João Paulo Surian, deficiente visual e analista júnior no Itaú Unibanco (Alexandre Battibugli / VOCÊ S/A)
Da Redação
Publicado em 11 de março de 2013 às 15h59.
São Paulo - Nos últimos anos, o governo intensificou a fiscalização nas empresas para verificar se elas estão cumprindo a Lei de Cotas para Deficientes, que entrou em vigor em 1991. A legislação obriga companhias com mais de 100 funcionários a preencher 3% de seus cargos com portadores de necessidades especiais.
Na prática, aumentou o número desse grupo no mercado de trabalho formal. Segundo dados do Ministério do Trabalho e Emprego, entre 2007 e 2009 houve 960.000 contratações formais de pessoas com deficiência.
Ainda assim, há obstáculos a serem superados. De acordo com pesquisa da consultoria i.Social, que monta programas de inclusão para empresas e órgãos do governo, ainda são poucas as organizações que oferecem boas oportunidades de trabalho para portadores de necessidades especiais.
Essas pessoas vão trabalhar no nível operacional mesmo quando têm currículo para estar em outra posição, mostra o estudo do i.Social, concluído em fevereiro deste ano. O levantamento foi realizado com 1.500 profissionais de todo o Brasil portadores de deficiência física e revela a percepção deles sobre alguns aspectos do mercado de trabalho nacional.
Mesmo considerando o viés nas respostas, pois o deficiente pode se sentir discriminado, o fato é que sete em cada dez ocupava posição operacional. A justificativa dos empregadores é que falta qualificação.
Algumas empresas, no entanto, têm investido na qualificação dos deficientes e vêm obtendo bons resultados, medidos pelo número de profissionais que são promovidos para postos de liderança. No Bradesco, do universo de 2.100 pessoas com deficiência empregadas no banco, 600 ocupam cargos de liderança.
"Trabalhamos a inclusão em todos os aspectos. Com a Fundação Bradesco, buscamos os profissionais com deficiência no mercado e trabalhamos a capacitação deles de forma que se sintam incluídos. Também sensibilizamos toda a empresa e oferecemos acessibilidade", diz José Luiz Bueno, diretor de RH do Bradesco.
O banco criou um curso para formação de técnicos em administração específico para pessoas com deficiência. "Em paralelo, realizamos um trabalho com toda a companhia para receber e incentivar esses profissionais. Muitos são promovidos, têm desempenho excelente e são reconhecidos por seus pares e colegas de trabalho", diz José Luiz.
No Itaú Unibanco, dos 4.100 funcionários com necessidades especiais, 100 têm cargo de líder. O programa existe desde 1981 e vai além da conveniência de contratar para cumprir cota. A empresa dispõe de um total de 1.000 bolsas de graduação para os funcionários com deficiência. Todos eles são elegíveis para concorrer a bolsas de pós-graduação.
"Entendemos que não basta contratar. É preciso capacitar e incentivar e dar acesso aos deficientes às oportunidades de crescimento na carreira", diz Marcele Correia, superintendente de diversidade e integração do Itaú Unibanco. Além do programa de incentivo à carreira, foram criadas condições para integrar o deficiente ao ambiente de trabalho. "Eles podem trazer seus cães-guias, porque preparamos um local para a acomodar os animais", diz Marcele.
A fabricante de aviões Embraer é outro exemplo de empresa que vem obtendo bons resultados ao investir no desenvolvimento dos funcionários com necessidade especial. De seus 944 executivos, 50 são deficientes e ocupam posição de liderança. Bradesco, Itaú Unibanco e Embraer fazem parte da edição 2012 do Guia VOCÊ S/A – As Melhores Empresas para Você Trabalhar.
Das 150 companhias listadas no guia, 58 têm programa de liderança com meta para inclusão de deficientes. Na avaliação dos RHs dessas empresas, não se trata de estabelecer cota, mas de garantir a igualdade de oportunidades. "Um deficiente que chega a assumir um cargo de liderança é uma pessoa muito bem preparada, pois tem de ralar muito para vencer as barreiras até chegar ao mercado de trabalho", diz Jaques Haber, sócio-diretor da consultoria i.Social.
O administrador de empresas paulistano Diogo Bacan, de 29 anos, é um exemplo. Surdo desde pequeno, ele era considerado uma criança preguiçosa por ter demorado a falar. Na escola, Diogo tinha de estudar mais do que os colegas para não ser taxado de criança problema. Após concluir o curso universitário, ele começou a trabalhar como atendente de banco em 2005.
Hoje, é gerente de uma agência do Itaú Unibanco na zona leste da capital paulista. "Nunca deixei a surdez ser limitadora", diz. Diogo usa sua experiência de vida para motivar os colegas de trabalho quando estão diante de metas mais complicadas. Seu lema é não desanimar nunca.
Promoções e guia
Formado em ciência da computação e com passagens pela Canon e Brastemp, João Paulo Surian, de 27 anos, está no Itaú Unibanco, em São Paulo, há quatro anos. Hoje, depois de duas promoções, ocupa o cargo de analista júnior. João Paulo é cego e desde que entrou no banco conta com o apoio da cadela Zani, uma labradora que o acompanha durante a jornada de trabalho — ela atua como um guia. Além do auxílio do animal, o analista utiliza um software de comando de voz para executar seu trabalho. "Nunca deixei a minha deficiência ser uma questão limitadora, e o banco oferece os meios necessários para eu desenvolver a minha função da melhor forma possível", diz João Paulo.