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Ele é isso aí

Conheça o publicitário Marcio Moreira, um brasileiro que usou a criatividade para conquistar o reconhecimento global

EXAME.com (EXAME.com)
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Da Redação

Publicado em 9 de outubro de 2008 às 09h33.

"Todo profissional precisa, em primeiro lugar, definir o tamanho do campo onde vai jogar"alemão Deutsche Bank, o maior banco da Europa e um dos maiores do mundo, ilustrou os anúncios de uma de suas recentes campanhas globais com fotos de 11 executivos de destaque em diversos países. Os personagens foram escolhidos para promover os produtos na área de investimento do banco. Um deles foi o publicitário brasileiro Marcio Moreira, que apareceu num anúncio de página inteira em jornais da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos -- entre eles, o Financial Times e o The Wall Street Journal. Não é à toa que a marca Marcio Moreira é tão valorizada globalmente. Aos 54 anos, 34 de profissão -- todos na mesma empresa --, o brasileiro é vice-presidente e diretor mundial de criação da McCann-Erickson, agência de propaganda presente em 131 países que faturou 23 bilhões de dólares em 2000. Moreira consagrou-se como modelo de executivo global. Estima-se que apenas 15 pessoas tenham cargos do calibre do dele no mundo. O mercado calcula que o publicitário embolse 1 milhão de dólares por ano, considerando salário e bônus.

Um treinamento em Nova York, em 1969, dois anos depois de entrar na publicidade, foi a isca que fisgou Moreira para uma carreira predominantemente internacional. Nesse momento, a vontade de expandir suas fronteiras bateu forte. "Um dia vou morar aqui", disse ele para si mesmo ao colocar os pés pela primeira vez nas ruas de Manhattan. Moreira definiu que queria ser o que chama de global player porque percebeu, no início da vida profissional, que com o tempo as barreiras entre os mercados de trabalho cairiam. "Todos precisam, em primeiro lugar, definir o tamanho do campo onde vão jogar", diz. Partindo daí, desenvolveu sua estratégia de carreira. "Eu queria viver num lugar maior do que o país onde nasci." Por causa disso, tomou uma decisão dura logo ao chegar aos Estados Unidos: fazer parte do que chama de mainstream da publicidade americana. Isso quer dizer estar na linha de frente dos negócios mais importantes, trabalhar com as grandes marcas. Para levar o plano adiante, resistiu à tentação de se incorporar à comunidade brasileira, sob o risco de ficar restrito a ela. "Se você não presta atenção, acaba virando 'latino', 'minoria' ou algo parecido, ou seja, condições que o associam à sua nacionalidade e não à sua potencialidade", explica. Outra de suas armas para conseguir expandir seu universo de trabalho foi definir Nova York como base. Moreira estava bem preparado. "Na época, quando pouca gente falava inglês no Brasil, ele já dominava o idioma", conta o publicitário Roberto Duailibi, sócio da agência de propaganda DPZ.

A estratégia deu certo. Hoje Moreira é o homem internacional da McCann. "Tudo o que cruza fronteiras termina na minha sala", diz. Moreira aprecia o estilo americano de trabalhar e fazer negócios. "O americano é voltado para resultados e recompensa o talento, independentemente de sua origem", diz. No entanto, na visão do publicitário, o americano tende a negligenciar o resto do mundo. O preço? A dificuldade de se comunicar com outros povos. Quando surge essa necessidade, é preciso buscar ajuda de especialistas. É aí que Moreira entra em cena: a flexibilidade é reconhecida como sua competência número 1.

Audiência global

Em 1971, Moreira foi transferido para a Europa por dois anos. Sua base foi Londres, de onde intercalou períodos em Lisboa e Frankfurt. Na capital britânica, tornou-se íntimo da produção de comerciais. Àquela altura, não imaginava que seus colegas se transformariam em feras do cinema. Ele trocava figurinhas com David Puttnam (diretor de Carruagens de Fogo e A Missão), Ridley Scott (Gladiador e Blade Runner) e Adrian Lyne (Atração Fatal), na época jovens diretores de comerciais. Em Lisboa e Frankfurt, tocava projetos como diretor de criação. A McCann brasileira o recebeu de volta, em 1974, como diretor nacional de criação, mas o teve por pouco tempo. Em 1979, a participação do então diretor de criação para América Latina nas campanhas da Coca-Cola o levaram a viver constantemente na ponte aérea São Paulo-Nova York. No ano seguinte, veio o convite para uma transferência para a Big Apple por 18 meses. "Sem dizer nada, cheguei pronto para ficar. Sabia que o meu futuro profissional era aqui", conta o publicitário, que vive em Nova York há 21 anos. Desde que chegou aos Estados Unidos, não parou de crescer profissionalmente. De 1994 a 1998, além das atribuições de diretor mundial de criação da McCann, assumiu a direção da região Ásia-Pacífico, responsável por filiais espalhadas por 20 países. Nessa época, dividia-se entre Nova York, Sydney e Tóquio. Sua experiência com audiências globais é tão reconhecida que Moreira, um paulistano do bairro de Higienópolis, chegou a ser convidado para participar no esforço diplomático dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo.

Semeando criatividade

"Eu sempre soube que o meu futuro dependeria da minha criatividade", diz Moreira, que define este atributo de uma forma utilitária. "Em propaganda, ela é arte a serviço do comércio." Para ele, uma boa campanha é composta de 51% de conteúdo e 49% de forma. "A propaganda tem de cumprir os objetivos de mercado em primeiro lugar -- e ser brilhante em segundo", diz. Categórico quando o assunto são as necessidades dos clientes, Moreira amolece em relação às idéias de sua equipe. "Para mim, toda idéia é como uma criança que precisa ser bem cuidada para render todo o seu potencial." Tamanha abertura às idéias dos subordinados, diz ele, não é comum aos chefes de equipes criativas. Sabendo disso, Moreira apelidou os mais radicais de "agressores de crianças". Ao comparar a criação com a paternidade, o publicitário diz que quem rejeita uma idéia logo de cara impede o desenvolvimento da criança. "Ao entrar na minha sala com uma idéia, o profissional comete um ato de coragem. Minha obrigação é receber bem esse pai ou essa mãe e ajudá-lo a desenvolver sua criança." O risco da impaciência com idéias inacabadas é criar uma equipe adestrada. Quando mal recebidos, os criativos se habituam a buscar soluções que, prioritariamente, agradem ao chefe. "Se o processo envereda por esse caminho, dificilmente se extrai alguma criatividade dele."

Por incrível que pareça, Moreira jamais concluiu um curso universitário. Ele cursava o segundo ano de direito no Largo São Francisco, em São Paulo, quando trancou a matrícula na faculdade para se dedicar a McCann, que exigia tempo integral. A carreira deslanchou tão rápido que logo começaram as viagens -- e o curso ficou esperando. "Eu não completei minha formação universitária, mas não recomendo isso a ninguém", diz, reconhecendo que seu ponto fraco são as finanças da empresa. "Quando o assunto é esse, preciso buscar ajuda." Para alimentar a própria criatividade, Moreira consome muita informação e se expõe a todo tipo de arte. O publicitário até já escreveu música. São de sua autoria, as letras do "In Tempo", disco do saxofonista japonês Sadao Watanabe, com arranjos de César Camargo Mariano e vocais de Leila Pinheiro. "Nós ficamos nas paradas de sucesso do Japão", conta, satisfeito. Moreira também canaliza sua vocação musical para grandes campanhas. Em 1986, ele estava trabalhando para a Coca-Cola em dupla com um redator. A idéia era encontrar situações que definissem melhor um slogan consagrado: "Coke is it" ("Coca-Cola é isso a"). Os comerciais deveriam qualificar o "it". A estratégia da campanha já estava definida: o refrigerante deveria estar associado com situações de alegria e descontração. Faltava encontrar uma trilha sonora adequada. Moreira e seu parceiro se uniram para buscar referências musicais que inspirassem a composição de um jingle. A pesquisa musical da dupla mergulhou na obra de Tom Jobim. Águas de Março caiu como uma luva. Para definir it nada melhor do que a seqüência de imagens: "É pau, é pedra, é o fim do caminho..." Moreira procurou Tom Jobim e conseguiu o uso dos direitos autorais. Resultado: Águas de Março foi tema da campanha global da Coca-Cola por três anos.

Errar é quase inevitável para quem se expõe a desafios. Moreira não escapou disso. "Todo o episódio do lançamento da New Coke nos Estados Unidos me deixou um sabor amargo", diz, relembrando outra campanha histórica da Coca-Cola. Em 1985, a empresa julgou ser hora de modernizar o refrigerante. Nos testes com grupos de consumidores, todos os aspectos do novo produto foram aprovados. Mas quando a New Coke foi lançada pra valer, o público a rejeitou. A única pergunta que ficou fora das pesquisas foi exatamente se o público aceitaria a substituição. A principal lição do caso? Humildade. "Em parceria com outros diretores de criação, eu não podia dar palpites -- era apenas um soldado que tinha tarefas a executar", diz, sem esconder que sua auto-estima ficou abalada durante alguns anos por causa dos seis meses de duração do projeto fracassado.

Com a mão na massa

Com a ascensão na carreira, Moreira passou a ter responsabilidades mais amplas, ligadas à liderança de equipes. Outra das lições que aprendeu e agora faz questão de ensinar é: "Mantenha a mão na massa". Isso quer dizer jamais abandonar as atividades em que você é o melhor, independentemente da sua posição hierárquica. Mais do que falar, ele dá o exemplo. Ainda hoje se envolve com a criação e a produção de campanhas publicitárias, as atividades que o projetaram. No ano passado, por exemplo, ele participou da criação da campanha global do Nescafé, cujo tema é "Uma coisa leva a outra". Uma das características da campanha é colocar a imaginação do consumidor para funcionar. Em setembro de 2001, Moreira juntou-se a uma equipe russa para adequar o tema da campanha à cultura do país. No começo a idéia foi rejeitada. Os russos, gente emotiva, a consideraram fria e racional. "Consegui convencê-los de que a idéia não tem nacionalidade. A nacionalidade é marcada na maneira de se contar uma história", diz. Moreira sugeriu injetar uma boa dose de paixão nos anúncios veiculados na Rússia. Num deles, uma moça olha uma fotografia enquanto toma um cafezinho. Na foto, ela está com um antigo namorado. A cena seguinte mostra a garota colocando a foto ao lado de um convite de casamento. Depois, ela entra numa igreja, interrompe uma cerimônia e sai correndo com o noivo (o antigo namorado da foto). Na cena seguinte, os dois saltam uma janela que dá para um jardim e se jogam no meio de flores dispostas em forma de coração. Moral da história: a moça teve o estalo para recuperar o antigo amor no momento em que tomava o café. O talento de Moreira foi fazer com que a idéia elaborada para uma campanha global funcionasse numa cultura em particular.

Manter a mão na massa é o que dá a Moreira a medida do que os criativos precisam para trabalhar bem. Seu estilo de liderança inspira outros profissionais. Percival Caropreso, diretor de criação da McCann para Brasil e América Latina, foi contratado por ele em 1971. Quando Moreira deixou o Brasil, foi Caropreso quem ocupou o seu lugar. Hoje ele procura adaptar à sua personalidade traços do estilo de liderança do antigo chefe. "Ele nunca diz sim ou não sem explicar por qu", afirma Caropreso, que também admira a capacidade de persuasão de Moreira. "Ele entende muito bem as idéias, mas não se fascina com elas. Com esse distanciamento consegue colocar-se na posição do interlocutor e adequar seu discurso." Quando apresenta uma campanha, Moreira conquista a cumplicidade do cliente antes de qualquer coisa. "Eu primeiro aro e adubo a terra para depois semear e colher", diz. O primeiro passo é contextualizar o problema do cliente e reforçar a sensibilidade dele. Depois, ele apresenta a idéia. "Se eu não consigo explicar de forma simples e em palavras, a idéia não é válida." Só então ele parte para a execução e para as peças publicitárias em si.

"A capacidade de liderança dele é excepcional", diz Duailibi, da DPZ. Essa habilidade aparece não só na hora de lidar com os clientes externos. A contratação de profissionais é sempre algo crítico para qualquer empresa. Ao contratar, Moreira busca lealdade e comprometimento. Nos Estados Unidos está havendo uma transformação na publicidade e muitos trabalhos hoje são executados por free lances. "Antigamente o free lance era o profissional que não conseguia emprego, hoje ele não quer emprego", explica. Esse processo é um subproduto das fusões entre as agências de publicidade. Muitas pessoas não querem trabalhar nesses grandes conglomerados. Não querem submeter-se às regras, mesmo que sejam brilhantes como criadores. O desafio de Moreira é encontrar profissionais dispostos a se envolver com a filosofia da empresa e com os problemas dos clientes.

Prazeres e tensões

Apesar da qualidade de vida que conquistou numa das cidades mais caras do mundo, Moreira também vive seus momentos de tensão. Por isso, quando está trabalhando em Nova York, ele se alterna entre uma casa grande e confortável no estado de New Jersey, distante uma hora de carro do centro de Manhattan, e um apartamento na própria ilha. Assim evita o desgaste de pegar a estrada quando algum compromisso invade a noite. Os fins de semana tornaram-se sagrados para ele nos últimos cinco anos. É aí que Moreira se dedica ao prazer de dirigir carros esporte, um de seus hobbies. Na garagem de casa, além de dois carros da General Motors, Moreira tem um BMW Z8, carro de produção limitada, e um Porsche Carrera. A coleção aguarda agora uma Ferrari Modena que ainda não saiu da linha de produção. Moreira também é fã da boa comida. Anos atrás, ele fez uma confissão curiosa ao amigo Duailibi: disse que seu estômago já havia recebido cerca de 1 milhão de dólares em boa comida. Respeitar seu próprio ritmo de trabalho também o ajuda a manter o estresse sob controle. A americana Sarah Bass, sua assistente executiva, sofria para organizar a agenda do chefe. Com o tempo se adequou ao ritmo de Moreira. "Ele é muito generoso consigo mesmo, um sinal de maturidade. Com ele tenho aprendido que é preferível se preservar a se torturar para agradar aos outros", diz Sarah. A flexibilidade o permite deixar certos compromissos para depois, sem que isso represente o fim do mundo.

Muita gente se pergunta o que mantém certos profissionais tanto tempo em uma única empresa. Moreira passou mais da metade da vida trabalhando para a McCann. Ele acredita que a intensidade do impacto que teve na empresa foi similar à do impacto que a empresa teve em sua vida profissional. Foi a possibilidade de fazer essa diferença que o manteve em constante desafio ao longo dos anos. Por muito tempo, a McCann, agência que criou a campanha "Não tem preço" do cartão Mastercard, foi tida no mercado como sólida, mas pouco inspirada. Por causa dessa imagem, o mercado praticamente não dava nada pela agência quando as apostas se voltavam para os festivais mundiais da propaganda. A McCann passou a ser vista além de sólida como uma agência dotada de estilo quando, em 1992, protagonizou algo pouco freqüente. Levou dez Leões de Ouro no Festival de Cannes. À frente do batalhão de criativos que levaram os prêmios estava o diretor mundial de criação, o brasileiro Marcio Moreira. "Eu consegui mudar substancialmente o perfil criativo da McCann", afirma, sem falsa modéstia.

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"Todo profissional precisa, em primeiro lugar, definir o tamanho do campo onde vai jogar"alemão Deutsche Bank, o maior banco da Europa e um dos maiores do mundo, ilustrou os anúncios de uma de suas recentes campanhas globais com fotos de 11 executivos de destaque em diversos países. Os personagens foram escolhidos para promover os produtos na área de investimento do banco. Um deles foi o publicitário brasileiro Marcio Moreira, que apareceu num anúncio de página inteira em jornais da Ásia, da Europa e dos Estados Unidos -- entre eles, o Financial Times e o The Wall Street Journal. Não é à toa que a marca Marcio Moreira é tão valorizada globalmente. Aos 54 anos, 34 de profissão -- todos na mesma empresa --, o brasileiro é vice-presidente e diretor mundial de criação da McCann-Erickson, agência de propaganda presente em 131 países que faturou 23 bilhões de dólares em 2000. Moreira consagrou-se como modelo de executivo global. Estima-se que apenas 15 pessoas tenham cargos do calibre do dele no mundo. O mercado calcula que o publicitário embolse 1 milhão de dólares por ano, considerando salário e bônus.

Um treinamento em Nova York, em 1969, dois anos depois de entrar na publicidade, foi a isca que fisgou Moreira para uma carreira predominantemente internacional. Nesse momento, a vontade de expandir suas fronteiras bateu forte. "Um dia vou morar aqui", disse ele para si mesmo ao colocar os pés pela primeira vez nas ruas de Manhattan. Moreira definiu que queria ser o que chama de global player porque percebeu, no início da vida profissional, que com o tempo as barreiras entre os mercados de trabalho cairiam. "Todos precisam, em primeiro lugar, definir o tamanho do campo onde vão jogar", diz. Partindo daí, desenvolveu sua estratégia de carreira. "Eu queria viver num lugar maior do que o país onde nasci." Por causa disso, tomou uma decisão dura logo ao chegar aos Estados Unidos: fazer parte do que chama de mainstream da publicidade americana. Isso quer dizer estar na linha de frente dos negócios mais importantes, trabalhar com as grandes marcas. Para levar o plano adiante, resistiu à tentação de se incorporar à comunidade brasileira, sob o risco de ficar restrito a ela. "Se você não presta atenção, acaba virando 'latino', 'minoria' ou algo parecido, ou seja, condições que o associam à sua nacionalidade e não à sua potencialidade", explica. Outra de suas armas para conseguir expandir seu universo de trabalho foi definir Nova York como base. Moreira estava bem preparado. "Na época, quando pouca gente falava inglês no Brasil, ele já dominava o idioma", conta o publicitário Roberto Duailibi, sócio da agência de propaganda DPZ.

A estratégia deu certo. Hoje Moreira é o homem internacional da McCann. "Tudo o que cruza fronteiras termina na minha sala", diz. Moreira aprecia o estilo americano de trabalhar e fazer negócios. "O americano é voltado para resultados e recompensa o talento, independentemente de sua origem", diz. No entanto, na visão do publicitário, o americano tende a negligenciar o resto do mundo. O preço? A dificuldade de se comunicar com outros povos. Quando surge essa necessidade, é preciso buscar ajuda de especialistas. É aí que Moreira entra em cena: a flexibilidade é reconhecida como sua competência número 1.

Audiência global

Em 1971, Moreira foi transferido para a Europa por dois anos. Sua base foi Londres, de onde intercalou períodos em Lisboa e Frankfurt. Na capital britânica, tornou-se íntimo da produção de comerciais. Àquela altura, não imaginava que seus colegas se transformariam em feras do cinema. Ele trocava figurinhas com David Puttnam (diretor de Carruagens de Fogo e A Missão), Ridley Scott (Gladiador e Blade Runner) e Adrian Lyne (Atração Fatal), na época jovens diretores de comerciais. Em Lisboa e Frankfurt, tocava projetos como diretor de criação. A McCann brasileira o recebeu de volta, em 1974, como diretor nacional de criação, mas o teve por pouco tempo. Em 1979, a participação do então diretor de criação para América Latina nas campanhas da Coca-Cola o levaram a viver constantemente na ponte aérea São Paulo-Nova York. No ano seguinte, veio o convite para uma transferência para a Big Apple por 18 meses. "Sem dizer nada, cheguei pronto para ficar. Sabia que o meu futuro profissional era aqui", conta o publicitário, que vive em Nova York há 21 anos. Desde que chegou aos Estados Unidos, não parou de crescer profissionalmente. De 1994 a 1998, além das atribuições de diretor mundial de criação da McCann, assumiu a direção da região Ásia-Pacífico, responsável por filiais espalhadas por 20 países. Nessa época, dividia-se entre Nova York, Sydney e Tóquio. Sua experiência com audiências globais é tão reconhecida que Moreira, um paulistano do bairro de Higienópolis, chegou a ser convidado para participar no esforço diplomático dos Estados Unidos na luta contra o terrorismo.

Semeando criatividade

"Eu sempre soube que o meu futuro dependeria da minha criatividade", diz Moreira, que define este atributo de uma forma utilitária. "Em propaganda, ela é arte a serviço do comércio." Para ele, uma boa campanha é composta de 51% de conteúdo e 49% de forma. "A propaganda tem de cumprir os objetivos de mercado em primeiro lugar -- e ser brilhante em segundo", diz. Categórico quando o assunto são as necessidades dos clientes, Moreira amolece em relação às idéias de sua equipe. "Para mim, toda idéia é como uma criança que precisa ser bem cuidada para render todo o seu potencial." Tamanha abertura às idéias dos subordinados, diz ele, não é comum aos chefes de equipes criativas. Sabendo disso, Moreira apelidou os mais radicais de "agressores de crianças". Ao comparar a criação com a paternidade, o publicitário diz que quem rejeita uma idéia logo de cara impede o desenvolvimento da criança. "Ao entrar na minha sala com uma idéia, o profissional comete um ato de coragem. Minha obrigação é receber bem esse pai ou essa mãe e ajudá-lo a desenvolver sua criança." O risco da impaciência com idéias inacabadas é criar uma equipe adestrada. Quando mal recebidos, os criativos se habituam a buscar soluções que, prioritariamente, agradem ao chefe. "Se o processo envereda por esse caminho, dificilmente se extrai alguma criatividade dele."

Por incrível que pareça, Moreira jamais concluiu um curso universitário. Ele cursava o segundo ano de direito no Largo São Francisco, em São Paulo, quando trancou a matrícula na faculdade para se dedicar a McCann, que exigia tempo integral. A carreira deslanchou tão rápido que logo começaram as viagens -- e o curso ficou esperando. "Eu não completei minha formação universitária, mas não recomendo isso a ninguém", diz, reconhecendo que seu ponto fraco são as finanças da empresa. "Quando o assunto é esse, preciso buscar ajuda." Para alimentar a própria criatividade, Moreira consome muita informação e se expõe a todo tipo de arte. O publicitário até já escreveu música. São de sua autoria, as letras do "In Tempo", disco do saxofonista japonês Sadao Watanabe, com arranjos de César Camargo Mariano e vocais de Leila Pinheiro. "Nós ficamos nas paradas de sucesso do Japão", conta, satisfeito. Moreira também canaliza sua vocação musical para grandes campanhas. Em 1986, ele estava trabalhando para a Coca-Cola em dupla com um redator. A idéia era encontrar situações que definissem melhor um slogan consagrado: "Coke is it" ("Coca-Cola é isso a"). Os comerciais deveriam qualificar o "it". A estratégia da campanha já estava definida: o refrigerante deveria estar associado com situações de alegria e descontração. Faltava encontrar uma trilha sonora adequada. Moreira e seu parceiro se uniram para buscar referências musicais que inspirassem a composição de um jingle. A pesquisa musical da dupla mergulhou na obra de Tom Jobim. Águas de Março caiu como uma luva. Para definir it nada melhor do que a seqüência de imagens: "É pau, é pedra, é o fim do caminho..." Moreira procurou Tom Jobim e conseguiu o uso dos direitos autorais. Resultado: Águas de Março foi tema da campanha global da Coca-Cola por três anos.

Errar é quase inevitável para quem se expõe a desafios. Moreira não escapou disso. "Todo o episódio do lançamento da New Coke nos Estados Unidos me deixou um sabor amargo", diz, relembrando outra campanha histórica da Coca-Cola. Em 1985, a empresa julgou ser hora de modernizar o refrigerante. Nos testes com grupos de consumidores, todos os aspectos do novo produto foram aprovados. Mas quando a New Coke foi lançada pra valer, o público a rejeitou. A única pergunta que ficou fora das pesquisas foi exatamente se o público aceitaria a substituição. A principal lição do caso? Humildade. "Em parceria com outros diretores de criação, eu não podia dar palpites -- era apenas um soldado que tinha tarefas a executar", diz, sem esconder que sua auto-estima ficou abalada durante alguns anos por causa dos seis meses de duração do projeto fracassado.

Com a mão na massa

Com a ascensão na carreira, Moreira passou a ter responsabilidades mais amplas, ligadas à liderança de equipes. Outra das lições que aprendeu e agora faz questão de ensinar é: "Mantenha a mão na massa". Isso quer dizer jamais abandonar as atividades em que você é o melhor, independentemente da sua posição hierárquica. Mais do que falar, ele dá o exemplo. Ainda hoje se envolve com a criação e a produção de campanhas publicitárias, as atividades que o projetaram. No ano passado, por exemplo, ele participou da criação da campanha global do Nescafé, cujo tema é "Uma coisa leva a outra". Uma das características da campanha é colocar a imaginação do consumidor para funcionar. Em setembro de 2001, Moreira juntou-se a uma equipe russa para adequar o tema da campanha à cultura do país. No começo a idéia foi rejeitada. Os russos, gente emotiva, a consideraram fria e racional. "Consegui convencê-los de que a idéia não tem nacionalidade. A nacionalidade é marcada na maneira de se contar uma história", diz. Moreira sugeriu injetar uma boa dose de paixão nos anúncios veiculados na Rússia. Num deles, uma moça olha uma fotografia enquanto toma um cafezinho. Na foto, ela está com um antigo namorado. A cena seguinte mostra a garota colocando a foto ao lado de um convite de casamento. Depois, ela entra numa igreja, interrompe uma cerimônia e sai correndo com o noivo (o antigo namorado da foto). Na cena seguinte, os dois saltam uma janela que dá para um jardim e se jogam no meio de flores dispostas em forma de coração. Moral da história: a moça teve o estalo para recuperar o antigo amor no momento em que tomava o café. O talento de Moreira foi fazer com que a idéia elaborada para uma campanha global funcionasse numa cultura em particular.

Manter a mão na massa é o que dá a Moreira a medida do que os criativos precisam para trabalhar bem. Seu estilo de liderança inspira outros profissionais. Percival Caropreso, diretor de criação da McCann para Brasil e América Latina, foi contratado por ele em 1971. Quando Moreira deixou o Brasil, foi Caropreso quem ocupou o seu lugar. Hoje ele procura adaptar à sua personalidade traços do estilo de liderança do antigo chefe. "Ele nunca diz sim ou não sem explicar por qu", afirma Caropreso, que também admira a capacidade de persuasão de Moreira. "Ele entende muito bem as idéias, mas não se fascina com elas. Com esse distanciamento consegue colocar-se na posição do interlocutor e adequar seu discurso." Quando apresenta uma campanha, Moreira conquista a cumplicidade do cliente antes de qualquer coisa. "Eu primeiro aro e adubo a terra para depois semear e colher", diz. O primeiro passo é contextualizar o problema do cliente e reforçar a sensibilidade dele. Depois, ele apresenta a idéia. "Se eu não consigo explicar de forma simples e em palavras, a idéia não é válida." Só então ele parte para a execução e para as peças publicitárias em si.

"A capacidade de liderança dele é excepcional", diz Duailibi, da DPZ. Essa habilidade aparece não só na hora de lidar com os clientes externos. A contratação de profissionais é sempre algo crítico para qualquer empresa. Ao contratar, Moreira busca lealdade e comprometimento. Nos Estados Unidos está havendo uma transformação na publicidade e muitos trabalhos hoje são executados por free lances. "Antigamente o free lance era o profissional que não conseguia emprego, hoje ele não quer emprego", explica. Esse processo é um subproduto das fusões entre as agências de publicidade. Muitas pessoas não querem trabalhar nesses grandes conglomerados. Não querem submeter-se às regras, mesmo que sejam brilhantes como criadores. O desafio de Moreira é encontrar profissionais dispostos a se envolver com a filosofia da empresa e com os problemas dos clientes.

Prazeres e tensões

Apesar da qualidade de vida que conquistou numa das cidades mais caras do mundo, Moreira também vive seus momentos de tensão. Por isso, quando está trabalhando em Nova York, ele se alterna entre uma casa grande e confortável no estado de New Jersey, distante uma hora de carro do centro de Manhattan, e um apartamento na própria ilha. Assim evita o desgaste de pegar a estrada quando algum compromisso invade a noite. Os fins de semana tornaram-se sagrados para ele nos últimos cinco anos. É aí que Moreira se dedica ao prazer de dirigir carros esporte, um de seus hobbies. Na garagem de casa, além de dois carros da General Motors, Moreira tem um BMW Z8, carro de produção limitada, e um Porsche Carrera. A coleção aguarda agora uma Ferrari Modena que ainda não saiu da linha de produção. Moreira também é fã da boa comida. Anos atrás, ele fez uma confissão curiosa ao amigo Duailibi: disse que seu estômago já havia recebido cerca de 1 milhão de dólares em boa comida. Respeitar seu próprio ritmo de trabalho também o ajuda a manter o estresse sob controle. A americana Sarah Bass, sua assistente executiva, sofria para organizar a agenda do chefe. Com o tempo se adequou ao ritmo de Moreira. "Ele é muito generoso consigo mesmo, um sinal de maturidade. Com ele tenho aprendido que é preferível se preservar a se torturar para agradar aos outros", diz Sarah. A flexibilidade o permite deixar certos compromissos para depois, sem que isso represente o fim do mundo.

Muita gente se pergunta o que mantém certos profissionais tanto tempo em uma única empresa. Moreira passou mais da metade da vida trabalhando para a McCann. Ele acredita que a intensidade do impacto que teve na empresa foi similar à do impacto que a empresa teve em sua vida profissional. Foi a possibilidade de fazer essa diferença que o manteve em constante desafio ao longo dos anos. Por muito tempo, a McCann, agência que criou a campanha "Não tem preço" do cartão Mastercard, foi tida no mercado como sólida, mas pouco inspirada. Por causa dessa imagem, o mercado praticamente não dava nada pela agência quando as apostas se voltavam para os festivais mundiais da propaganda. A McCann passou a ser vista além de sólida como uma agência dotada de estilo quando, em 1992, protagonizou algo pouco freqüente. Levou dez Leões de Ouro no Festival de Cannes. À frente do batalhão de criativos que levaram os prêmios estava o diretor mundial de criação, o brasileiro Marcio Moreira. "Eu consegui mudar substancialmente o perfil criativo da McCann", afirma, sem falsa modéstia.

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