Carreira

O que falta para que o trabalho remoto seja um modelo benéfico para todos?

Afinal, temos motivos suficientes para descartar esse modo de atuação iniciado na pandemia?

Trabalho remoto: afinal, temos motivos suficientes para descartar esse modo de atuação iniciado na pandemia? (ismagilov/Getty Images)

Trabalho remoto: afinal, temos motivos suficientes para descartar esse modo de atuação iniciado na pandemia? (ismagilov/Getty Images)

Da Redação
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Redação Exame

Publicado em 2 de julho de 2024 às 08h00.

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*Por Tatiana Porto

Nos últimos dois anos, organizações de diversos tamanhos estão implementando a volta do trabalho presencial entre duas e três vezes por semana. Uma pesquisa recém-divulgada pela Start Carreiras mostrou que o número de vagas totalmente presenciais aumentou de 37% para 56% desde outubro de 2022 no Brasil. No mundo, grandes empresas, como Meta, Google, Amazon e Apple exigem ida ao escritório três vezes por semana. Outras, como o banco J.P. Morgan, são radicais: regime de trabalho é totalmente presencial.

Vários fatores têm motivado a adoção do modelo híbrido: importância do contato humano para fortalecimento do senso de pertencimento e cultura corporativa; a premissa de que a troca de ideias em reuniões pessoais estimulam mais a inovação do que em reuniões virtuais; e a necessidade de um controle maior sobre os funcionários para aumentar a produtividade.

Esses pontos são importantíssimos e devem estar na pauta de todo gestor – afinal, qual executivo pode ignorar a importância da produtividade?

A posição das empresas citadas indica o fim do trabalho remoto. Mas em muitas outras o tema ainda está em aberto. Afinal, temos motivos suficientes para descartar esse modo de atuação iniciado na pandemia?

A decisão é complexa. É verdade que o trabalho remoto trouxe alguns ganhos para as empresas e sociedade, que não podem ser descartados e que devem ser considerados para uma decisão final.

Um dos principais benefícios é: o trabalho remoto aumenta a diversidade e inclusão de grupos minorizados. Num país como o Brasil, isso não é algo que possa ser descartado.

O Brasil é um país de dimensões continentais e com uma imensa desigualdade entre regiões. O PIB per capita da cidade São Paulo é de aproximadamente R$ 66 mil, 3,5 vezes maior do que o PIB do estado do Piauí (pouco menos de R$ 20 mil). A diferença ocorre em diversas cidades da região Sul-Sudeste na comparação com regiões Norte-Nordeste. Isso decorre da maior presença de empresas em grandes cidades, especialmente nas regiões Sul e Sudeste. Até a pandemia, quando o trabalho era totalmente presencial, moradores das regiões menos favorecidas que quisessem aproveitar as oportunidades das regiões mais ricas tinham que migrar para esses grandes centros. Nem todos conseguem fazer a mudança. O resultado: exclusão de quem não consegue mudar e inchaço das grandes metrópoles, que sofrem com os problemas causados pelo excesso populacional, como trânsito, desemprego e moradia irregular. O trabalho remoto permite com que pessoas qualificadas de outras regiões do Brasil concorram para vagas que, antes, se limitavam a quem poderia atuar presencialmente. As empresas saem ganhando ao ampliarem o espectro de diversidade nas contratações. O maior gargalo se torna a inclusão digital – o país precisa universalizar o acesso à internet de banda larga.

Além disso, o trabalho remoto facilita o trabalho de uma pessoa com alguma deficiência psicomotora. Questões de acessibilidade, que antes eram obstáculos para a contratação de pessoas com deficiência, perderam a relevância com a possibilidade de trabalhar em casa. Quando as empresas obrigam suas pessoas a irem ao escritório pelo menos uma vez na semana estão tirando a oportunidade de milhares de pessoas.

Também vale lembrar que diversos estudos comprovam que empresas com equipes diversas são mais inovadoras e rentáveis do que organizações menos inclusivas. E abrir oportunidades para pessoas que cresceram em outras regiões é importante na montagem de times diversos.

A conclusão é óbvia: o fim do trabalho remoto irá expulsar essas pessoas do mercado de trabalho das grandes cidades. Entretanto, as empresas têm de responder a questões relevantes para manter essa modalidade.

A experiência tem mostrado que o desenvolvimento dos profissionais, especialmente os que estão iniciando a carreira, é acelerado com o trabalho presencial. E, se as empresas têm papel fundamental em universalizar as oportunidades de trabalho, também precisam oferecer condições de crescimento. Como dar oportunidades equânimes para os trabalhadores remotos? Essa questão precisa ser bem respondida, ou corremos o risco, no longo prazo, de acentuarmos as diferenças a favor de um determinado grupo (no caso, os que podem aceitar o modelo híbrido).

A integração dos novos profissionais é algo que precisa ser bem resolvido no trabalho remoto. Novos entrantes não conhecem os processos e a cultura da empresa, não têm laços com os colegas de trabalho e, em alguns casos, nem mesmo com as tarefas que serão realizadas.

É verdade que muitas empresas possuem uma biblioteca virtual com materiais de apoio e metodologia a ser seguida, mas não há como negar que o estar presencialmente no escritório, aprendendo ao vivo com os colegas de trabalho, esclarecendo dúvidas em tempo real, sem tem que esperar respostas no chat, agendar uma reunião ou ler inúmeras páginas de manuais, acelera o desenvolvimento profissional.

Este “onboarding” presencial propicia atalhos ao processo de aprendizado. Sem contar com os famosos cafezinhos, uma forma muito efetiva de ampliar o networking e criar vínculos, algo muito importante no mundo corporativo.

Uma empresa analisou o desempenho de seus colaboradores ao longo de um ano, considerando a frequência com que trabalharam presencialmente. Coincidência ou não, os profissionais que mais evoluíram no último ano foram os que estiveram mais presentes no escritório. Será essa uma realidade?

É fato: alguns aprendizados são muito mais efetivos na modalidade presencial.

Também há uma questão de civilidade que envolve o trabalho presencial. A necessidade do deslocamento para o escritório e o contato pessoal com os colegas ampliam a consciência das pessoas sobre “a vida como ela realmente é”, ou seja, interagir com outras pessoas em situações como trânsito, transporte público, restaurante, filas entre outras interações sociais potencializa nossa visão de mundo. Qual o impacto no longo prazo provocado pelo isolamento no trabalho 100% remoto? Isso é uma questão fundamental que precisa ser muito bem estudada.

Enfim, não há uma resposta certa ou errada, mas a tomada da decisão por parte da organização requer uma análise cuidadosa das diferentes perspectivas, entre elas a inovação, a produtividade, as oportunidades de desenvolvimento, bem como adaptação e a resistência ao modelo proposto. Os gestores da área de Recursos Humanos podem ajudar os líderes de negócio compartilhando estes distintos pontos de vista e provocando reflexões.

Ao encontrar um equilíbrio entre essas abordagens, as empresas poderão construir um ambiente de trabalho eficiente, sustentável e alinhado com a cultura e os valores de cada organização. O desafio está lançado.

*Tatiana Porto é diretora de People da NTT DATA Brasil.

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