As engenheiras conquistam as plataformas
A engenharia ainda é um universo masculino. Quatro engenheiras contam como construíram sua carreira em grandes corporações e falam sobre a convivência (nem sempre harmoniosa) com os pares homens
Da Redação
Publicado em 12 de junho de 2013 às 13h43.
São Paulo - Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que a engenharia tem um déficit de 75.000 profissionais. Segundo a entidade, a evasão nos cursos da área é superior a 50%, sendo que a maioria deixa a faculdade nos dois primeiros anos. Como resultado, o Brasil forma menos de 40.000 engenheiros a cada ano, enquanto a Rússia forma 120.000 e a China ultrapassa os 400.000.
Quando se trata de profissionais mulheres , o número cai ainda mais. Elas representam apenas 25% dos estudantes matriculados em cursos de engenharia e formam não mais do que 15% da força de trabalho dos engenheiros do país, de acordo com dados da Federação Nacional dos Engenheiros. As razões variam desde a origem militar da profissão, passando pela exigência de trabalho de campo, muitas vezes sujeito a intempéries e a alojamentos precários ou em ambientes fabris, até a necessidade de comandar equipes predominantemente masculinas.
Some-se ainda machismo e preconceito, como o que reza que homens são melhores em disciplinas das ciências exatas. "Desde crianças, os meninos ganham carrinhos com controle remoto, enquanto as meninas recebem bonecas cor-de-rosa", diz Paula Dornhofer Paro Costa, engenheira elétrica e doutoranda da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo.
Para as engenheiras em cargos de liderança , parece haver um duplo desafio. Provar que são capazes de comandar equipes tão bem, ou melhor, que os homens e encontrar um jeito próprio, mais feminino, de gerenciar. A seguir, engenheiras que se destacam como grandes pesquisadoras de inovação e diretoras de grandes empresas contam como fizeram carreira na área e ajudam a derrubar os mitos.
Cada vez mais comum
Simone Silva Rocha, 44 anos, gerente de vendas de serviços da IBM, em São Paulo (SP)
A engenheira eletrônica Simone Rocha começou a trabalhar com fabricação de hardware em 1989 na IBM e atualmente ocupa o posto de gerente de serviços de TI e vendas para os setores de telecomunicações, indústria e distribuição. Entre suas conquistas estão projetos na casa dos 50 milhões de reais para o setor financeiro, especialmente bancos.
Além da absorção de importantes vendas para empresas, como Vivo, Oi e Telefônica, e da otimização dos negócios em empresas do setor de energia elétrica e distribuição de gás natural. Quando se formou na Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, havia apenas cinco mulheres em sua turma de 50 alunos.
Naquela época, Simone não previa que a IBM teria os atuais 30% do efetivo global compostos por mulheres. "Hoje, a situação está muito mais equilibrada, principalmente no setor de vendas", diz. Para ela, as mulheres se destacam na gerência porque estão sempre atentas aos detalhes. "Aprendemos a nos planejar muito dentro de casa, com os filhos e a organização da casa", diz a executiva.
Casal de engenheiros
Michele Robert, 38 anos, diretora de energia e água da General Electric, em Cotia (SP)<
A engenheira industrial Michele Robert nasceu em São Paulo e foi morar em Buenos Aires, capital argentina, na adolescência, quando o pai foi expatriado pela Ford. Lá, ela fez colegial técnico em engenharia mecânica. "Era difícil. Havia muitas piadinhas dos professores, que mandavam as alunas migrarem para corte e costura", diz. Quando o pai mudou-se para os Estados Unidos, em 1998, ingressou na graduação em engenharia industrial na Universidade da Flórida.
"Nos Estados Unidos a situação era muito diferente, havia gente do mundo todo e eu não era um peixe fora d’água." Michele fez carreira por lá — primeiro na Motorola, depois em duas unidades da GE. Em 2010, regressou ao Brasil como diretora de energia e água da GE, acompanhando o marido, também diretor da empresa (o casal se conheceu durante a faculdade).
Michele iniciou a carreira no chão de fábrica. Virou gerente de produção aos 27 anos. Ao mesmo tempo, teve a primeira filha e aprendeu que nunca haveria um equilíbrio na dedicação à família e ao trabalho. "Tem momentos que são 80% família e 20% trabalho, mas às vezes as prioridades se invertem." No cargo atual, dirige uma equipe de 100 pessoas na unidade da GE em Cotia (SP).
Homens na linha
Vera Bier, 52 anos, diretora do Samsung Instituto de Desenvolvimento para a Informática, em Campinas (SP)
Se hoje em dia qualquer brasileiro pode ter um telefone em casa a um preço acessível, Vera Bier é uma das responsáveis. A engenheira de computação ajudou a desenvolver a primeira rede integrada de telefonia de tecnologia nacional, até hoje um dos maiores projetos da área no país, criado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) de Campinas (SP).
Após 19 anos trabalhando no CPqD, ela foi contratada, em 2004, para montar uma equipe de pesquisa e desenvolvimento na Samsung, fabricante coreana de celulares e eletroeletrônicos — a equipe começou com 12 pessoas e hoje tem 180 funcionários. Agora, Vera é diretora do Samsung Instituto de Desenvolvimento para a Informática.
Entre outras invenções do instituto estão o desenvolvimento de softwares de celular, o primeiro telefone móvel compatível com a tecnologia de TV digital, além de avanços para o sistema Android para tablets. Ela conta que em alguns momentos as mulheres podem sentir dificuldade de se integrar.
"Como a maioria dos profissionais em cargos executivos são homens, parece haver uma sinergia natural de assuntos entre eles", diz. Para evitar esses momentos, ela comanda a conversa focando nos assuntos da empresa, exclusivamente. "Quando começam a falar sobre futebol, aviso: 'Pessoas, depois vocês conversam sobre isso'."
Gerenciando as plataformas
Renata Morand, 38 anos, gerente de engenharia da Odebrecht Óleo e Gás, em Macaé (RJ)
Carioca, a engenheira química Renata Morand se formou em 1997 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Naquela época, o mercado era bastante restrito para os engenheiros e a maioria dos meus colegas foi trabalhar em bancos", diz. Ela, no entanto, recebeu logo a proposta de uma empresa para ajudar a desenvolver plataformas para a Petrobras e chegou a trabalhar dois anos em Cingapura pela companhia.
Ao retornar ao Brasil, em 2000, Renata deparou com um cenário completamente diferente. "O mercado de petróleo crescia cada vez mais. Foi uma melhora brutal para os engenheiros", conta. Em 2002 foi contratada pela Odebrecht
Óleo e Gás na unidade de Macaé, onde assumiu a coordenação de diversos projetos de companhias como Shell e Petrobras. Quatro anos depois chegou ao cargo de gerente de engenharia da unidade. "Existem poucas engenheiras em Macaé, cerca de cinco, em relação a 100 homens." Ela sente que, para impor respeito, precisa manter a postura e se destacar até mais do que os executivos homens.
"Muitas vezes, a mulher tem que ser melhor do que o homem para provar seu valor", diz. "Por isso, sempre procurei me diferenciar, fazendo cursos de capacitação e assumindo desde sempre uma postura confiante."
São Paulo - Dados da Confederação Nacional da Indústria (CNI) apontam que a engenharia tem um déficit de 75.000 profissionais. Segundo a entidade, a evasão nos cursos da área é superior a 50%, sendo que a maioria deixa a faculdade nos dois primeiros anos. Como resultado, o Brasil forma menos de 40.000 engenheiros a cada ano, enquanto a Rússia forma 120.000 e a China ultrapassa os 400.000.
Quando se trata de profissionais mulheres , o número cai ainda mais. Elas representam apenas 25% dos estudantes matriculados em cursos de engenharia e formam não mais do que 15% da força de trabalho dos engenheiros do país, de acordo com dados da Federação Nacional dos Engenheiros. As razões variam desde a origem militar da profissão, passando pela exigência de trabalho de campo, muitas vezes sujeito a intempéries e a alojamentos precários ou em ambientes fabris, até a necessidade de comandar equipes predominantemente masculinas.
Some-se ainda machismo e preconceito, como o que reza que homens são melhores em disciplinas das ciências exatas. "Desde crianças, os meninos ganham carrinhos com controle remoto, enquanto as meninas recebem bonecas cor-de-rosa", diz Paula Dornhofer Paro Costa, engenheira elétrica e doutoranda da Faculdade de Engenharia Elétrica e de Computação da Universidade Estadual de Campinas, no interior de São Paulo.
Para as engenheiras em cargos de liderança , parece haver um duplo desafio. Provar que são capazes de comandar equipes tão bem, ou melhor, que os homens e encontrar um jeito próprio, mais feminino, de gerenciar. A seguir, engenheiras que se destacam como grandes pesquisadoras de inovação e diretoras de grandes empresas contam como fizeram carreira na área e ajudam a derrubar os mitos.
Cada vez mais comum
Simone Silva Rocha, 44 anos, gerente de vendas de serviços da IBM, em São Paulo (SP)
A engenheira eletrônica Simone Rocha começou a trabalhar com fabricação de hardware em 1989 na IBM e atualmente ocupa o posto de gerente de serviços de TI e vendas para os setores de telecomunicações, indústria e distribuição. Entre suas conquistas estão projetos na casa dos 50 milhões de reais para o setor financeiro, especialmente bancos.
Além da absorção de importantes vendas para empresas, como Vivo, Oi e Telefônica, e da otimização dos negócios em empresas do setor de energia elétrica e distribuição de gás natural. Quando se formou na Universidade Federal de Itajubá, em Minas Gerais, havia apenas cinco mulheres em sua turma de 50 alunos.
Naquela época, Simone não previa que a IBM teria os atuais 30% do efetivo global compostos por mulheres. "Hoje, a situação está muito mais equilibrada, principalmente no setor de vendas", diz. Para ela, as mulheres se destacam na gerência porque estão sempre atentas aos detalhes. "Aprendemos a nos planejar muito dentro de casa, com os filhos e a organização da casa", diz a executiva.
Casal de engenheiros
Michele Robert, 38 anos, diretora de energia e água da General Electric, em Cotia (SP)<
A engenheira industrial Michele Robert nasceu em São Paulo e foi morar em Buenos Aires, capital argentina, na adolescência, quando o pai foi expatriado pela Ford. Lá, ela fez colegial técnico em engenharia mecânica. "Era difícil. Havia muitas piadinhas dos professores, que mandavam as alunas migrarem para corte e costura", diz. Quando o pai mudou-se para os Estados Unidos, em 1998, ingressou na graduação em engenharia industrial na Universidade da Flórida.
"Nos Estados Unidos a situação era muito diferente, havia gente do mundo todo e eu não era um peixe fora d’água." Michele fez carreira por lá — primeiro na Motorola, depois em duas unidades da GE. Em 2010, regressou ao Brasil como diretora de energia e água da GE, acompanhando o marido, também diretor da empresa (o casal se conheceu durante a faculdade).
Michele iniciou a carreira no chão de fábrica. Virou gerente de produção aos 27 anos. Ao mesmo tempo, teve a primeira filha e aprendeu que nunca haveria um equilíbrio na dedicação à família e ao trabalho. "Tem momentos que são 80% família e 20% trabalho, mas às vezes as prioridades se invertem." No cargo atual, dirige uma equipe de 100 pessoas na unidade da GE em Cotia (SP).
Homens na linha
Vera Bier, 52 anos, diretora do Samsung Instituto de Desenvolvimento para a Informática, em Campinas (SP)
Se hoje em dia qualquer brasileiro pode ter um telefone em casa a um preço acessível, Vera Bier é uma das responsáveis. A engenheira de computação ajudou a desenvolver a primeira rede integrada de telefonia de tecnologia nacional, até hoje um dos maiores projetos da área no país, criado pelo Centro de Pesquisa e Desenvolvimento (CPqD) de Campinas (SP).
Após 19 anos trabalhando no CPqD, ela foi contratada, em 2004, para montar uma equipe de pesquisa e desenvolvimento na Samsung, fabricante coreana de celulares e eletroeletrônicos — a equipe começou com 12 pessoas e hoje tem 180 funcionários. Agora, Vera é diretora do Samsung Instituto de Desenvolvimento para a Informática.
Entre outras invenções do instituto estão o desenvolvimento de softwares de celular, o primeiro telefone móvel compatível com a tecnologia de TV digital, além de avanços para o sistema Android para tablets. Ela conta que em alguns momentos as mulheres podem sentir dificuldade de se integrar.
"Como a maioria dos profissionais em cargos executivos são homens, parece haver uma sinergia natural de assuntos entre eles", diz. Para evitar esses momentos, ela comanda a conversa focando nos assuntos da empresa, exclusivamente. "Quando começam a falar sobre futebol, aviso: 'Pessoas, depois vocês conversam sobre isso'."
Gerenciando as plataformas
Renata Morand, 38 anos, gerente de engenharia da Odebrecht Óleo e Gás, em Macaé (RJ)
Carioca, a engenheira química Renata Morand se formou em 1997 pela Universidade Federal do Rio de Janeiro. "Naquela época, o mercado era bastante restrito para os engenheiros e a maioria dos meus colegas foi trabalhar em bancos", diz. Ela, no entanto, recebeu logo a proposta de uma empresa para ajudar a desenvolver plataformas para a Petrobras e chegou a trabalhar dois anos em Cingapura pela companhia.
Ao retornar ao Brasil, em 2000, Renata deparou com um cenário completamente diferente. "O mercado de petróleo crescia cada vez mais. Foi uma melhora brutal para os engenheiros", conta. Em 2002 foi contratada pela Odebrecht
Óleo e Gás na unidade de Macaé, onde assumiu a coordenação de diversos projetos de companhias como Shell e Petrobras. Quatro anos depois chegou ao cargo de gerente de engenharia da unidade. "Existem poucas engenheiras em Macaé, cerca de cinco, em relação a 100 homens." Ela sente que, para impor respeito, precisa manter a postura e se destacar até mais do que os executivos homens.
"Muitas vezes, a mulher tem que ser melhor do que o homem para provar seu valor", diz. "Por isso, sempre procurei me diferenciar, fazendo cursos de capacitação e assumindo desde sempre uma postura confiante."