Max Gehringer aponta o principal erro que pode travar a carreira
Em entrevista exclusiva, comentarista da CBN e do programa "Fantástico", da Globo, analisa um problema que atrapalha a carreira de muitos brasileiros
Claudia Gasparini
Publicado em 26 de outubro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 26 de outubro de 2017 às 09h26.
São Paulo — Se existe uma pessoa que conhece bem as grandes (e pequenas) angústias da vida profissional do brasileiro, esse alguém é Max Gehringer.
Ao longo dos primeiros 13 anos como comentarista da rádio CBN, ele recebeu mais de 30 mil dúvidas dos ouvintes sobre gestão de carreira . Organizados em formato de lista, os questionamentos deram origem ao livro “Sua carreira direto ao ponto”, lançado este ano pela editora Benvirá.
Em entrevista exclusiva a EXAME, Gehringer diz que a principal dificuldade do brasileiro é aceitar o contraste entre a vivência na escola — mais permissiva e menos competitiva do que no passado — e a dura realidade do mercado de trabalho , marcada por pressões, hierarquia e disputa.
“A consequência tem sido a mudança constante de emprego, em busca do paraíso perdido”, explica o colunista do programa “Fantástico”, transmitido pela TV Globo .
Em um cenário de insatisfação, volatilidade e crise, construir uma carreira estável parece ser uma tarefa impossível — mas não é, segundo Gehringer.
O segredo está em evitar o pior erro que você pode cometer ao longo da sua vida profissional: imaginar que o empregador irá se adaptar às suas necessidades, e não o contrário.
“Cada empresa tem as suas próprias regras, e entendê-las é o primeiro passo na construção da carreira”, diz o autor.
Outra tendência perigosa é confundir emprego — algo, por definição, temporário — com carreira, um bem permanente que pode, sim, ser estável.
Na entrevista abaixo, Gehringer explica como conquistar equilíbrio sem recair na estagnação, e ensina a navegar de forma segura por um mercado de trabalho cada vez mais complexo. Confira:
EXAME - No seu livro, o senhor responde a centenas de dúvidas reais sobre a vida profissional. Qual é a maior dificuldade do brasileiro quando o assunto é carreira?
Max Gehringer - Atualmente, a maior dificuldade é a adaptação a uma nova realidade. De duas décadas para cá, as escolas brasileiras se abrandaram bastante em termos de exigências. Não há mais competição, notas baixas não são divulgadas e nem impedem a progressão acadêmica. Os professores perderam muito da autoridade que tinham sobre os alunos.
Ao ingressar no mercado, o jovem encontra o avesso de tudo isso. Competitividade, hierarquia, pressão por resultados e comparação direta com colegas. A consequência tem sido a mudança constante de emprego, em busca do paraíso perdido.
O senhor já disse em entrevistas que não existe mais plano de carreira . O que aconteceu? As empresas não querem mais desenvolver futuros líderes?
Muitas empresas mantêm o processo de avaliação de desempenho, mas ele passou a ser focado no curto prazo.A definição clássica do plano de carreira era a do horizonte mais amplo, entre três a cinco anos. Esse modelo é que está em extinção. O desenvolvimento se dá a partir dos resultados práticos imediatos, e os futuros líderes se desenvolvem aprendendo e executando em tempo real.
A estabilidade virou algo cada vez mais raro no mercado de trabalho brasileiro. Esse ainda é um valor para a maioria dos profissionais?
Sim, a estabilidade e a segurança continuam a ser valores desejáveis para a maioria. Mas há três outros fatores que compõem o perfil do “empregado feliz”: remuneração adequada, oportunidades de carreira e bom ambiente de trabalho.
Se existe alguma empresa no Brasil capaz de oferecer essas quatro coisas ao mesmo tempo, eu nunca ouvi falar dela.
O empregado de empresas privadas do século XX era mais paciente ou mais conformado, e por isso arriscava menos. O do século XXI é mais imediatista e mais ambicioso, e por isso muda de emprego com mais frequência.
Qual é a consequência do encurtamento das passagens por cada empresa?
A rotatividade é o resultado de expectativas não preenchidas. A empresa não é o que o funcionário esperava, o chefe não é compreensivo, o ambiente não é bom, as oportunidades demoraram demais a surgir.
Entre continuar insistindo ou procurar outra empresa que possa ser mais adequada, a segunda opção parece mais lógica para a maioria.
Essas transições irão mostrar que não existem empresas perfeitas, algo que os antigos funcionários estáveis já desconfiavam, mas que os jovens estão agora preferindo aprender na prática.
Ainda é possível ter uma carreira estável, apesar do mau momento do mercado de trabalho?
É bom lembrar que a crise não fez o trabalho evaporar. O desempregado é uma exceção. Dolorosa, é verdade, mas que atinge a uma minoria. Neste momento, muitas carreiras estão em evolução, e futuros presidentes de empresas estão ingressando agora no mercado de trabalho.
Como sempre aconteceu e continuará a acontecer, alguns irão se destacar mais que outros, e receberão o devido reconhecimento profissional. As crises vão e vêm, mas a carreira continua com elas ou sem elas.
Como construir uma carreira estável, mas não estagnada?
A tendência a confundir emprego com carreira continua forte. Um emprego é sempre temporário, e pode ser encerrado a qualquer momento por uma decisão da empresa. Já uma carreira é permanente, e pertence ao profissional, e não à empresa em que ele está trabalhando.
Investir na carreira é fazer por conta própria cursos que o trabalho atual não exige, é criar um círculo de contatos que possam ser úteis no futuro, é extrair o melhor do emprego presente para ser reconhecido pelo mercado como um profissional competente e desejável. A estagnação costuma ocorrer quando alguém acredita que está tranquilo e não precisa mais investir em si mesmo.
Qual é o principal erro estratégico que costuma travar a ascensão profissional?
Imaginar que a empresa irá se adaptar ao empregado, e não o contrário. Nenhum empregado é contratado por uma empresa para ser um sucesso.
Todos são contratados porque há um trabalho a ser feito, e aqueles que melhor se desempenharem irão, no devido tempo, receber trabalhos mais desafiadores e promoções. Cada empresa tem suas próprias regras, e entendê-las é o primeiro passo na construção da carreira.