Carreira

MP 927 suspende o contrato de trabalho por 4 meses: o que muda?

Segundo o governo, a MP é uma forma de "evitar as demissões em massa"; para advogados, medida deixa o trabalhador desprotegido

Salário: com nova MP, pagamento pode ser suspenso por 120 dias (CSA Images/Getty Images)

Salário: com nova MP, pagamento pode ser suspenso por 120 dias (CSA Images/Getty Images)

Tamires Vitorio

Tamires Vitorio

Publicado em 23 de março de 2020 às 11h02.

Última atualização em 23 de março de 2020 às 14h21.

Neste domingo (22), o governo do presidente Jair Bolsonaro editou uma medida provisória que permite que contratos de trabalho sejam suspensos por até quatro meses, o período que dura a declaração de calamidade pública. No ínicio da tarde desta segunda-feira (23), Bolsonaro afirmou que irá revogar o artigo da medida que fala sobre a suspensão do pagamento salariais.

A medida faz parte de um pacote para lidar com a pandemia de coronavírus. Segundo o governo, a MP é uma forma de "evitar as demissões em massa".

Mas o que isso implicaria na vida do trabalhador?

"Na prática isso significa que o governo jogou todo o ônus da crise econômica nas costas do trabalhador. As empresas estão ganhando crédito para se manter nessa época. Para o empregado, sobrou a parte ruim", explica o advogado trabalhista Ronaldo Tolentino, sócio da Ferraz dos Passos Advocacia.

Com a MP, as empresas têm as seguintes opções para lidar com a crise: o empregador pode dar férias coletivas, pode antecipar as férias individuais ou feriados e pode, por fim, suspender os contratos e salários.

Durante o período de suspensão, o valor do Fundo de Garantia (FGTS) não será recolhido. A empresa pode recolher o fundo ao fim dos quatro meses, sem juros e sem multa.

A CLT prevê que, quando o trabalhador tira férias, deve receber o salário mais um terço antes de aproveitar o benefício. Com a MP, se o descanso for antecipado, o valor pode ser pago somente depois dos quatro meses e o 1/3 até o final do ano, junto ao 13º.

A MP não garante estabilidade e coloca o "acordo individual" como principal forma de decisão. Para Tolentino, isso deixa o trabalhador desprotegido. "Fica complicado: ou você aceita a suspensão do contrato, ou é mandado embora. É um acordo individual onde as partes não estão em pé de igualdade", explica.

Caso as empresas optem por suspender o contrato dos funcionários, elas devem fornecer um curso de capacitação não presencial. Esse já era um ponto previsto na CLT.

"Mas como o funcionário vai se alimentar? Como ele vai pagar a internet para ter acesso a isso? É muito complicado se a gente pensar na situação brasileira. A maioria dessas pessoas não consegue fazer uma reserva, recebe o salário e já está tudo ali empenhado com alimentação, educação, saúde", afirma o advogado trabalhista Mauricio Corrêa da Veiga, sócio do Corrêa da Veiga Advogados.

A medida prevê uma ajuda de custo facultativa ao colaborador no período da suspensão do contrato, sem valor mínimo especificado.

Para o contrato ser suspenso, o funcionário precisa concordar. Uma vez que ele concordar, não existe outra opção: o contrato será suspenso, o curso será oferecido e ele terá de esperar o período acabar.

A situação muda caso o funcionário não aceite e a empresa o suspenda mesmo assim. "Dessa forma a suspensão não tem validade e ele poderá reivindicar depois toda a verba que ele teria direito nesse período", garante Marcelo Mascaro, advogado sócio na Mascaro Nascimento Advogados.

Quando o período de suspensão acaba, na CLT, existe uma garantia do emprego e o funcionário não pode ser dispensado por um certo tempo. "A MP não traz nenhuma previsão sobre isso. Para se preservar os empregos, efetivamente, seria interessante ter um ponto que aborde isso", afirma Mascaro.

Toletino acredita que a medida pode causar um problema social grave. "O trabalhador vai conseguir comprar comida, vai conseguir pagar as suas contas? Em situações mais extremas, pode gerar saques nas ruas", diz.

Para Veiga, economicamente falando, em um futuro próximo, a MP trará mais problemas do que soluções. "Não adianta você salvar sua empresa e deixar ali uma massa de desempregados e um contingente que não tem a menor estrutura para poder consumir. Se não houver uma distribuição de renda ou um auxilio maior do próprio governo, o futuro será catastrófico", diz.

Mais cedo, Jair Bolsonaro publicou em seu perfil no Twitter que "o governo entrará com ajuda nos próximos 4 meses, até a volta normal das atividades do estabelecimento". Na MP atual não está previsto nenhum tipo de auxílio governamental.

Por se tratar de uma medida provisória, ela passa a ser válida imediatamente, mas precisa ser votada pelo Senado e pela Câmara dos Deputados em até 120 dias (ou seja, os quatro meses previstos para a suspensão).

Outros países tomaram decisões econômicas diferentes para proteger os trabalhadores.

O Reino Unido, por exemplo, afirmou que vai bancar 80% do salário dos empregados em meio à crise do coronavírus.

Já os Estados Unidos permitirão que trabalhadores de empresas com até 500 funcionários que estejam contaminados com o vírus tirem duas semanas de licença remunerada do trabalho, com pagamento integral do salário durante o período de afastamento.

Em Portugal, quem ficar em casa para cuidar de filhos menores de 12 anos vai receber dois terços do salário --- um terço pago pelo governo. Os autônomos no país receberão uma ajuda de custo do governo por até seis meses.

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