Carreira

Minha mulher parou no meio do caminho

Vera não estudou. Preferiu cuidar da casa e dos filhos enquanto Rômulo ascendia. Agora, Rômulo se pergunta: ela ou a carreira?

EXAME.com (EXAME.com)

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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h34.

Rômulo e Vera casaram-se há oito anos, ele com 22 anos, ela com 19. O relacionamento entre eles sempre foi muito bom. Mas nos últimos tempos o casamento tem incomodado Rômulo. Tanto ele quanto Vera vêm de famílias de classe média. Vera nunca trabalhou, estudou apenas até a sétima série e não fala nenhuma língua estrangeira. Desde o casamento, ela dedica-se apenas à casa e aos dois filhos do casal. Rômulo, ao contrário, batalhou para fazer faculdade, cursos de pós-graduação e de línguas. Agora é gerente de uma empresa multinacional em expansão.

Rômulo está numa fase da carreira em que precisa freqüentar tanto os encontros de negócios quanto as reuniões sociais com diretores, fornecedores e clientes. Nos encontros sociais, os executivos vão acompanhados das mulheres ou dos maridos. Rômulo sempre aparece sozinho. Vera nunca quer acompanhá-lo. Ela alega que não se sente à vontade nesses ambientes.

A ausência de Vera nessas ocasiões não tem passado em branco. Os diretores já manifestaram interesse em conhecê-la. Nos últimos tempos, Rômulo vem percebendo que essa situação pode vir a prejudicá-lo numa possível indicação para um cargo no exterior. Seu chefe já deixou escapar que ele e sua família teriam problemas de adaptação em um outro país. A razão seria a dificuldade de sua mulher manter um relacionamento social. Embora ame Vera, Rômulo não está gostando nada disso. E se pergunta até que ponto as diferenças de nível cultural e profissional de Vera podem afetar sua carreira. Será possível conciliar as limitações de Vera com seus objetivos de ascensão profissional?

Respondendo objetivamente à pergunta, eu diria que é impossível conciliar as limitações de Vera com os objetivos de ascensão de Rômulo. Da forma como os dois estão tratando o assunto a crise é apenas uma questão de tempo. Não há saída? Claro que há. Porém, exigirá uma mudança de atitude dos dois. Sim, também de Rômulo, que provavelmente desestimulou Vera na primeira oportunidade de um encontro social e deve ter comentado quanto é difícil e delicado atuar num ambiente desses. Imagino até que Rômulo deve ter aproveitado aquele momento para se valorizar perante a esposa. É até comum no início do casamento o casal fazer algumas escolhas, como a de privilegiar o crescimento profissional de um dos dois. O objetivo é alavancar a situação financeira do casal. Mas, depois, ambos trabalham para tirar a diferença daquele que foi sacrificado a princípio. O difícil é saber a partir de quando isso deve ocorrer.

Esse é o caso de Vera e Rômulo. Eles deixaram passar muito tempo e as diferenças se acentuaram demais. O primeiro passo para resolver o problema é que os dois façam um trabalho de autoconhecimento. Se existe amor entre os dois então existe força suficiente para superar qualquer obstáculo. O amor aqui não pode ser entendido como algo piegas, mas como uma força poderosa capaz de gerar mudanças. Não esqueçamos que Rômulo ama a sua carreira. O passo seguinte é retomar o relacionamento, os valores e os objetivos comuns que os uniram. Um papo calmo. Uma decisão serena de ajuda mútua. Um bom plano. E aí, ação: Vera deverá trabalhar seus fantasmas reconhecendo-os e eliminando-os. Uma maneira de fazer isso é conversando com casais que passaram por situações semelhantes ou contar com a ajuda de um ana-lista, o que poderá ser de grande valia.

Ela deverá resgatar sua capacidade intelectual porque a vida exige crescimento e evoluções constantes. Deverá se esforçar para completar o primeiro e segundo grau. Daí para a frente há um mundo enorme para Vera percorrer: pintura, música, línguas, leituras e tantas outras coisas que podem ser vivenciadas entre as viagens e os jantares sociais do marido. Vera estará consolidando seus conhe-cimentos e crescendo como pessoa. E Rômulo? Ah! O Rômulo. Se ele aproveitou o que aprendeu na faculdade e na pós-graduação e reconhece o apoio que Vera deu para alavancar a sua carreira, então poderá usar toda a sua competência e criatividade para apoiar o crescimento da mulher. Afinal, o final feliz só tem sentido se puder ser compartilhado.

Vicente Picarelli Filho é formado em economia e administração, com vários cursos de especialização no Brasil e no exterior. É sócio-diretor da Coopers & Lybrand, responsável pela consultoria de recursos humanos no Brasil

Rômulo deveria estar preocupado única e exclusivamente com sua performance profissional. É o resultado do seu trabalho, mais a cooperação e a participação nos objetivos da empresa, que deve contar pontos na hora de uma promoção. Não os seus problemas pessoais. Isso vale também para o caso de a empresa decidir enviá-lo ao exterior. Rômulo não pode ser prejudicado porque sua mulher não é muito sociável.

Cada vez mais as empresas vêm procurando humanizar as relações de trabalho. Uma maneira de fazer isso é se-parar o lado profissional do lado pessoal de seus funcionários. A tendência da gestão de recursos humanos é a de julgar o profissional, não o indivíduo. É claro que, algumas vezes, fatores pessoais são levados em conside-ração quando claramente afetam a qualidade de trabalho do profissional. Nesse momento, a melhor estratégia que as empresas podem adotar é considerar o seu histórico e o seu potencial profissional. Outra atitude louvável da empresa é a de ajudá-lo a superar a crise. Cabe ao chefe mostrar a Rômulo o que eventualmente ele pode ou deve fazer para ter uma performance absolutamente perfeita tanto na vida particular quanto na carreira.

A questão é saber se Rômulo concorda com as políticas da empresa. Em caso positivo, o melhor caminho é conversar com Vera. Ele deve mostrar à mulher quanto a vida da família foi alterada por influência do seu trabalho e de sua carreira. E que, como tudo na vida, há um preço a pagar por isso. Vera, por sua vez, deveria procurar formas de apoiar o marido. Caso contrário, caberá a Rômulo administrar esse conflito com a empresa. As ocasiões em que a presença de Vera seria necessária são menores do que aquelas em que a eficácia dele é requisitada. Cabe a Rômulo solucionar o problema, se é que ele realmente existe. Rômulo precisa do emprego, ama a mulher e tem dois filhos para quem deve manter um lar.

Vicente Creazzo é diretor da TCP Gerência de Capital Humano, consultoria dedicada à seleção de executivos e ao treinamento e desenvolvimento de pessoal. A TCP está-se associando à MBA, consultoria ligada à London Business School

Uma leitura superficial desse caso poderia nos levar a uma posição de juiz. Rômulo, pobre marido esforçado, que luta para melhorar a condição econômica da família, vê suas chances de ascensão reduzidas por uma mulher inculta e anti-social. Pensando assim, só resta ao coitado a separação. Nada mais injusto a meu ver do que essa posição. O caso foi descrito apenas do ponto de vista de Rômulo. Por isso, proponho olharmos a situação pela ótica da mulher. Eu pergunto: qual terá sido o contrato de casamento desse casal? Não seria exatamente o de que Vera se dedicaria aos filhos e à casa enquanto assistia ao sucesso do marido?

Será que Vera se dá conta da importância de mudar seu comportamento, visando ao crescimento profissional do marido? Por outro lado, o que Rômulo deve fazer pelo desenvolvimento social e intelectual da mulher? Será que conversou com Vera sobre o assunto? Será que, durante estes anos de trabalho intenso de Rômulo, Vera sentiu-se igualmente atendida e valorizada pelo marido? Será que seu vínculo conjugal continua tão forte que compensa mudar sua vida de forma a atender às novas necessidades de Rômulo?

Esses são exemplos de perguntas que um casal pode se fazer em situações desse tipo. Penso que inúmeras são as alternativas que poderão decorrer dessa discussão. Mas só o casal poderá decidir o que é melhor para os dois. Essa decisão só será madura com muito diálogo. Se for necessário, o casal deve procurar ajuda de um terapeuta. O ideal é buscar respostas alternativas, sem se deixar prender por soluções estereotipadas e preconceituosas. Além do mais, eu não acho que é preciso tanto preparo intelectual para alguém participar desse tipo de encontro. A não ser para os próprios executivos, que às vezes tomam decisões importantes nesses momentos. Os outros participantes são apenas figurantes.

Por outro lado, a cumplicidade entre o casal muitas vezes leva ao cumprimento de obrigações como essas. O que deve ser questionado, então, não é se o casal deve ou não se separar. A questão é se os dois ainda têm valores comuns que justifiquem o casamento. Quem me garante que Rômulo não precisa inconscientemente de uma mulher que assuma a parte frágil de sua personalidade? Se isso for verdade, a separação só levará a uma grande infelicidade para ambos. E, caso Rômulo venha a se casar novamente, é provável que acabe olhando para outra mulher tão dependente dele como Vera.

Maria Rita Seixas é doutora em psicologia e coord. do curso de terapia de família da Escola Paulista de Medicina

Os personagens e o enredo desta seção são fictícios. Mas os especialistas chamados a dar sua opinião são genuinamente de carne e osso. Caso você tenha uma história a contar, entre em contato conosco pelo e-mail: avidacomoelae@email.abril.com.br

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