Carreira

O susto com a mudança da lei sobre teletrabalho já passou

Mudança na legislação sobre trabalho a distância assustou algumas companhias, mas na prática pouco afetou as relações entre empregador e funcionário

Teletrabalho - Muito barulho por nada (Ilustração: Denis Freitas)

Teletrabalho - Muito barulho por nada (Ilustração: Denis Freitas)

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Da Redação

Publicado em 29 de novembro de 2013 às 18h12.

São Paulo - Agora é lei: trabalho realizado a distância é tempo de serviço. Graças a uma mudança na Lei 12 551, que alterou o Art. 6o da CLT, quem trabalha em casa, na praia ou em qualquer outro lugar onde possa ser acionado e receber ordens do chefe, por celular ou internet, tem os mesmos direitos de quem aparece todo dia na empresa.

Além de colocar na berlinda o tema teletrabalho, a mudança na legislação veio num momento em que, cada vez mais, o uso da tecnologia permite não só o trabalho remoto, mas também flexibilidade na jornada. Uma pesquisa feita com 450 organizações no Brasil em 2011 pela Hays Recruiting Experts Worldwide, empresa especializada em recrutar profissionais para média e alta gerência, mostra que 31,2% das corporações já adotam o sistema de home office. E a tendência é só aumentar.

Justamente por ter cada vez mais empresas aderindo ao modelo flexível, a novidade na legislação causou certo alvoroço nas organizações. “Muitos clientes me procuraram preocupados”, diz Sônia Mascaro, doutora em direito do trabalho pela Universidade de São Paulo (USP) e consultora trabalhista que atende diversas companhias.

Na Braskem, empresa líder das Américas em produção de resinas termoplásticas e maior produtora mundial de biopolímeros, com 6 750 funcionários, o gerente corporativo de relações trabalhistas e sindicais, Homero Arandas, teve de entrar em cena para apagar incêndio. “A informação que veio à tona era de que a partir de agora todo telefonema fora do expediente caracterizaria hora extra, e não é bem assim”, diz. 

Não é bem assim mesmo. O que precisa ficar claro é que a lei passa a reconhecer que usar os meios telemáticos, vulgo telefone ou internet, para cobrar ou dar ordens aos funcionários vale tanto quanto cobrar ou dar ordens frente a frente. “Tudo é uma questão de bom senso e de não exagerar de ambas as partes”, afirma Arandas.

Para o advogado Rodolpho Finimundi, coordenador do departamento de direito trabalhista do Braga Nascimento e Zilio Advogados, de São Paulo, houve muito barulho por nada. “Trata-se de uma alteração só para atualizar a realidade de hoje; o que interessa para o juiz é o que de fato acontece”, afirma. “Se o funcionário tem como comprovar, o juiz descaracteriza qualquer formalidade.”

Rogério Leal, também advogado especialista em direito do trabalho, de São Paulo, concorda. “Já é comum o uso de e-mails e contas telefônicas para comprovar horas extras trabalhadas”, explica. “A mudança na lei simplesmente regulamenta uma realidade que já era reconhecida.”


A norte-americana P&G no Brasil, que formalizou há dois anos sua política de home office e de trabalho flexível para os funcionários com mais de um ano de casa (cerca de 1 000 pessoas), não mexeu um dedo por causa da alteração na lei. Atualmente, 500 funcionários — do nível técnico e gerencial — aderiram à iniciativa.

A política de home office possibilita aos colaboradores trabalhar até três dias por semana fora da empresa. Já a prática do trabalho flexível mexe com o horário, permitindo que os funcionários deixem o trabalho duas ou quatro horas mais cedo às sextas-feiras, ou cheguem duas ou quatro horas mais tarde às segundas-feiras.

Segundo Ricardo Rios, gerente de recursos humanos da P&G do Brasil e América Latina, a empresa não exerce nenhum tipo de controle para fiscalizar as horas trabalhadas pelos funcionários dentro ou fora da companhia. “Um dos nossos valores é a confiança, e o nosso compromisso é com o resultado, então, se alguém tiver má-fé, a gente assume o risco”, afirma o gestor, que por causa dessa política pode dar banho diário nas filhas gêmeas, que nasceram há dois meses, durante o tempo que seria parte do expediente. “Por isso, a mudança da lei não teve absolutamente nenhum impacto na P&G.” 

Apesar de a prática adotada pela P&G ser uma tendência no mundo corporativo, Gustavo Henrique Coimbra Campanati, professor e advogado especialista em direito do trabalho e empresarial, de Sorocaba, em São Paulo, alerta: “Jornadas abertas, sem controle exercido pelo empregador, deveriam constar no contrato de trabalho”. Segundo o advogado, se amanhã um funcionário que se beneficiava da política de home office alegar que fez muitas horas extras, vai ganhar a causa. “Não adianta fazer um acordo de boca.”

O Grupo Queiroz, gigante de infraestrutura, com 7 000 funcionários diretos e 8 000 indiretos, está adotando ferramentas justamente para se livrar das horas extras. Há um ano, o grupo introduziu o trabalho a distância e adotou o banco de horas.

“Com isso, o próprio funcionário lança, independentemente se fica no escritório ou em outro lugar, as horas trabalhadas”, explica Frank Araújo, diretor de recursos humanos do Grupo Queiroz. “Assim, podemos fazer uma gestão de excesso de jornada mensalmente, atuando para evitar as complicações que ela possa causar.”

Pesquisa feita em 2010 pela International Stress Management Association (Isma), associação voltada à pesquisa e ao desenvolvimento da prevenção e do tratamento de estresse no mundo, com 1 000 profissionais em São Paulo, Rio de Janeiro e Porto Alegre, aponta que quem trabalha em casa tende a ter uma jornada com três horas a mais no expediente.


“É fato que as jornadas de trabalho estão mais longas, e a tecnologia tem a ver com isso”, diz Ana Maria Rossi, presidente da Isma-Brasil. Segundo Ana Maria, embora seja muito comum ouvir gestores dizendo que recomendam aos funcionários não trabalhar depois do expediente, eles próprios enviam e-mails após as 20 horas. 

“Já vi chefe que ligou para o subordinado às 5 horas para falar sobre uma apresentação que seria feita no dia seguinte!”, conta. 

De qualquer modo, conforme lembra Ana Maria, é fato que, ao fornecer celular e notebook, a empresa está dando um recado, ou seja, se o profissional tiver de estender a jornada terá condições para isso. Por fim, algumas vezes as pessoas nem precisam ser solicitadas pela chefia, mas, por uma autoimposição, querem mostrar serviço. “Esse é o pior dos três casos”, comenta.

É preciso reconhecer que muitas organizações, seja por altruísmo ou para evitar futuras despesas trabalhistas, tentam inibir os excessos, recomendando ou até proibindo o uso da tecnologias após o expediente, como fez recentemente a Volkswagen da Alemanha ao desligar o Blackberry corporativo dos funcionários após o horário de trabalho.

Essa nova realidade deve alterar, segundo o advogado Gustavo Campanati, não só o jeito de compensar o trabalho como também a forma de contratação. Hoje, a remuneração é calculada com base nas horas trabalhadas, quando deveria ser mensurada por outro índice, como performance, o que acontece dos cargos gerenciais para cima.

“É uma volta às raízes remunerar pelo que se produz, e não pelo tempo disponível ao empregador”, explica. Mais do que apenas alterar um artigo da CLT, volta-se à crítica sobre atualizar toda a legislação trabalhista. “É preciso modernizar a CLT e rever as relações de trabalho”, completa Campanati. 

De acordo com o advogado Rogério Leal, a lei só fala o óbvio. “O que falta é uma disciplina no Direito para tratar sobre as especificidades do teletrabalho”, comenta. “A lei sempre vem antes da realidade, nunca foi o inverso, mas pode levar um tempo para alcançar os novos tempos”, conclui a doutora Sônia Mascaro. 

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