Disfarce: como acontece uma fase presencial no recrutamento às cegas? (Ariel Skelley/Getty Images)
Luísa Granato
Publicado em 10 de setembro de 2019 às 06h00.
Última atualização em 11 de setembro de 2019 às 13h57.
São Paulo - Será que algum de nós está isento de vieses? Para a Movile, todas as pessoas possuem alguma tendência de valores e que, se quisessem diversificar sua equipe, algo precisava mudar. Principalmente depois de perceberem que sua última turma de estagiários e trainees era bem homogênea.
Segundo Matheus Fonseca, analista de employer branding da Movile, a empresa assumiu o desafio de ocultar o máximo possível de informações sobre os candidatos no programa deste ano para focar em contratar um time mais diverso.
No Mobile Dream, o recrutamento às cegas se estendeu até mesmo para a entrevista presencial. E não, os candidatos não vão aparecer fantasiados, com bigode falso ou máscaras, na frente dos recrutadores.
“Nós percebemos que a diversidade não vinha naturalmente e precisamos trabalhar ativamente para trazer novas pessoas para dentro da empresa. Mesmo focando em cadeiras de entrada, queremos estagiários e trainees com potencial para assumir times e crescer nos negócios”, comenta ele.
Em toda a jornada digital, é relativamente simples manter o processo às cegas. Na Movile, o time de recrutamento não tem acesso a informações pessoais dos candidatos e um bot, a Fabi, auxilia na coleta de dados relevantes para as vagas, como identificação com a cultura da empresa e suas experiências.
Para entender melhor o lado pessoal de cada um, o programa teve uma fase chamada “histórias e experiências”, feita por vídeo, que é distorcido para ocultar a identidade da pessoa.
“Eles responderão cinco a seis perguntas sobre sua jornada até ali, que desafios enfrentaram ou se precisam trabalhar para pagar a faculdade, tudo que ajude a entender quem a pessoa é no fundo”, explica ele.
A inteligência artificial não faz a seleção ou toma decisões, mas ajuda a manter a confidencialidade dos dados que não são considerados relevantes para entender o potencial das pessoas, como idade, etnia e gênero.
Du Migliano, cofundador da 99jobs, acredita que o jogo está mudando: mais empresas estão aceitando o recrutamento às cegas e abraçando um posicionamento sobre diversidade.
No entanto, ele fala que é comum que empresas abracem a tendência de recrutamento às cegas sem um preparo para lidar com a questão da diversidade e de inclusão no ambiente de trabalho.
“Não adianta passar por todo o processo e, no final, o gestor ainda escolher o candidato que é parecido com ele. Esse líder precisa estar aberto para aprender”, fala ele.
O preparo das lideranças é apenas uma das exigências para que esse recrutamento seja bem-sucedido. Segundo Migliano, o processo em si pode ser excludente, começando com a publicidade usada para atrair os talentos nas inscrições.
“Você pode acabar selecionando menos diversidade por causa de critérios do programa e ter muito mais brancos do que negros se inscrevendo. Se o candidato entra no site e só vê brancos nas fotos, ou no LinkedIn não vê um posicionamento sobre diversidade, ele acaba desanimando”, explica ele.
A ThoughtWorks é uma empresa que não acredita no recrutamento às cegas, mas a justiça social e diversidade estão no centro do negócio. No lugar de esconder as informações, eles fazem o caminho inverso e ativamente buscam pela diversidade.
Para isso, eles deixaram de contratar olhando para faculdades ou graduações específicas, por exemplo. Nenhum decisão de contratação é individual, mas sim colegiada, com treinamentos sobre viés e características claras que buscam nos candidatos.
Na fase presencial da Movile, os candidatos estarão cara a cara com um time de recrutadores treinados para reconhecer vieses - e que não vão saber informações pessoais sobre eles. Eles terão acesso a um currículo com suas competências, mas não detalhes pessoais que possam influenciar sua escolha.
Para garantir que todos tenham chance justa de chegar na última etapa, Matheus conta que houve o monitoramento de todos os dados sobre diversidade, observando quantas pessoas diversas estavam avançando e o que podem fazer para mantê-los engajados.
“Nós tiramos a requisito do inglês por entender que era apenas uma barreira para muitos. E todos os contratados terão uma bolsa para estudar a língua”, conta ele.
Enquanto a maior parte das empresas busca aplicar esse recrutamento nos cargos iniciais, no último ano, a Agência Artplan preencheu 60% das suas 88 vagas abertas às cegas, de estágio até a gerência. De todos os contratados, 86% representavam algum grupo minorizado.
A agência de publicidade trabalhou com uma empresa independente para aplicar testes vocacionais relacionados apenas à experiência e competência dos candidatos, deixando de lado detalhes como o endereço, gênero e composição da família.
“Andando em paralelo com as contratações, aprofundamos os entendimentos sobre inclusão, preparando o ambiente para lidar com a diversidade, com projetos de capacitação e comitês focados”, fala Sandra Poltronieri, diretora de gestão de pessoas do Grupo Artplan.
Para a diretora, o modelo de recrutamento foi um sucesso e terá continuidade, assim como palestras e treinamentos para conscientização. “Acolher a diversidade é uma meta estratégica, uma construção e visão de futuro. O caminho que começamos a trilhar agora deve trazer resultados ainda melhores em mais dois ou três anos”, fala ela.