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Na Heineken, basta “levantar a mão” para cuidarem da sua saúde mental

Na pandemia, o grupo lançou uma plataforma interna que aproxima os funcionários de atendimento médico, psiquiátrico e psicológico

Fábrica da Heineken: grupo tem 13 mil funcionários no Brasil (Andrey Rudakov/Bloomberg/Getty Images)

Fábrica da Heineken: grupo tem 13 mil funcionários no Brasil (Andrey Rudakov/Bloomberg/Getty Images)

Victor Sena

Victor Sena

Publicado em 11 de dezembro de 2020 às 15h45.

Última atualização em 12 de dezembro de 2020 às 11h22.

Segunda maior cervejaria do país, com mais de 13 mil colaboradores, o Grupo Heineken entende que para ter acesso à saúde mental basta pedir. Ou melhor: “levantar a mão”. Na pandemia, a empresa lançou uma plataforma interna que aproxima os funcionários de atendimento médico, psiquiátrico e psicológico. 

Independentemente da pandemia, o desenvolvimento de programas de saúde mental e a valorização da inteligência emocional, e das chamadas soft skills, tem ganhado espaço nas empresas. 

No Grupo Heineken, o programa de saúde mental tem três pilares: informações com pílulas de conteúdo mensais, suporte de saúde com equipe interna para os colaboradores que solicitarem apoio e treinamento da liderança. Tudo em uma plataforma digital integrada. A grande concorrente do grupo no Brasil, a Ambev, também se movimenta nessa área e criou um cargo para uma diretora de sáude mental.

Em entrevista à EXAME, o gerente de Saúde Corporativa do grupo, Gustavo Locatelli, conta que um dos principais caminhos para garantir a saúde mental das empresas é oferecer um canal com comunicação facilitada.

Além disso, os programas de acompanhamento dos funcionários precisam ter autoridade para interferir em equipes, e definir com a liderança como melhorar a qualidade de vida de um funcionário. Gustavo está há dois anos na empresa, quando a Heineken decidiu concentrar suas iniciativas de saúde do trabalho em um só programa. Na pandemia, criou a plataforma digital Heineken Cuida.

“O Heineken Cuida tem o patrocínio da alta liderança, porque ele é sustentável. Se algum colaborador da linha de produção, por exemplo, precisa de amparo, nós fazemos as adequações, mesmo que isso impacte a produção. Se alguém está com dificuldade emocional, ele vai ter as suas atividades ajustadas”, diz Gustavo. 

Durante a pandemia, o que mudou nas iniciativas de saúde mental da empresa?

Nós temos hoje 12 ambulatórios nas nossas cervejarias e100% dessa equipe vem sendo renovada nos últimos dois anos. Justamente porque a gente queria tirar o estigma de que o ambulatório da cervejaria é só para tratar acidentes. Queríamos que eles fossem vistos como porta de entrada para toda e qualquer queixa, incluindo ansiedade e depressão.

Com a pandemia, uma série de demandas do ponto de vista emocional passaram a chegar no time. As pessoas não estavam sabendo lidar com o que estava acontecendo. E isso fez com que criássemos um programa maior, que é o Heineken Cuida. Assim, não direcionamos só para o psicólogo ou psiquiatra, mas cuidamos da pessoa.

Como é a atuação da Heineken Cuida?

A frente de informação é simples, lúdica e descomplicada. Quando a gente pensa no colaborador, tem que ser do executivo do prédio central até o caminhoneiro que faz a distribuição.

A informação tem que ser compreensível. Já a frente dos canais de ajuda é voltada para as pessoas que estão precisando de cuidados. A partir daí, são incluídas em uma plataforma digitalizada e são acompanhadas, com os profissionais de saúde.

Gustavo Locatelli: "Com a pandemia, uma série de demandas do ponto de vista emocional passaram a chegar no time."

Gustavo Locatelli: "Com a pandemia, uma série de demandas do ponto de vista emocional passaram a chegar no time." (Heinken/Divulgação)

Como esse pilar da informação funciona?

Desde setembro, temos a pausa da saúde mental. Uma vez por mês bloqueamos a agenda de todos os trabalhadores. E buscamos fazer isso de forma atrativa porque falar de saúde mental é chato se olhamos só para a perspectiva da doença. Nos canais de informação, criamos um mascote, que é um personagem que traduz as informações técnicas. E isso gera proximidade. Também criamos stickers de WhatsApp e temos uma websérie chamada “Os dilemas do novo normal”.

Como a Heineken vê o aspecto da mudança cultural nas empresas como algo que também influencia a saúde mental?

Isso está além da minha alçada, mas eu vejo como minha responsabilidade levantar esse tema na companhia e fazer as provocações necessárias. Qual é a expectativa para esse novo líder do futuro? Primeiro ele tem que aceitar que ninguém é 100% produtivo todos os dias. A expectativa da perfeição ou do profissional workaholic é incongruente com o novo mundo. Como líder, você tem que aceitar que as pessoas são diversas, com habilidades diferentes.

No Heineken Cuida, os colaboradores falam dos sintomas, mas também falam do que levou àquilo. Às vezes tem a ver com a família, vida pessoal, mas pode ser um relato de que um gestor não tem respeitado os limites de trabalho no home office. Aí convidamos o gestor para uma conversa e orientamos.

O que é um ambiente psicologicamente seguro para evitar dinâmicas de poder que geram assédio moral e sexual?

Isso vai além da questão de saúde e tem a ver com uma dinâmica de mercado. Num mundo competitivo, com meritocracia ganhando espaço em muitas empresas, voltar os olhos para as relações interpessoais é a chave para o futuro.

O treinamento da liderança prevê isso. Somos totalmente intolerantes a essas práticas. A política para isso é global, e existe um canal para denúncias estabelecido. Se isso chega via as equipes de saúde mental, isso é encaminhado. Se uma área está mostrando ter mais relatos de problemas de saúde mental, é papel do Heineken Cuida entender o que está por trás.

O que temos que dizer para a liderança nesses treinamentos?

Antigamente, dizíamos que as pessoas tinham que deixar seus problemas em casa e chegar como uma página em branco para trabalhar. Isso não é mais verdade. Isso não corresponde mais à nossa realidade.

Aquela ideia de que as pessoas são vários personagens acabou. O colaborador é uma pessoa só. O líder precisa entender o colaborar como um ser integral, com um universo de emoções. Não há problema algum em o colaborador estar um pouco mais angustiado em um dia. Eu preciso sensibilizar a liderança disso. 

 Que efeitos você tem visto desde que o Grupo começou a investir mais nessa área?

Antes, falar sobre saúde mental tinha uma certa aridez, especialmente na Heineken, que tem um público masculino. Falar disso não era muito simples. Quando começamos os programas, em 2018, a adesão era baixa.

Hoje, tem mais naturalidade e a pandemia acelerou esse processo. Com os canais, estabelecemos uma relação de confiança porque eles perceberam que trazer seus temas era seguro. 

Como uma grande cervejaria, que tem os produtos alcoólicos como a principal fonte de receita lida com aspectos da saúde mental relacionados ao alcoolismo e dependência química?

No Grupo Heineken, o consumo responsável é um dos pilares importantes. A Heineken não dialoga com perfis de consumo que não seja responsável. Isso vale para consumidores e colaboradores. Temos várias frentes nessa área. Comunicamos o que acreditamos como consumo responsável e mapeamos as pessoas que eventualmente fazem uso excessivo, com acompanhamento. Se alguém se identifica nessa situação, ele “levanta a mão” e é cuidado.

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