Sergio Rial: presidente do Santander (Santander/Divulgação)
Camila Pati
Publicado em 3 de março de 2018 às 06h00.
Última atualização em 20 de janeiro de 2020 às 12h06.
São Paulo – O uso do humor como forma primária de instrumento de dominação é uma das barreiras visíveis para o avanço da diversidade nas empresas, segundo disse o presidente do banco Santander Sergio Rial.
“Um diretor numa reunião na área de banco de investimentos virou para mim e disse: aqui não tem problema de diversidade, tem um monte de boiola (termo pejorativo para designar homens homossexuais) no meu grupo. Obviamente que hoje esse diretor está convivendo fora do banco”, disse o executivo
A declaração foi dada durante reunião do Grupo Mulheres do Brasil, rede presidida pela empresária Luiza Trajano, realizada na quinta-feira, 1, e que recebeu centenas de mulheres na sede do Santander em São Paulo (SP). O encontro abriu o mês de março, em que se comemora, no dia 8, o Dia Internacional da Mulher.
A tolerância zero, disse Rial, teve como razão a forma desrespeitosa com que o diretor se referiu a colegas de trabalho. “Mas a vida é espetacular e se encarrega de trazer presentes. Não quero vingança nenhuma, mas acontece. Esse círculo se encerra de alguma forma”, disse Rial para uma plateia lotada de mulheres.
O executivo falou sobre a importância da diversidade e do papel transformador do universo feminino e recebeu elogios rasgados de Luiza Helena Trajano, fundadora do Grupo Mulheres do Brasil, que tem como objetivo principal de estimular o protagonismo feminino.
“Se existe uma pessoa que está fazendo diversidade no Brasil, mudando um pouco o conceito de banco, e eu tenho que falar disso para seus colegas presidentes de banco, é o Sérgio”, disse Luiza, agradecendo a cessão do espaço para a reunião, sem pedido de contrapartida. “Ainda dão um lanche que custa caro. Não é fácil. A gente não tem patrocinador. O dinheiro que temos é mantido por nós mesmas”, contou a empresária.
O grupo tem 25 núcleos regionais no Brasil, Portugal e Holanda, 12 mil participantes e, além de promover networking entre as mulheres, tem parceria com ONGs, influencia a política e tem ações na área de educação, empreendedorismo, saúde, igualdade racial e gênero, entre outras.
Dos 46 mil funcionários do Santander, 59% são mulheres, das quais 25% ocupam posições de liderança, entre superintendentes, diretores e VPs. “Estamos falando de 179 mulheres”, diz ele. A meta do banco, afirmou, é subir para 30% o percentual de líderes mulheres.
“O trabalho é identificar como a gente consegue acelerar essa mobilidade sem forçar. Mas, por outro lado, se não houver plano de ação nada acontece ”, diz.
Entre as ações propositivas realizadas pelo banco ele citou que 50% dos funcionários contratados são, obrigatoriamente, mulheres. “Aí tem intenção, não é por acaso, é esforço adicional. Falam: ah, mas vai levar mais tempo. Tem que ter e vai levar mais tempo mesmo”.
Já em relação à igualdade racial, o caminho é ainda mais longo: 80% dos funcionários se declaram brancos. “ Mas, estamos em busca de sermos um banco que seja a representação do país”.
O executivo afirma que o banco tem essas iniciativas sem abrir mão da meritocracia. “ Não tem muleta”, disse. Para o programa de trainees da empresa, por exemplo, são aceitos alunos de todas as faculdades e cursos, sem restrição.
Já há algum tempo que uma boa formação acadêmica não é garantia de sucesso no mercado de trabalho. Para além da faculdade ou do curso escolhido, as empresas estão interessadas em outro tipo de bagagem trazida pelos profissionais e a política de seleção do Santander vai nessa linha, segundo seu presidente no Brasil.
“Vale o currículo e a formação, mas junto com eles vale o tipo de experiência que a pessoa teve”, diz. E nesse aspecto mulheres, em geral, têm vantagem, na sua opinião.
A riqueza das experiências femininas pesa mais do que a do mundo dos homens, segundo vê Rial. “ São, mães, são empreendedoras, lidam com uma realidade que é microcosmo social complexo que é a família, onde a relação de amor e ódio, admirar e detestar, coexistem”, diz.
Dizendo querer fugir de generalizações, o presidente do Santander afirmou que as mulheres lidam com as emoções de maneira mais complexa e em algumas vezes lidam com a superficialidade do mundo masculino. “Quando se é capaz de refletir e sintetizar, vocês mulheres deveriam ser, na média, muito mais efetivas na gestão de qualquer processo de transformação. E por não são? ”
Rial assumiu não ter a resposta mas citou algumas hipóteses, como, por exemplo, a ausência de confiança. “ Reflexo de um século que ainda não lhe havia dado permissão de ser. Às vezes também, a falta de vontade pois o cansaço é real, seja físico ou emocional. E âs vezes por falta de modelo”, disse.
Mulheres que desbravaram o mercado de trabalho, segundo o executivo, acabaram se masculinizando, no sentido mais abrangente da palavra, pontuou. “ E aí se perderam, porque deixaram de ser aquilo que são fundamentalmente melhores que é o fato de serem inspiradoras”, diz.
A capacidade de sonhar também um ponto a favor das mulheres, segundo ele. “ A mulher traz o sonho que, em alguns casos, pode até ser considerado intangível, mas ele é fundamental porque é combustível de propósito”, disse.