário. Já o processo de integração era informal e ficava por conta de vendedores com mais tempo de casa.

Por ser uma carreira competitiva, ninguém das antigas gostava de ensinar aos novatos, vistos como concorrentes nas vendas e na comissão. Os calouros ficavam perdidos nas lojas, desempenhavam mal o papel e, em pouco tempo, iam embora.

Ao ter clareza do cenário, a C&C construiu seu plano de ação. Primeiro, passou a envolver o chefe de seção no processo seletivo e a padronizar um treinamento para a equipe de vendas. Jubilato também formou 20 multiplicadores para repassar a metodologia de negociação da C&C a 500 vendedores mais antigos. Cada um dos multiplicadores acompanhou de perto três funcionários com mau desempenho. Só com esse trabalho a empresa percebeu que alguns desses 60 vendedores conseguiram vender duas ou três vezes mais do que estavam acostumados.

Para que a competição diminuísse, Jubilato também mudou o sistema de metas e remuneração dos vendedores. Antes a remuneração estava atrelada apenas ao rendimento individual; hoje considera também o resultado total da loja. Ainda como parte de seu plano, o executivo de RH revisou sua política de benefícios.

Ele tirou, por exemplo, a contribuição mensal e acabou com a coparticipação dos funcionários no plano de saúde. Com isso, conseguiu incluir 1 500 vidas no plano, a “custo zero” para os empregados, e sem aumentar o custo para a C&C. Em seu estudo, Jubilato descobriu ainda um desequilíbrio entre pessoas e vagas em suas lojas. Umas tinham gente de mais; outras, de menos. Em vez de demitir, ele transferiu algumas pessoas e esperou que o turnover natural resolvesse o resto.

Mesmo diante de um cenário amargo como o que vive a construção — em julho de 2014, o índice de confiança do setor, medido pela FGV, caiu pelo quinto mês consecutivo, recuando 10,3% no segundo semestre em relação ao ano passado —, as mexidas na gestão de pessoas da C&C permitiram uma história diferente. Só com a queda de 22% de seu turnover, a companhia economizou 2,4 milhões de reais por ano.

Com os ajustes, a despesa de mão de obra da C&C em 2014 será 10% menor do que a de 2013, considerando ainda um aumento salarial de 8% acordado como dissídio, um incremento de 20% no vale-refeição, a gratuidade do plano de saúde e o curso para vendedores.

Mais do que o controle dos custos, Jubilato pôde comemorar a melhora do clima. “Não tivemos aquele terrorismo de que haveria demissões”, diz Jubilato. “Cortar gente é sempre o mais fácil a fazer — mas é sempre um corte burro.”

Carlos Alberto Griner, diretor de RH da Suzano: ele conseguiu diminuir em 2% o número de funcionários que deveriam ser demitidos (Fabiano Accorsi / VOCÊ RH)

Missão 2: Adote licenças, férias e outras brechas na Lei

Se o cenário é mais peculiar e dramático e não oferece espaço para mexidas, como as que promoveu Jubilato, a orientação é partir para as opções permitidas pela lei. “O RH deve pensar na rotatividade natural, em licenças ou ainda em capacitar as pessoas para fazer outras coisas, seja para mim, seja para a comunidade”, afirma Miguel Caldas. É esse o caso da MAN Latin America.

Os cuidados na gestão da mão de obra foram insuficientes para cobrir as perdas de 15% ao mês na produção, percebidas logo no começo de 2014. “Precisamos reduzir a fabricação porque o mercado não absorvia o que estávamos produzindo”, diz Lineu Takayama, diretor de recursos humanos.

O cenário, porém, não estava definido. Caso a MAN fechasse um único contrato de um dia para o outro, a demanda poderia exigir pessoas para atender ao pedido. Cortar gente, portanto, seria imprudente. Foi esse o argumento que Takayama levou para cima para não precisar afiar as tesouras.

A companhia atua com um modelo inédito na indústria automobilística. Quem coloca a mão na massa na montagem dos caminhões são cerca de 4 000 funcionários de sete empresas consorciadas, que atuam na planta fabril. Com os empregados da MAN, o time totaliza 5 200 pessoas. Para que o modelo funcione, Takayama dita as regras na gestão de pessoas das sete empresas. “Nada é imposto, mas, em geral, tudo o que o RH da MAN faz as outras seguem.”

Quando a produção caiu, os empresários pressionaram pelo corte de parte das pessoas. Takayama os convenceu a sentir melhor o mercado. Em fevereiro, deu férias coletivas para uma parte dos funcionários — dele e das sete empresas consorciadas. O mercado não reagiu. No mês seguinte, negociou com o sindicato folgas em um dia da semana — que serão compensadas no futuro caso o funcionário precise ir trabalhar no sábado.

As vendas continuaram baixas. Em maio, Takayama resgatou um artifício legal que tinha usado há 15 anos em outra empresa. Tratava-se da suspensão temporária do contrato de trabalho (lay-off). Pela regra, válida por cinco meses, a companhia manda o funcionário para casa, e o governo paga uma ajuda de custo. Em contrapartida, o empregador precisa dar 50 horas de treinamento para cada funcionário.

Nesse período, ele não recolhe INSS nem outros encargos. Até o fechamento desta edição, pelo menos cinco montadoras mantinham seus funcionários com contrato de trabalho suspenso. Na MAN, 5% da fábrica ficou nesse esquema até o começo de agosto. Quando o prazo acabou, o grupo aceitou o pacote oferecido e se desligou da fabricante. No mesmo mês, um novo grupo de 2,5% entrou para o modelo.

O mecanismo é mais barato do que manter as pessoas trabalhando normalmente e mais caro do que demiti-las. “Isso tem um custo, mas entendemos que é uma forma respeitosa de tratar os trabalhadores”, diz Takayama. Além disso, se a economia melhorar depois de cinco meses, a MAN já tem mão de obra qualificada, esperando para voltar aos afazeres.

A outra vantagem dessa alternativa é a construção de uma imagem positiva perante o time. Ao notar que a empresa usa vários meios para evitar a demissão, os funcionários passam a olhá-la de forma diferente. Os números comprovam essa percepção. Na pesquisa mundial do grupo Volkswagen com 590 000 pessoas, a média de satisfação com o empregador é de 75%. Na MAN, é de 94%.

O prazo da nova suspensão temporária termina em janeiro. Por sorte, outras indústrias automotivas estão se instalando em Resende, no Rio de Janeiro, sede da companhia, e o RH da MAN também já está negociando a recolocação de alguns funcionários.

Missão 3: Negocie os cortes

Qualquer especialista em gestão de pessoas vai dizer que a demissão deve ser sempre evitada. Primeiro, porque ela deixa danos aos que ficam, além de aumentar o risco de acidentes de trabalho e afetar a produção. Segundo, porque quem foi demitido pode espalhar boatos, prejudicar a marca da empresa e aumentar o número de ações trabalhistas.

Às vezes, porém, elas são inevitáveis. Seja por culpa única do cenário, seja por falhas históricas na gestão, a empresa precisa enxugar, e aí o RH vai ter de usar todo o seu poder de negociação. Sim, porque será pedido um número xis de cabeças. E o RH pode, com base em sólidos argumentos, diminuir esse contingente e tentar salvar algumas vidas. Foi o que fez a Suzano.

De julho a setembro de 2012, a fabricante de papel e celulose registrou seu quinto trimestre consecutivo de prejuízo. Em janeiro do ano seguinte, portanto, ela se viu obrigada a desenhar uma nova estratégia de crescimento. O ambicioso plano Suzano 20-24, construído em 2010 e que incluía a abertura de três fábricas, teve de ser revisto.

Como a construção da unidade de Imperatriz, no Maranhão, estava avançada, a Suzano optou por postergar outros dois projetos, da fábrica de celulose no Piauí e da de energia renovável, também no Maranhão.

Após o corpo diretivo estabelecer o que deveria ser levado adiante e o que deveria ser deixado de lado, a área de RH entrou em ação. Pegou a lista dos processos eliminados e viu onde poderia encaixar aqueles funcionários. Cerca de 100 pessoas, que integravam os dois projetos fabris cancelados, foram transferidas para a unidade de Imperatriz.

Das vagas em aberto, 9% delas foram canceladas, e algumas pessoas que seriam desligadas foram convidadas a ocupar as posições remanescentes. Graças a essa manobra, o RH conseguiu diminuir em 2% a porcentagem dos que seriam desligados. Ainda assim a Suzano teria de desmobilizar 6% de sua força de trabalho.

Quando a demissão não tem volta, diz Monica Ramos, diretora da Lee Hecht Harrison DBM, consultoria especializada em transição de carreira, ela precisa ser planejada com antecedência, de preferência dois ou três meses antes. O certo, na verdade, seria que toda empresa tivesse um plano de desligamento desenhado como contingência. Algo que está longe de existir.

De acordo com o estudo Práticas de Demissões de Executivos, da Lens&Minarelli, consultoria de recolocação de cargos executivos, apenas 17% das companhias têm realmente uma prática formal de demissão. “Por ser um tabu, muitas empresas gostariam que não existisse. E, se não existisse, não precisariam treinar ninguém”, diz José Augusto Minarelli, sócio da consultoria.

Quando definiu quantas pessoas precisariam ser cortadas, a área de recursos humanos da Suzano começou o planejamento de como aconteceria. O trabalho levou dois meses. Para Carlos Alberto Griner, diretor de recursos humanos, é preciso dedicar muito tempo e fazer um planejamento detalhado para que absolutamente nada saia errado.

Isso envolve estabelecer um horário para que as pessoas sejam chamadas, separar as salas para onde elas serão enviadas e orientar todas sobre o plano futuro. É importante que não haja filas nem erros nas contas.

“Você prevê o impacto, faz e refaz os cálculos (indenizatórios) e prepara os líderes para que eles assumam o papel na hora do desligamento”, diz Griner, que participa pessoalmente do treinamento dos gestores. “Gosto de contar meus casos e deixo claro que, até hoje, sinto frio na barriga.”

O sentimento é comum a todos que já tiveram de desligar uma pessoa. Afinal, o dia da demissão deixa um gosto amargo. Não é um dia que as pessoas gostam de viver, nem os RHs — mas faz parte do trabalho. Na Suzano, os comunicados começaram às 9 horas da manhã, em cerca de dez localidades. Às 10h30, tudo tinha acabado. Para os desligados, a Suzano ofereceu os serviços de uma consultoria de recolocação no mercado de trabalho.

O processo foi bem conduzido, e algumas pessoas demitidas enviaram e-mails para a Suzano agradecendo a forma como foram tratadas. Em abril de 2014, a empresa fez uma pesquisa de clima e descobriu que a satisfação dos empregados subiu 6 pontos percentuais em relação à última edição, de 2010 — resultado acima da média de mercado, de 3 pontos percentuais, segundo dados da consultoria Hay.

Em meio à dor e aos traumas que dias como esse costumam provocar, receber esse tipo de feedback é um conforto para o RH, um alívio para a companhia e um sinal para os que ficam de que dias melhores virão.

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