Carreira

Não será só a IA que vai transformar a sua empresa

Nenhuma tecnologia prospera em ambientes que ainda funcionam emocionalmente no modo analógico

É no espaço entre o que a empresa diz e o que ela realmente sente que a transformação acontece — ou morre (andreswd/Getty Images)

É no espaço entre o que a empresa diz e o que ela realmente sente que a transformação acontece — ou morre (andreswd/Getty Images)

Joaquim Santini
Joaquim Santini

Pesquisador, consultor e palestrante sobre a vida organizacional

Publicado em 11 de dezembro de 2025 às 12h46.

Tudo sobreMundo RH
Saiba mais

A inteligência artificial deixou de ser promessa e se tornou rotina. Ferramenta acessível, democrática e com impacto real no trabalho diário, ela já transformou a forma como pensamos, agimos e solucionamos problemas. Mesmo após três décadas acompanhando mudanças organizacionais, ainda me impressiona o quanto a IA expande nossa capacidade de análise e decisão.

Mas a verdade é simples: nunca tivemos tanta tecnologia - e nunca ficou tão claro que ela, sozinha, não resolve nada. A maioria das empresas reage à IA como reagiu a todas as inovações anteriores: discurso entusiasmado, gesto cauteloso, resistência silenciosa.

Não falta ferramenta. Falta permissão simbólica. É no espaço entre o que a empresa diz e o que ela realmente sente que a transformação acontece — ou morre.

O que a IA desperta nas pessoas (e quase ninguém reconhece)

Ao trabalhar com executivos que decidiram colocar a IA no centro da estratégia, percebi algo recorrente: as pessoas não têm medo da máquina; têm medo do espelho.

A IA escancara uma sensação profundamente humana — a de que o mundo acelerou mais rápido do que nossa própria identidade profissional conseguiu acompanhar. Ela nos provoca a responder perguntas incômodas:

  • O que ainda é insubstituível em mim?
  • O que me torna relevante?
  • Como ser “bom” quando o padrão muda a cada manhã?

É esse desconforto, e não o software, que define o destino de uma empresa.

Um teste simples que revela tudo

Em reuniões, costumo perguntar: “Quem usou IA esta semana para resolver um problema real?”

A resposta importa menos do que o clima que se instala na sala:

  • Silêncio constrangido revela medo.
  • Brincadeiras revelam resistência.
  • Justificativas longas revelam culpa.
  • Relatos espontâneos e orgulhosos revelam maturidade cultural.

A tecnologia funciona onde o ambiente permite.
E ambiente não se compra — se constrói.

O paradoxo brasileiro: empresas digitais com almas analógicas

O Brasil vive um contraste curioso. De um lado, empresas automatizadas, reorganizadas, digitalizadas. De outro, rituais emocionais que pertencem ao século passado:

  • valorização do esforço visível,
  • obsessão por controle,
  • medo de errar,
  • dependência da hierarquia como porto seguro.

É por isso que tantos projetos de IA viram vitrines bonitas, mas pouco vivas.
Como colocar um motor elétrico em um carro que ainda insiste na combustão. Ele até anda — mas nunca entregará o que poderia.

A pergunta não é se a empresa tem IA.
É se tem uma cultura que tolere, acolha e cresça com a IA.

O que aprendi em 31 anos acompanhando transformações

Nenhuma transformação se sustenta sem tocar no que as pessoas realmente sentem. Ferramentas, dashboards e treinamentos servem apenas até a porta da cultura. Se o ambiente emocional não muda, a tecnologia vira vidro: admirável, transparente — e intocada.

Nos últimos dois anos, acompanhei oito empresas na transição em que a IA deixou de ser projeto e virou identidade. A diferença nunca estava no orçamento.
Estava na coragem de enfrentar aquilo que paralisa as pessoas:

  • medo da irrelevância,
  • luto pelo que já não volta,
  • orgulho do que funcionou,
  • dificuldade de aceitar que o futuro exige outra energia.

Quando esses temas emergem, algo se desbloqueia. E a IA deixa de assustar — ela inspira.

Empresas que prosperam com IA têm uma característica rara: atmosfera

Ambientes preparados para a IA não são apenas eficientes — são vivos.

Neles:

  • Experimentar é hábito, não ameaça.
  • Mostrar algo feito com IA gera admiração, não constrangimento.
  • Importa menos quem sabe mais e mais quem aprende mais rápido.
  • O ego perde peso; a curiosidade ganha espaço.

E então a empresa começa a mudar. Não porque instalou IA, mas porque abriu espaço emocional para o novo.

O segredo nunca é tecnológico. É atmosférico. É emocional. É cultural.

O futuro não espera, mas pode ser construído com graça

Aos 68 anos, afirmo: nunca houve momento tão estimulante para trabalhar com organizações.
A IA não diminui ninguém. Ela amplia. Liberta do repetitivo. Devolve tempo, clareza, foco.
Abre espaço para que os humanos sejam ainda mais humanos.

Mas isso só acontece onde vulnerabilidade não é fraqueza, aprendizagem não é vergonha e o futuro não é um intruso - é um convidado.

No fim, tudo é sobre pessoas

A pergunta que define o destino de qualquer empresa não é: “Vamos usar IA?” Todas usarão.

A pergunta real é: “Temos uma cultura capaz de receber a IA sem tentar expulsá-la emocionalmente?”

Se a resposta for “ainda não”, não há problema algum. Significa apenas que o ponto de partida é o mais importante de todos: o humano.

Porque a IA não transforma empresas. Ela apenas revela quem está disposto a transformar-se. E é nesse exato lugar que mora a maior oportunidade.

Acompanhe tudo sobre:Mundo RHInteligência artificialAmbiente de trabalhocultura organizacional

Mais de Carreira

Jovens querem seu feedback - só que estruturado e embasado

Como responder perguntas de entrevista sem perder sua essência

Como esse jovem transformou cupons de estudante em um negócio de £30 milhões

Três estratégias financeiras para líderes com pouco tempo e grandes metas