Chefe no WhatsApp, perigo constante: você é obrigado a responder?
A Ambev terá de pagar uma multa de 10 mil reais por mensagem enviada fora do horário de expediente. Saiba o que você pode fazer
Tamires Vitorio
Publicado em 24 de março de 2020 às 06h00.
Última atualização em 24 de março de 2020 às 09h37.
10 mil reais. Esse é o valor da multa que a Ambev terá de pagar toda vez que uma mensagem de cobrança de metas e desempenho ou sobre informações relacionadas ao trabalho for enviada em grupos do WhatsApp fora do horário de expediente dos funcionários.
O acordo realizado entre a empresa acendeu o debate sobre os excessos da ferramenta no mundo corporativo.
No Google , basta digitar "preciso responder..." que a ferramenta de pesquisa conclui a frase da seguinte forma: "mensagens de trabalho durante as férias ou finais de semana".
A dúvida não quer calar --- e que atire a primeira pedra (ou smartphone) quem nunca se perguntou se era obrigado a responder alguém do serviço mesmo depois de já ter ido embora.
A França, por exemplo, reconheceu, em 2017, a desconexão como direito do empregado. Por lá, as empresas e empregados tiveram de negociar o limite para chegar a um acordo, tendo em vista a especificidade e demanda de cada negócio e a necessidade fundamental de descanso.
A CLT brasileira não prevê a desconexão propriamente dita, mas também não obriga, legalmente, o funcionário a responder o chefe depois que já desligou o computador e parou a jornada. "A lei brasileira garante a jornada contratual de trabalho. Tanto remota quanto fisicamente, essas horas precisam ser respeitadas", afirma Fabiana Fittipaldi, advogada trabalhista e sócia da PMMF Advogados.
Em tempos de home office por conta do coronavírus, a orientação não muda: se uma pessoa trabalha 8 horas por dia, com direito a uma hora de almoço, seus horários precisam ser respeitados.
Responder a uma mensagem do gestor ou da equipe após o expediente ou durante uma folga só se torna obrigatória se isso for especificado em seu contrato. "Se a mensagem for enviada em um sábado, por exemplo, não responda. No próximo dia útil, entregue o que foi pedido imediatamente", diz Candice Fernandes, Head de Operações da Stato.
É claro que nada é tão simples. Para quem tem medo de não falar nada e sofrer retaliação, vale responder e afirmar que atenderá a demanda assim que possível. Se não adiantar, procurar a área de recursos humanos da empresa e explicar que não se sentiu confortável ao ser acionado depois de já ter parado de trabalhar é uma boa opção. "Peça um posicionamento da empresa e deixe que o RH faça a ponte entre você e seu gestor. Dessa forma, você evita o confronto direto", explica Candice.
Se uma mensagem sobre algum trabalho a ser feito de forma imediata for enviada durante folga, férias ou fim de semana, o empregado pode alegar sobreaviso, termo usado para definir que o profissional tem de estar sempre disponível para o serviço, mesmo durante o período de descanso.
Caso trabalhe durante o fim de semana sem bonificação financeira ou direito à folga, o funcionário pode anotar a jornada extra. "Se ele trabalha durante o final de semana, e não recebe, isso não está de acordo com a lei. Aí o ideal é conversar com o gestor", diz Fabiana.
Do ponto de vista da empresa, é necessário realizar treinamentos e estabelecer uma política de boas práticas em aplicativos de mensagens.
A recomendação de Fabiana é que seja estabelecida uma política clara e simples, explicando o empregador não deve usar o WhatsApp após o horário de trabalho porque será advertido. "Junto com isso, é preciso ter uma conscientização dos gestores: se limite a enviar mensagens dentro do horário comercial e deixe claro que não está pedindo as coisas para o horário que enviou a mensagem", explica.
Quando o treinamento não funciona e os funcionários denunciam o comportamento de colegas de trabalho e líderes, o fator financeiro acaba pesando. " Uma coisa eventual não configura hora extra, nem qualquer outro tipo de pagamento. O que não pode acontecer é que todo dia sejam cobradas metas, objetivos", diz Candice.
Por isso, Candice acredita que o caso da Ambev é emblemático. "Quando não vai pelo amor, vai pela dor", brinca.
Broncas "à la zap"
Uma situação que deve ser evitada e que acontece muito nas empresas é a bronca em grupos de equipe no WhatsApp.
O funcionário que se sentir constrangido com a atitude pode, inclusive, tomar atitudes legais. " Isso pode configurar danos morais, porque algum colaborador pode se sentir exposto em grupos do WhatsApp, não só pelo gestor, mas até quando colegas fazem um comentário que o expõe", diz Candice.
Bom dia, grupo da firma
Até para falar com os seus pares e gestores no WhatsApp existe um guia de etiqueta.
Para Candice, a conversa no grupo corporativo precisa acontecer somente dentro do horário de trabalho das pessoas ou para comunicar emergências.
Segundo ela, assuntos como política, piadas e alguns memes devem ser evitados.
Áudios também não são recomendados. "Eles podem se tornar longos e não dá para ouvi-los em uma reunião", diz ela.