Excesso de bônus deve ser visto como problema na empresa
Para especialista em liderança de Harvard Business School, a alta compensação precisa ser enxergada como identidade de empresa ruim
Da Redação
Publicado em 26 de março de 2010 às 14h20.
A remuneração variável, antes usada como reconhecimento de executivos, trouxe divergências quando empresas penalizadas pela crise internacional mantiveram o pagamento de bônus, mesmo com prejuízos. Para especialista em liderança de Harvard Business School, Rakesh Khurana, a alta compensação, prática comum entre as empresas, precisa ser enxergada como identidade de empresa ruim pelos investidores e não o contrário
- O senhor concorda com a idéia de que os bônus são um dos pilares do sistema de meritocracia do sistema capitalista?
Eu acho que a idéia de que a recompensa deve estar conectada com o esforço é algo que tem servido bem as democracias de mercado. A idéia de que a recompensa deve estar atrelada aos esforços de alguém. E, se os bônus são conectados ao esforço, acho que fazem sentido, mas muitas vezes, pelo menos no caso da remuneração executiva, os bônus são pagos sem considerar o fato de que a pessoa foi bem-sucedida ou não. E um sistema capitalista eficaz não se baseia na ganância. O capitalismo é um sistema institucional complexo que se baseia em um sistema de direitos legais, a confiança de que os contratos serão mantidos, e uma série de instituições de intermediação que lidem com os problemas dele, como poluição. Max Weber, um dos maiores estudiosos do capitalismo, uma vez disse: a idéia de que um sistema de capitalismo eficaz pode ser construído sobre a ganância desenfreada pertence ao jardim de infância do pensamento social. Se você quiser ver o capitalismo sem regras e construído na ganância, você apenas precisa olhar ao redor do mundo. O resultado é um sistema de fraca confiança, contratos não obrigatórios.
- Mas então o senhor acredita que o bônus não tem mais nada a ver com performance e se tornou quase um direito de posse?
A questão sobre o bônus é que o dinheiro não é um substituto para uma administração eficaz. As pessoas precisam ser recompensadas, para um trabalho bem feito, e certamente dinheiro é parte disso, mas o que a maior parte das pessoas no trabalho está realmente procurando é responsabilidade real, um senso de "accountability" (responsabilidade final), um senso de conclusão, um senso de ser valorizado. E isso é muito mais difícil do que simplesmente escrever um cheque para alguém. Se você realmente está tentando motivar as pessoas, esse é o tipo de coisa que os gestores devem se focar.
- Mas o senhor acredita que esses valores de responsabilidade, real compensação, accountability, então sendo perdidos pelas empresas?
Nos anos recentes, pelo menos nos Estados Unidos, houve um modelo de "financialização'" que emergiu, que tem uma visão muito estreita de motivação humana, de comportamento humano. Isso propagou uma visão muito incompleta de como motivar os indivíduos.
- Por que isso aconteceu? Por que as empresas deixaram de lado esses valores, e quando?
Essas mudanças começaram nos anos 80, foi uma mudança significante de mudar de um tipo de visão de negócios na sociedade, onde um se responsabiliza pelo outro, para uma visão de o maior propósito de uma companhia deve ser maximizar o valor das ações.
- E hoje, o senhor acredita que ainda há empresas com valores fortes, e não só basicamente empresas que pensam apenas no valor das ações?
Há um número grande de empresas que fazem isso sim, como a Southwest Airlines, uma organização guiada por valores, acima de tudo, e eu penso que organizações como Procter & Gamble, Johnson&Johnson.
- O senhor se recorda de alguma empresa que tenha um programa de remuneração que funcione para promover valores, e não só valor de ações?
A IBM é uma das mais interessantes empresas nesse sentido. Primeiro porque ela é uma das poucas realmente verdadeiramente globais. Ela é uma empresa que os valores são discutidos e estabelecidos pelos funcionários, e então adotados por todos, e não que chegam de algum funcionário superior. É uma empresa que prioriza muito a diversidade, e eu acho que é um dos primeiros exemplos de empresas que pensam muito nesse sentido mais global.
- O que o senhor pensa sobre uma empresa que compensa seus executivos com bônus mesmo quando ela tem prejuízos grandes?
Revela que o sistema não é eficaz, que o desempenho não é mais ligado diretamente a compensação, e provavelmente é um sistema de compensação que estimula a aceitação de muitos riscos.
- Dados os eventos recentes, o senhor acredita que podemos esperar mudanças no modo como a remuneração variável é paga aos executivos?
Penso que existirão mudanças sim, mas mudanças em função de leis que exijam isso. Mudanças regulatórias que levem a maior acesso a shareholders para ter direito a “say on pay” (medida que dá aos acionistas direito de voto na compensação dos executivos-top). Seria ótimo se as empresas e os conselhos fizessem isso de modo voluntário, claro, mas a história da governança corporativa, pelo menos nos Estados Unidos, não sugere que as empresas façam essas coisas.
- O que, em sua opinião, deveria ser o propósito de uma empresa?
Acho que na América nós acabamos adotando um conceito diferente sobre o propósito de uma empresa. Não há sistema perfeito, mas penso que tempos que começar primeiro com a questão. Qual é o propósito de uma empresa? Sabemos algumas coisas. A primeira é que as empresas são algumas das mais inovadoras coisas criadas pela humanidade. Tem a capacidade de mobilizar enormes fontes e nos permitir fazer algo juntos que não poderíamos nunca fazer sozinhos. Por isso mesmo, o tipo errado de liderança pode usar esse poder para manipular a economia de um modo que ameaça o bem-estar. Eu acho que o propósito de uma empresa é promover o bem-estar econômico da sociedade na qual está inserida. E isso não está sendo feito pela maior parte das empresas hoje. E, só porque uma empresa é lucrativa, não significa que ela esteja contribuindo para o bem estar da sociedade. Porque a empresa pode estar obtendo esses lucros, por exemplo, da poluição. Veja as empresas do serviço financeiro: os lucros foram privatizados, mas os custos privatizados. Isso não é bom para a sociedade.
- O que uma empresa pode fazer então para ter um programa de retenção para não perder os seus melhores profissionais de um modo que não estimule a ganância?
A principal coisa é criar um sistema de compensação que não atraia pessoas gananciosas. É fácil, as organizações fazem isso o tempo todo. Por exemplo, os militares não pagam muito bem nos EUA, as ONGs não pagam tão bem, os políticos não fazem muito dinheiro, e não é porque você paga muito a uma pessoa que ela seja o melhor líder. Se você está buscando alguém para liderar, na verdade a ganância está relacionada com uma liderança pobre. É importante que haja um sistema de compensação baseado em recompensas de longo-prazo, que se importe com os funcionários, com o desenvolvimento da companhia. Se você tem que subornar alguém para fazer o seu emprego, é certo que você não está selecionando o certo tipo de indivíduos.
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- E a idéia de valor das ações, lucro?
Essa é uma idéia boa de medição de resultado, mas é complicado fazer um sistema de compensação voltado só para o curto prazo. Pode funcionar por um tempo, mas só.
- Qual a culpa das escolas de negócio nessa história?
As escolas de negócio falharam ao não prover os estudantes com uma compreensão mais completa do papel dos negócios. Em muitos casos, reduzir o valor dos negócios para a maximização do valor das ações fez com que elas não construíssem indivíduos para construir empresas bem-sucedidas. O que elas conseguiram foi produzir muito pessoal para a indústria para o sistema financeiro. Eu acho que precisamos repensar o modo como estamos ensinando nas escolas de negócio. Nas últimas duas décadas, cada vez menos de nossos estudantes estão interessados em gerenciar e liderar empresas ou abrir negócios. Dois terços dos graduados de escolas de negócios líderes tem ido para os serviços financeiros e consultorias. Embora essas áreas sejam importantes, os empregos têm foco individual, e não liderando indivíduos ou times.
- O que o senhor acredita que poderia ser mudado no modo como os bônus são calculados para evitar riscos excessivos?
É ok ter bônus, quero deixar claro, mas eles devem ser de longo-prazo, ligados com a performance e eles devem ser alinhados à estratégia da empresa.
- Até pouco tempo, as empresas vistas como mais charmosas e atraentes para a maior parte dos funcionários eram aquelas que pagavam grandes bônus. E agora?
Isso é uma das coisas que precisam mudar. A alta compensação deve ser vista como uma identidade de uma empresa ruim, não uma empresa boa. O excesso de compensação deve ser visto como algo de uma empresa problemática. Um CEO que ganha muito deve ser visto como um caso de má governança. Uma das coisas mais importantes que os investidores e conselhos precisam fazer é começar a ver altos níveis de compensação nas empresas não como um sinal de sucesso, mas de problema. Há várias pesquisas que afirmam que uma compensação executiva está correlacionada com outros problemas, particularmente fraca governança e decisões focadas no curto-prazo, como corte em R&D.
A remuneração variável, antes usada como reconhecimento de executivos, trouxe divergências quando empresas penalizadas pela crise internacional mantiveram o pagamento de bônus, mesmo com prejuízos. Para especialista em liderança de Harvard Business School, Rakesh Khurana, a alta compensação, prática comum entre as empresas, precisa ser enxergada como identidade de empresa ruim pelos investidores e não o contrário
- O senhor concorda com a idéia de que os bônus são um dos pilares do sistema de meritocracia do sistema capitalista?
Eu acho que a idéia de que a recompensa deve estar conectada com o esforço é algo que tem servido bem as democracias de mercado. A idéia de que a recompensa deve estar atrelada aos esforços de alguém. E, se os bônus são conectados ao esforço, acho que fazem sentido, mas muitas vezes, pelo menos no caso da remuneração executiva, os bônus são pagos sem considerar o fato de que a pessoa foi bem-sucedida ou não. E um sistema capitalista eficaz não se baseia na ganância. O capitalismo é um sistema institucional complexo que se baseia em um sistema de direitos legais, a confiança de que os contratos serão mantidos, e uma série de instituições de intermediação que lidem com os problemas dele, como poluição. Max Weber, um dos maiores estudiosos do capitalismo, uma vez disse: a idéia de que um sistema de capitalismo eficaz pode ser construído sobre a ganância desenfreada pertence ao jardim de infância do pensamento social. Se você quiser ver o capitalismo sem regras e construído na ganância, você apenas precisa olhar ao redor do mundo. O resultado é um sistema de fraca confiança, contratos não obrigatórios.
- Mas então o senhor acredita que o bônus não tem mais nada a ver com performance e se tornou quase um direito de posse?
A questão sobre o bônus é que o dinheiro não é um substituto para uma administração eficaz. As pessoas precisam ser recompensadas, para um trabalho bem feito, e certamente dinheiro é parte disso, mas o que a maior parte das pessoas no trabalho está realmente procurando é responsabilidade real, um senso de "accountability" (responsabilidade final), um senso de conclusão, um senso de ser valorizado. E isso é muito mais difícil do que simplesmente escrever um cheque para alguém. Se você realmente está tentando motivar as pessoas, esse é o tipo de coisa que os gestores devem se focar.
- Mas o senhor acredita que esses valores de responsabilidade, real compensação, accountability, então sendo perdidos pelas empresas?
Nos anos recentes, pelo menos nos Estados Unidos, houve um modelo de "financialização'" que emergiu, que tem uma visão muito estreita de motivação humana, de comportamento humano. Isso propagou uma visão muito incompleta de como motivar os indivíduos.
- Por que isso aconteceu? Por que as empresas deixaram de lado esses valores, e quando?
Essas mudanças começaram nos anos 80, foi uma mudança significante de mudar de um tipo de visão de negócios na sociedade, onde um se responsabiliza pelo outro, para uma visão de o maior propósito de uma companhia deve ser maximizar o valor das ações.
- E hoje, o senhor acredita que ainda há empresas com valores fortes, e não só basicamente empresas que pensam apenas no valor das ações?
Há um número grande de empresas que fazem isso sim, como a Southwest Airlines, uma organização guiada por valores, acima de tudo, e eu penso que organizações como Procter & Gamble, Johnson&Johnson.
- O senhor se recorda de alguma empresa que tenha um programa de remuneração que funcione para promover valores, e não só valor de ações?
A IBM é uma das mais interessantes empresas nesse sentido. Primeiro porque ela é uma das poucas realmente verdadeiramente globais. Ela é uma empresa que os valores são discutidos e estabelecidos pelos funcionários, e então adotados por todos, e não que chegam de algum funcionário superior. É uma empresa que prioriza muito a diversidade, e eu acho que é um dos primeiros exemplos de empresas que pensam muito nesse sentido mais global.
- O que o senhor pensa sobre uma empresa que compensa seus executivos com bônus mesmo quando ela tem prejuízos grandes?
Revela que o sistema não é eficaz, que o desempenho não é mais ligado diretamente a compensação, e provavelmente é um sistema de compensação que estimula a aceitação de muitos riscos.
- Dados os eventos recentes, o senhor acredita que podemos esperar mudanças no modo como a remuneração variável é paga aos executivos?
Penso que existirão mudanças sim, mas mudanças em função de leis que exijam isso. Mudanças regulatórias que levem a maior acesso a shareholders para ter direito a “say on pay” (medida que dá aos acionistas direito de voto na compensação dos executivos-top). Seria ótimo se as empresas e os conselhos fizessem isso de modo voluntário, claro, mas a história da governança corporativa, pelo menos nos Estados Unidos, não sugere que as empresas façam essas coisas.
- O que, em sua opinião, deveria ser o propósito de uma empresa?
Acho que na América nós acabamos adotando um conceito diferente sobre o propósito de uma empresa. Não há sistema perfeito, mas penso que tempos que começar primeiro com a questão. Qual é o propósito de uma empresa? Sabemos algumas coisas. A primeira é que as empresas são algumas das mais inovadoras coisas criadas pela humanidade. Tem a capacidade de mobilizar enormes fontes e nos permitir fazer algo juntos que não poderíamos nunca fazer sozinhos. Por isso mesmo, o tipo errado de liderança pode usar esse poder para manipular a economia de um modo que ameaça o bem-estar. Eu acho que o propósito de uma empresa é promover o bem-estar econômico da sociedade na qual está inserida. E isso não está sendo feito pela maior parte das empresas hoje. E, só porque uma empresa é lucrativa, não significa que ela esteja contribuindo para o bem estar da sociedade. Porque a empresa pode estar obtendo esses lucros, por exemplo, da poluição. Veja as empresas do serviço financeiro: os lucros foram privatizados, mas os custos privatizados. Isso não é bom para a sociedade.
- O que uma empresa pode fazer então para ter um programa de retenção para não perder os seus melhores profissionais de um modo que não estimule a ganância?
A principal coisa é criar um sistema de compensação que não atraia pessoas gananciosas. É fácil, as organizações fazem isso o tempo todo. Por exemplo, os militares não pagam muito bem nos EUA, as ONGs não pagam tão bem, os políticos não fazem muito dinheiro, e não é porque você paga muito a uma pessoa que ela seja o melhor líder. Se você está buscando alguém para liderar, na verdade a ganância está relacionada com uma liderança pobre. É importante que haja um sistema de compensação baseado em recompensas de longo-prazo, que se importe com os funcionários, com o desenvolvimento da companhia. Se você tem que subornar alguém para fazer o seu emprego, é certo que você não está selecionando o certo tipo de indivíduos.
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- E a idéia de valor das ações, lucro?
Essa é uma idéia boa de medição de resultado, mas é complicado fazer um sistema de compensação voltado só para o curto prazo. Pode funcionar por um tempo, mas só.
- Qual a culpa das escolas de negócio nessa história?
As escolas de negócio falharam ao não prover os estudantes com uma compreensão mais completa do papel dos negócios. Em muitos casos, reduzir o valor dos negócios para a maximização do valor das ações fez com que elas não construíssem indivíduos para construir empresas bem-sucedidas. O que elas conseguiram foi produzir muito pessoal para a indústria para o sistema financeiro. Eu acho que precisamos repensar o modo como estamos ensinando nas escolas de negócio. Nas últimas duas décadas, cada vez menos de nossos estudantes estão interessados em gerenciar e liderar empresas ou abrir negócios. Dois terços dos graduados de escolas de negócios líderes tem ido para os serviços financeiros e consultorias. Embora essas áreas sejam importantes, os empregos têm foco individual, e não liderando indivíduos ou times.
- O que o senhor acredita que poderia ser mudado no modo como os bônus são calculados para evitar riscos excessivos?
É ok ter bônus, quero deixar claro, mas eles devem ser de longo-prazo, ligados com a performance e eles devem ser alinhados à estratégia da empresa.
- Até pouco tempo, as empresas vistas como mais charmosas e atraentes para a maior parte dos funcionários eram aquelas que pagavam grandes bônus. E agora?
Isso é uma das coisas que precisam mudar. A alta compensação deve ser vista como uma identidade de uma empresa ruim, não uma empresa boa. O excesso de compensação deve ser visto como algo de uma empresa problemática. Um CEO que ganha muito deve ser visto como um caso de má governança. Uma das coisas mais importantes que os investidores e conselhos precisam fazer é começar a ver altos níveis de compensação nas empresas não como um sinal de sucesso, mas de problema. Há várias pesquisas que afirmam que uma compensação executiva está correlacionada com outros problemas, particularmente fraca governança e decisões focadas no curto-prazo, como corte em R&D.