Edival Lourenço na Cidade Proibida, na China: MBA rendeu a ele emprego de gerente na estatal chinesa (Arquivo pessoal / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 11 de março de 2013 às 15h50.
São Paulo - Ao longo dos últimos dois anos e meio, o goiano Edival Lourenço, de 29 anos, experimentou aquilo que se pode chamar de uma vida de privações. Cortou os churrascos em casa nos fins de semana, a cerveja com os amigos e o sorvete da lista de supermercado.
Em um lance mais radical — e eficiente — do processo de juntar grana para um MBA internacional na Universidade de Pequim, na China, foi morar com a sogra por sete meses e colocou o apartamento em que vivia com a esposa para alugar, livrando-se assim dos gastos com o financiamento do imóvel. Após a venda de dois automóveis mais a grana amealhada com a rescisão do contrato de trabalho da esposa, a psicóloga Sabrina Miranda, conseguiu alcançar a meta estipulada: poupar 120.000 reais.
O exemplo de Edival só confirma a tese de que tirar um período sabático, seja para cursar uma pós-graduação, seja para aperfeiçoar o inglês ou simplesmente descansar, conhecer outras culturas e se dedicar a projetos pessoais, requer, antes de mais nada, muito planejamento financeiro e uma boa dose de sacrifícios.
"Para colocar o plano de morar fora em prática é essencial acumular uma reserva", diz o consultor financeiro Augusto Sabóia, de São Paulo. "E para isso é preciso, todo mês, fazer sobrar dinheiro."
No caso de Edival, que na época era representante comercial da TV Anhanguera, a fase de comedimentos foi longa e se estendeu desde o planejamento da viagem até praticamente todo o primeiro ano de estudos em Pequim. "Minha esposa chegou a parar de frequentar a academia", conta o administrador de empresas.
Já em Pequim, mesmo tendo de enfrentar temperaturas que chegavam a 15 graus negativos, o único meio de transporte que utilizava era a bicicleta. A história contou também com alguns tropeços e decisões equivocadas. Para economizar, Edival e a mulher optaram por dividir apartamento com um colega do MBA. Nesse caso, o choque cultural agravado pela condição do matrimônio, segundo ele, não compensou o esforço.
Tais percalços, na opinião de Augusto Sabóia, se devem ao fato de Edival ter partido para a empreitada de fazer um MBA do outro lado do mundo com o dinheiro contado. "Ele se arriscou, pois o nível de reserva era muito baixo", avalia o consultor. Dos 120 000 economizados por ele e sua mulher, metade pagaria o MBA e a outra metade serviria para cobrir as demais despesas do casal, sendo que só o aluguel consumiria um terço dessa parcela reservada para os gastos do dia a dia.
Checklist
Não é pequena a lista de itens a serem considerados no planejamento financeiro de quem vai passar uma temporada no exterior. Entram na conta as despesas de viagem (passagens aéreas, seguros de vida e saúde), os gastos no local de destino (acomodação em hotel nos primeiros dias, aluguel de uma casa posteriormente, taxas de energia e gás, transporte, alimentação, cursos), além dos custos que continuarão a incidir no Brasil (plano de previdência, se houver, impostos, entre outros). À soma final dessas despesas deverão ser acrescidos 20% para imprevistos, aconselha Augusto Sabóia.
Embora tenha feito muita ginástica para poupar, Edival ignorou vários itens da lista de viagem. "Foi dando desespero ver o dinheiro, dia após dia, se aproximar do limite", conta. Felizmente, o administrador de empresas pôde contar com a sorte, além de sua formação e do investimento no MBA.
Edival, que termina o MBA em dezembro deste ano, acaba de conquistar a vaga de gerente de desenvolvimento de negócios para a América Latina da estatal ZhuZhou Times New Material and Technology (TMT), um contrato inicial que dura até 2015, com uma gorda remuneração mensal de 25.000 renminbi (aproximadamente 9.000 reais) mais benefícios como apartamento, carro, férias de 15 dias e até uma viagem por ano ao Brasil, com direito a acompanhante.
Reserva para a volta
Dar uma guinada na carreira é um dos benefícios vislumbrados por quem tira um período sabático para estudar, mas é preciso levar em conta os riscos profissionais envolvidos. "Ausentar-se por muito tempo do trabalho pode implicar desatualização", alerta Danylo Haykawa, gerente da Robert Half, empresa especializada em recrutamento. "Nas áreas de contabilidade e legislação tributária, por exemplo, as regras mudam constantemente."
Um levantamento feito pela Robert Half no início deste ano mostra que apenas 8,4% das companhias no Brasil oferecem licença para um período sabático, diferentemente da Europa, onde a prática é mais recorrente.
A necessidade de uma programação prévia, nesse contexto, é mais relevante. Quem tira um período sabático deve ter sempre uma reserva para a volta. "Um volume entre 30% e 40% da renda anual deve ser suficiente para levar seis meses tentando se recolocar no mercado de trabalho", diz Augusto Sabóia.
A publicitária capixaba Tatiana Rabelo, de 36 anos, tem pela frente cinco meses para juntar uma grana extra antes de partir para Berlim, onde vai "dar um tempo para a cabeça" durante seis meses. Os 30.000 reais necessários para desfrutar com relativa folga financeira a capital alemã serão alcançados agora, em outubro.
Segundo seus cálculos, gastos com aluguel, comida e diversão não ultrapassariam 15.000 reais ao longo de um semestre. A bicicleta será o meio de transporte de Tatiana em Berlim. Mas falta economizar para as contas que continuarão sendo pagas no Brasil enquanto estiver fora — honorários do contador e plano de previdência —, além de uma pequena reserva para a volta. As contas de seu apartamento, entre elas o condomínio, serão pagas por um amigo que vai morar nele durante o semestre sabático.
Tatiana não se mostra muito preocupada com a possibilidade de a viagem atrapalhar os negócios de sua empresa, a produtora de vídeo Mirabólica. "Pode até demorar um pouco para que o fluxo de trabalho seja retomado, mas acredito que meu desempenho até melhore depois dessa experiência", afirma ela, que viajará em companhia do sócio.
O aluguel do local onde fica a produtora será rescindido em dezembro e os trabalhos nos primeiros meses de 2013 serão tocados de casa. Em Berlim, para onde se mudará em abril, Tatiana já programou alguns cursos: alemão, culinária vegetariana e cinema documentário.
Mudança de rumo
O dinheiro economizado durante sete meses basicamente com a suspensão de gastos com diversão, incluindo pequenas viagens, shows e restaurantes, foi colocado na caderneta de poupança. Como tem remuneração variável, Tatiana aplica suas economias de forma esporádica.
Sua ideia inicial, desde fevereiro, quando passou a poupar com o objetivo do sabático, era passar um tempo em Nova York. A economia de custo de quase 50% que Berlim representaria em relação à metrópole americana, no entanto, acabou pesando e fez com que a publicitária mudasse recentemente a escolha do destino.
É sempre importante ter um plano B quando se planeja um sabático — um outro local ou curso. "Se a pessoa não tem recursos para um ano ou mais, pode começar com um período menor, de três, seis ou dez meses", afirma Erasmo Vieira, consultor financeiro da Planilhar, de São Paulo.
Mas em casos como o de Tatiana o ideal é que a programação financeira comece com pelo menos três anos de antecedência. O prazo maior permite acumular mais recursos e abre espaço, inclusive, para a diversificação de aplicações. "Com tempo, o dinheiro pode não só ser guardado na poupança, mas investido", diz Bruno Gonçalves, analista da WinTrade, home broker da Alpes Corretora, de São Paulo.
Bruno recomenda, para quem tem perfil mais arrojado, aplicar uma pequena parcela dos recursos (cerca de 20% do total) em ações de empresas do segmento de consumo para engordar o dinheiro no período de reserva financeira. E aconselha que se evite comprar papéis de companhias de setores cíclicos, como as produtoras de commodities, em prazos curtos de investimentos como esse.
Receita de bolo
Pode-se dizer que a lição de Bruno foi seguida à risca pelo analista de private Renan Gameiro Hilinski, de 23 anos, colega de Bruno na corretora Alpes que, em maio do ano passado, retornou de uma temporada de dez meses em Dublin, na Irlanda, onde foi aprimorar o inglês. Renan começou a poupar parte do salário de estagiário ainda no segundo ano da faculdade de administração de empresas.
Em nome da disciplina financeira, deixou, naquela época, de fazer as refeições fora de casa para prepará-las na república em que morava. O dinheiro que sobrava no fim do mês era depositado primeiro na caderneta de poupança e, depois, transferido para o Tesouro Direto, sistema de compra de títulos do governo pela internet. Com o tempo, 20% das economias de Renan foram parar em ações e 40% em um clube de investimento conservador.
Como a performance da bolsa não anda lá essas coisas nos últimos três anos, os investimentos em ações feitos por Renan na época pouco contribuíram em termos de rentabilidade. "O que contou mesmo foi a economia de gastos", diz. Ao longo de três anos Renan juntou 35.000 reais — 5.000 reais acima do objetivo estipulado.
O excedente do dinheiro, aplicado em ações, foi transferido para um fundo de renda fixa para ser usado na volta como um colchão de segurança financeira. Dois meses depois de regressar, Renan conseguiu emprego na mesma empresa em que havia estagiado antes de sair do país.