Carro (supergenijalac/Thinkstock)
Claudia Gasparini
Publicado em 19 de outubro de 2017 às 06h00.
Última atualização em 19 de outubro de 2017 às 06h00.
São Paulo — O ano era 1989. Aos 21 anos de idade, Cesar Urnhani se tornou o piloto de testes mais jovem do Brasil. Quase 30 anos depois, acabaria se tornando também o mais famoso. Pudera: desde garoto ele trabalhara numa oficina mecânica e, “com a mão na graxa”, aprendeu cada segredo do funcionamento de um carro.
Com passagens pela Autolatina — uma joint venture formada por Volkswagen e Ford entre 1987 e 1994 — e pela Pirelli, ele trabalha atualmente como piloto do programa AutoEsporte, da TV Globo, além de dar palestras sobre direção defensiva e treinar profissionais da área.
Em entrevista ao site EXAME, Urnhani diz que sua profissão é ideal para quem sente um prazer indescritível ao segurar o volante de um carro e pisar no acelerador, e sonha em transformar sua paixão em trabalho.
Quem ingressa na profissão normalmente começa como motorista de testes. Sua função é avaliar a durabilidade de amortecedores, pneus e outros componentes de um veículo, e depois fazer relatórios sobre fenômenos que aconteceram no carro durante os experimentos.
O próximo passo na carreira é se tornar, efetivamente, um piloto de testes — um profissional com sensibilidade mais apurada, que não se preocupa apenas com a durabilidade, mas com a performance do veículo e suas partes.
“Nossa missão é dizer se o sonho dos engenheiros que projetaram o automóvel se materializou ou não, e o que falta para chegar lá”, explica Urnhani.
O trabalho inclui analisar variáveis como desempenho dos componentes, conforto do assento, posição do volante e até a facilidade de uso dos assistentes digitais do carro.
Paixão é um fator básico para se dar bem nessas atividades: Urnhani chega ficar até 7 horas por dia dentro de um carro, 7 dias por semana. “Até quando estou de férias, dou uma escapada para o estacionamento, entro no carro, ligo, sinto o volante, porque estou com saudade”, conta.
O amor pelo universo automotivo tem “peso total” para o sucesso, nas palavras do piloto de testes mais famoso do Brasil, mas não basta para se dar bem na profissão. Também é essencial ter empatia.
“Quem testa carros não pode fazer críticas segundo os próprios gostos”, alerta Urnhani. “Você precisa conhecer o estilo do consumidor daquele modelo específico, e fazer um diagnóstico a partir das suas necessidades e expectativas pessoais”.
De acordo com Roberto Falkenstein, diretor de pesquisa e desenvolvimento da Pirelli, não há nenhuma formação específica para se candidatar a uma vaga de piloto de testes na empresa. O que mais importa é o “dom natural” do candidato.
Claro que isso é colocado à prova: o processo seletivo da Pirelli inclui um teste prático em que você deve distinguir jogos de pneus de acordo com suas características básicas, e dar um parecer técnico. A empresa tem uma vaga aberta atualmente na área e interessados podem se candidatar neste link.
Embora diploma de nível superior não seja obrigatório, é preciso ter alguma experiência em concessionárias, montadoras ou empresas de algum modo ligadas ao setor automotivo.
Na falta de uma graduação na área, a dica é procurar cursos técnicos específicos sobre pilotagem e automobilismo, oferecidos por instituições como a AEA (Associação Brasileira de Engenharia Automotiva) e a SAE (Sociedade dos Engenheiros da Mobilidade).
Segundo Falkenstein, a Pirelli oferece um treinamento que dura de 4 a 5 anos para formar seus pilotos de testes. “O profissional passa uma grande quantidade de horas sentado no veículo avaliando a qualidade dos pneus e aprendendo quais são as preferências de cada montadora”.
Frequentemente, a formação dos pilotos acontece tanto no Brasil quanto na Europa. Daí a importância de o candidato a uma vaga na área ter inglês fluente. No caso da Pirelli, falar italiano é considerado um diferencial, dada a origem da empresa.
“Nossos pilotos frequentemente vão para países como Estados Unidos, Bélgica e Japão para fazer testes, então idiomas são muito valorizados”, explica Falkenstein.
A comunicação, de forma geral, é uma competência essencial para ter sucesso na área. Além de dirigir bem, entender de mecânica e ser sensível às peculiaridades de cada máquina, também é fundamental falar e escrever bem.
“Não adianta você só identificar o que precisa melhorar, você precisa saber traduzir isso em palavras exatas e precisas, para tornar a mensagem compreensível para outras pessoas, muitas vezes leigas no assunto”, afirma Urnhani.
Com salários que atualmente chegam a 15 mil reais, os pilotos de testes surgiram no Brasil assim que a indústria automobilística se instalou no país, na metade do século 20. Nas décadas de 1980 e 1990, a profissão viveu uma explosão, puxada pela aceleração da indústria nacional.
Dos anos 2000 para cá, o mercado se tornou um pouco mais restrito. A realidade virtual acabou substituindo diversos testes físicos, e uma onda de terceirizações acabou atingido a atividade do motorista de testes —aquele que se dedica à avaliação da durabilidade do automóvel.
Já o piloto de testes — que se preocupa com a performance do veículo —continua tendo contrato fixo com os empregadores de forma geral. E os melhores profissionais são disputados a tapa por montadoras, fornecedores e fabricantes de peças como pneus e amortecedores.
Segundo Urnhani, o piloto de testes tem status cada vez mais estratégico nas empresas do setor automotivo. “Ele lida com informações altamente confidenciais, guardadas a sete chaves, então é esperado que atue com muita ética e discrição”, explica.
De acordo com Falkenstein, diretor da Pirelli, os profissionais da área podem alçar posições gerenciais, embora o mais comum seja que sigam carreira como especialistas — muito bem remunerados, por sinal.
O modelo de carreira em Y é uma opção comum entre profissionais da área: em vez de alçar um cargo de liderança, o piloto se torna uma espécie de técnico sênior, com status e salário equiparados aos dos gestores da empresa.