As advogadas se reúnem no grupo Jurídico de Saias
Um grupo online, criado a partir de um e-mail, mudou o jeito de mais de 500 mulheres encararem a carreira
Da Redação
Publicado em 19 de março de 2013 às 14h49.
São Paulo - No dia 30 de março de 2009, 14 amigas, todas advogadas, receberam um e-mail cuja mensagem continha um convite e, ao mesmo tempo, uma missão: formar um grupo online para discutir a carreira jurídica dentro das corporações.
“O objetivo era compartilhar ideias, cases que pudessem ajudar as outras em seus trabalhos, além de discussões sobre o papel da mulher e como ela deve agir para avançar profissionalmente”, diz a remetente Josie Jardim, que meses antes de enviar o e-mail tinha assumido a posição de diretora jurídica para a América Latina da General Electric (GE).
Josie observou em suas viagens que as mulheres começavam a ter um destaque maior nessa área, mas, diferentemente dos homens, não tinham referências femininas para se espelhar. A mensagem foi repassada adiante para outras amigas e dois meses depois surgia o Jurídico de Saias, que desde então ganhou novas adeptas. Hoje, o grupo tem mais de 500 integrantes.
As saias — é assim que elas se referem umas às outras — são advogadas entre 30 e 50 anos de idade que lideram o departamento jurídico de pelo menos 300 médias e grandes companhias nacionais e multinacionais (há empresas com mais de uma representante). A VOCÊ S/A conseguiu reunir, em São Paulo, 18 delas, das quais 11 receberam a primeira mensagem enviada por Josie, da GE, para entender o sucesso do grupo, o que as une e suas conquistas nesses três anos de existência.
O que fica claro, depois de alguns minutos de conversa, é que elas conseguiram derrubar dois mitos consagrados no universo masculino. O primeiro deles diz que as mulheres estão sempre competindo e disputando umas com as outras. O outro diz que elas não sabem fazer networking. “Provamos que ambos estão errados. Aqui, o nível de colaboração é enorme”, diz Andréa Landé, diretora jurídica da Delta Energia.
Para ser aceita por esse clube exclusivo há alguns critérios, como ser convidada por uma “sócia”, trabalhar no departamento jurídico e não pertencer a escritórios de advocacia. A última regra tem por objetivo evitar conflitos de interesse, visto que muitas bancas têm como clientes as empresas para quais as saias trabalham. Ao entrar no grupo, é preciso assinar um contrato de confidencialidade para que os assuntos discutidos ali não vazem.
A pena para quem viola a regra é a expulsão. Nesses três anos de existência, houve apenas um caso. Os encontros e as discussões acontecem diariamente por meio de um blog de acesso privado e, pessoalmente, a cada dois meses. Cada estado ou região é incentivado a promover seus eventos e compartilhar com o grupo o que foi debatido. As discussões de carreira se dão em torno de temas como remuneração, crescimento profissional, discriminação no trabalho e gravidez. Em alguns encontros há mediadores, como headhunters e coachs.
No blog são compartilhados artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros, dúvidas de trabalho, anúncios de vagas abertas na organização. Algumas já trocaram de emprego graças a uma dessas indicações, como é o caso de Andréa, da Delta Energia, que foi recomendada por outra saia para o cargo que ocupa hoje.
Renata Lorenzetti Garrido, diretora jurídica da P&G, recorreu ao grupo quando tinha a missão de apresentar o sistema jurídico brasileiro a um convidado estrangeiro. “As saias toparam o desafio e montei uma verdadeira aula a partir das ideias e das orientações das colegas”, conta.
Rede de contatos
Por estar em vários cantos do país, nem todas as executivas se conhecem pessoalmente. O blog é o espaço de aproximação entre elas. “Um dia eu estava dando uma palestra e comecei a ver umas mãos acenando bem discretamente. Interrompi a palestra para perguntar se tinha alguma saia no auditório. De repente, várias mãos se levantaram”, diz Josie.
Se para elas a mulher já provou que é capaz de produzir tanto quanto ou melhor do que o homem, o grupo ajudou algumas delas a superar culpas que carregavam. “Eu sofria quando tinha de deixar meus filhos para viajar porque me sentia culpada”, diz Rogéria Gieremek, gerente executiva da Serasa Experian. “Agora eu viajo e deixo todas as instruções com a professora para, se acontecer alguma coisa, avisar o pai.”
E uma outra profissional complementa: “Meu filho já passou da fase de achar que eu era aeromoça”, diz Isabella Maciel de Sá, diretora jurídica da farmacêutica Novartis. “Agora ele sabe que a mãe é uma executiva e que viajar faz parte do trabalho.”
Apesar de o curso de direito estar atraindo um grande número de mulheres, elas ainda enfrentam dificuldade para crescer na carreira a partir da média gerência, segundo afirmação do próprio grupo. De acordo com o último censo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), divulgado em março, dos 696 864 advogados em atividade no país, quase 49% são mulheres. Estima-se que elas passem a ser maioria até o fim desta década. Apesar disso, menos de 20% das advogadas brasileiras ocupam a posição de diretor ou vice-presidente da área jurídica nas organizações.
A baixa representatividade das mulheres nos cargos de alto comando não é um problema apenas do Brasil. A última versão de um estudo conduzido desde 2007 pela consultoria McKinsey sobre a evolução da participação da mulher nas empresas da Europa mostrou que 90% das 234 companhias pesquisadas têm algum programa para aumentar o número de profissionais do sexo feminino em cargos de liderança.
Contudo, segundo o estudo da McKinsey, somente em 8% das empresas pesquisadas as mulheres ocupam mais de 25% dos cargos de alto escalão. Uma explicação para esse quadro, mostra a pesquisa, está no fato de que os líderes — homens na sua maioria — se mostram relutantes em dar às mulheres feedback mais objetivos e até duros, mas necessários para ajudar qualquer um no caminho ao topo.
Alguns gestores também disseram se sentir mais confortáveis promovendo aqueles que se comportam e pensam como eles, ou seja, escolhendo homens quando têm oportunidade de promover um funcionário. O levantamento também aponta que a baixa incidência de mulheres em postos de alta direção se deve às “incontestáveis” visões de que determinadas posições requerem longas horas de trabalho e exigem muitas viagens, condições para as quais as mulheres não estariam adequadas.
“Temos muito chão para percorrer até chegarmos a um nível como o da Finlândia, por exemplo. Lá os cidadãos olham para o profissional independentemente do sexo”, diz Alessandra Del Debbio, diretora jurídica da multinacional finlandesa Nokia.
As executivas do Jurídico de Saias afirmam que estão contratando mais mulheres. “E não é uma questão de sexo, é de qualificação mesmo. Os homens que chegam para a entrevista são menos capacitados”, diz Josie. As estatísticas corroboram essa fala. Em 2002, 9% das brasileiras e 8% dos homens tinham diploma de nível superior. De lá para cá, a participação feminina nas universidades cresceu quase 60%.
Hoje, 15% delas têm graduação, ante 12% deles. Um levantamento do site de empregos Catho Online com 164 000 trabalhadores de 20 000 empresas mostra que, quando o assunto é pós-graduação, as mulheres também levam vantagem. Do total de entrevistados, 20% das mulheres eram pós-graduadas, ante 17% dos homens.
O sucesso do grupo tem repercutido no mercado. Algumas profissionais do Jurídico de Saias foram convidadas recentemente a dar uma espécie de consultoria para advogadas de escritórios tradicionais, como Pinheiro Neto e Tozzini Freire, que desejam montar uma rede online de relacionamento profissional.
Em um dos últimos posts do blog, a idealizadora do grupo, Josie, da GE, escreveu o que para ela é um sinal de reconhecimento: “A advogada da GE na Europa me mandou um e-mail dizendo que estava falando com um headhunter que mencionou o Legal in Skirts [equivalente, em inglês, a Jurídico de Saias]”. E comemora: “Como se vê, estamos ficando importantes”.
São Paulo - No dia 30 de março de 2009, 14 amigas, todas advogadas, receberam um e-mail cuja mensagem continha um convite e, ao mesmo tempo, uma missão: formar um grupo online para discutir a carreira jurídica dentro das corporações.
“O objetivo era compartilhar ideias, cases que pudessem ajudar as outras em seus trabalhos, além de discussões sobre o papel da mulher e como ela deve agir para avançar profissionalmente”, diz a remetente Josie Jardim, que meses antes de enviar o e-mail tinha assumido a posição de diretora jurídica para a América Latina da General Electric (GE).
Josie observou em suas viagens que as mulheres começavam a ter um destaque maior nessa área, mas, diferentemente dos homens, não tinham referências femininas para se espelhar. A mensagem foi repassada adiante para outras amigas e dois meses depois surgia o Jurídico de Saias, que desde então ganhou novas adeptas. Hoje, o grupo tem mais de 500 integrantes.
As saias — é assim que elas se referem umas às outras — são advogadas entre 30 e 50 anos de idade que lideram o departamento jurídico de pelo menos 300 médias e grandes companhias nacionais e multinacionais (há empresas com mais de uma representante). A VOCÊ S/A conseguiu reunir, em São Paulo, 18 delas, das quais 11 receberam a primeira mensagem enviada por Josie, da GE, para entender o sucesso do grupo, o que as une e suas conquistas nesses três anos de existência.
O que fica claro, depois de alguns minutos de conversa, é que elas conseguiram derrubar dois mitos consagrados no universo masculino. O primeiro deles diz que as mulheres estão sempre competindo e disputando umas com as outras. O outro diz que elas não sabem fazer networking. “Provamos que ambos estão errados. Aqui, o nível de colaboração é enorme”, diz Andréa Landé, diretora jurídica da Delta Energia.
Para ser aceita por esse clube exclusivo há alguns critérios, como ser convidada por uma “sócia”, trabalhar no departamento jurídico e não pertencer a escritórios de advocacia. A última regra tem por objetivo evitar conflitos de interesse, visto que muitas bancas têm como clientes as empresas para quais as saias trabalham. Ao entrar no grupo, é preciso assinar um contrato de confidencialidade para que os assuntos discutidos ali não vazem.
A pena para quem viola a regra é a expulsão. Nesses três anos de existência, houve apenas um caso. Os encontros e as discussões acontecem diariamente por meio de um blog de acesso privado e, pessoalmente, a cada dois meses. Cada estado ou região é incentivado a promover seus eventos e compartilhar com o grupo o que foi debatido. As discussões de carreira se dão em torno de temas como remuneração, crescimento profissional, discriminação no trabalho e gravidez. Em alguns encontros há mediadores, como headhunters e coachs.
No blog são compartilhados artigos publicados em periódicos nacionais e estrangeiros, dúvidas de trabalho, anúncios de vagas abertas na organização. Algumas já trocaram de emprego graças a uma dessas indicações, como é o caso de Andréa, da Delta Energia, que foi recomendada por outra saia para o cargo que ocupa hoje.
Renata Lorenzetti Garrido, diretora jurídica da P&G, recorreu ao grupo quando tinha a missão de apresentar o sistema jurídico brasileiro a um convidado estrangeiro. “As saias toparam o desafio e montei uma verdadeira aula a partir das ideias e das orientações das colegas”, conta.
Rede de contatos
Por estar em vários cantos do país, nem todas as executivas se conhecem pessoalmente. O blog é o espaço de aproximação entre elas. “Um dia eu estava dando uma palestra e comecei a ver umas mãos acenando bem discretamente. Interrompi a palestra para perguntar se tinha alguma saia no auditório. De repente, várias mãos se levantaram”, diz Josie.
Se para elas a mulher já provou que é capaz de produzir tanto quanto ou melhor do que o homem, o grupo ajudou algumas delas a superar culpas que carregavam. “Eu sofria quando tinha de deixar meus filhos para viajar porque me sentia culpada”, diz Rogéria Gieremek, gerente executiva da Serasa Experian. “Agora eu viajo e deixo todas as instruções com a professora para, se acontecer alguma coisa, avisar o pai.”
E uma outra profissional complementa: “Meu filho já passou da fase de achar que eu era aeromoça”, diz Isabella Maciel de Sá, diretora jurídica da farmacêutica Novartis. “Agora ele sabe que a mãe é uma executiva e que viajar faz parte do trabalho.”
Apesar de o curso de direito estar atraindo um grande número de mulheres, elas ainda enfrentam dificuldade para crescer na carreira a partir da média gerência, segundo afirmação do próprio grupo. De acordo com o último censo da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), divulgado em março, dos 696 864 advogados em atividade no país, quase 49% são mulheres. Estima-se que elas passem a ser maioria até o fim desta década. Apesar disso, menos de 20% das advogadas brasileiras ocupam a posição de diretor ou vice-presidente da área jurídica nas organizações.
A baixa representatividade das mulheres nos cargos de alto comando não é um problema apenas do Brasil. A última versão de um estudo conduzido desde 2007 pela consultoria McKinsey sobre a evolução da participação da mulher nas empresas da Europa mostrou que 90% das 234 companhias pesquisadas têm algum programa para aumentar o número de profissionais do sexo feminino em cargos de liderança.
Contudo, segundo o estudo da McKinsey, somente em 8% das empresas pesquisadas as mulheres ocupam mais de 25% dos cargos de alto escalão. Uma explicação para esse quadro, mostra a pesquisa, está no fato de que os líderes — homens na sua maioria — se mostram relutantes em dar às mulheres feedback mais objetivos e até duros, mas necessários para ajudar qualquer um no caminho ao topo.
Alguns gestores também disseram se sentir mais confortáveis promovendo aqueles que se comportam e pensam como eles, ou seja, escolhendo homens quando têm oportunidade de promover um funcionário. O levantamento também aponta que a baixa incidência de mulheres em postos de alta direção se deve às “incontestáveis” visões de que determinadas posições requerem longas horas de trabalho e exigem muitas viagens, condições para as quais as mulheres não estariam adequadas.
“Temos muito chão para percorrer até chegarmos a um nível como o da Finlândia, por exemplo. Lá os cidadãos olham para o profissional independentemente do sexo”, diz Alessandra Del Debbio, diretora jurídica da multinacional finlandesa Nokia.
As executivas do Jurídico de Saias afirmam que estão contratando mais mulheres. “E não é uma questão de sexo, é de qualificação mesmo. Os homens que chegam para a entrevista são menos capacitados”, diz Josie. As estatísticas corroboram essa fala. Em 2002, 9% das brasileiras e 8% dos homens tinham diploma de nível superior. De lá para cá, a participação feminina nas universidades cresceu quase 60%.
Hoje, 15% delas têm graduação, ante 12% deles. Um levantamento do site de empregos Catho Online com 164 000 trabalhadores de 20 000 empresas mostra que, quando o assunto é pós-graduação, as mulheres também levam vantagem. Do total de entrevistados, 20% das mulheres eram pós-graduadas, ante 17% dos homens.
O sucesso do grupo tem repercutido no mercado. Algumas profissionais do Jurídico de Saias foram convidadas recentemente a dar uma espécie de consultoria para advogadas de escritórios tradicionais, como Pinheiro Neto e Tozzini Freire, que desejam montar uma rede online de relacionamento profissional.
Em um dos últimos posts do blog, a idealizadora do grupo, Josie, da GE, escreveu o que para ela é um sinal de reconhecimento: “A advogada da GE na Europa me mandou um e-mail dizendo que estava falando com um headhunter que mencionou o Legal in Skirts [equivalente, em inglês, a Jurídico de Saias]”. E comemora: “Como se vê, estamos ficando importantes”.